Poder Judiciário
Justiça do Trabalho
Tribunal Superior do Trabalho

PROCESSO Nº TST-RR - 0100221-76.2021.5.01.0074

A C Ó R D Ã O

Tribunal Pleno

GPACV/lmnb/rdc/sp

REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA DE ÔNIBUS URBANO. COBRADOR. COMPATIBILIDADE DAS ATIVIDADES. ACRÉSCIMO SALARIAL. Cinge-se a controvérsia em determinar se é possível o deferimento de acréscimo salarial em razão do exercício concomitante das funções de motorista de ônibus urbano e cobrador. O Tribunal Regional concluiu pela impossibilidade do acúmulo, e deferiu o pagamento do acréscimo salarial, ao argumento de que “o acúmulo se revela abusivo e nocivo à saúde do empregado. Ademais, os danos também se estendem à sociedade com o incremento de acidentes e doenças do trabalho”. Diante da manifestação de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho e da C. SBDI-1 indica-se a matéria a ter a jurisprudência reafirmada, em face da seguinte questão jurídica: O exercício cumulativo das funções de motorista de ônibus urbano e cobrador caracteriza acúmulo de funções apto a gerar pagamento de acréscimo salarial? Para o fim de consolidar a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de fixar a seguinte tese vinculante: O exercício concomitante da função de cobrador pelo motorista de ônibus urbano não gera direito à percepção de acréscimo salarial. Recurso de revista representativo da controvérsia conhecido e, no mérito, provido para, aplicando a tese ora reafirmada, determinar a exclusão da condenação ao pagamento do acréscimo salarial de 30%.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR - 0100221-76.2021.5.01.0074, em que é RECORRENTE AUTO VIACAO JABOUR LTDA e é RECORRIDO JOSE PEDRO FERREIRA.

O presente recurso é representativo de controvérsia que, a despeito de estar pacificada nas oito Turmas e na Subseção I de Dissídios Individuais do TST, ainda enseja elevada recorribilidade, em razão de resistente divergência entre os Tribunais Regionais, colocando em risco a segurança jurídica e a missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes responsável pela unidade nacional do direito, nas matérias de sua competência.

A utilização da sistemática de demandas repetitivas tem por finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, pois consolida a jurisprudência e reduz, consequentemente, a litigiosidade nas Cortes superiores.

Apresentada, portanto, a presente proposta de afetação do processo RR-0100221-76.2021.5.01.0074 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 132-A e parágrafos, do RITST, com o fim de dirimir a seguinte questão jurídica:

O exercício cumulativo das funções de motorista de ônibus urbano e cobrador caracteriza acúmulo de funções apto a gerar pagamento de acréscimo salarial?

No caso em exame, se trata de tema a ser reafirmado no recurso de revista AUTO VIACAO JABOUR LTDA., Reclamada, em que consta a matéria acima delimitada: ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA DE ÔNIBUS URBANO. COBRADOR. COMPATIBILIDADE. ACRÉSCIMO SALARIAL.

É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TST

A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. A despeito de reiterados recordes de produtividade, é essencial que seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda, conforme demonstram as estatísticas do Tribunal Superior do Trabalho, que vem recebendo um volume maior de novos processos em comparação com os últimos anos. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).

Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024), segundo o qual:

“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial, para os fins previstos no caput deste artigo. (...)

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.

§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico, após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.”

Compete ao Presidente do Tribunal “indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...), inclusive mediante reafirmação de jurisprudência” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver “multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito, (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal”.

Quanto à multiplicidade de recursos sobre o debate da questão jurídica no Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de já estar aqui sedimentado, veja-se que simples consulta ao acervo jurisprudencial do TST, a partir da temática ora em exame, revelou 251 acórdãos e 763 decisões monocráticas, sendo que nos últimos 12 meses foram localizados 28 acórdãos e 137 decisões monocráticas (pesquisa realizada em 24/03/2025 no sítio www.tst.jus.br).

A relevância da formação de precedente obrigatório sobre o tema se configura justamente pelo fato de que a jurisprudência persuasiva desta Corte não se mostrou, até o presente, suficiente para garantir a unidade do Direito nacional em relação a tal matéria, havendo entendimentos dissonantes nos Tribunais Regionais, os quais ainda fomentam elevada recorribilidade.

RECURSO DE REVISTA REPRESENTATIVO AFETADO COMO INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS PARA REAFIRMAÇÃO JURISPRUDÊNCIA. DELINEAMENTO DO CASO CONCRETO SUBMETIDO A JULGAMENTO.

O recurso de revista ora afetado como incidente de recursos repetitivos foi interposto pela reclamante em face do acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, quanto à matéria ora afetada, nos seguintes termos:

(...) Acúmulo de funções

A sentença julgou improcedente o pedido de plus salarial por acúmulo de função, por considerar que a cobrança de passagens está inserida na rotina do motorista.

O Autor recorre argumentando sobre a incompatibilidade das funções, do excesso de responsabilidade, narra que desde a admissão lhe foi imposta tal condição.

Assiste-lhe razão.

Com efeito, a Ré não nega o acúmulo de funções, sendo a questão incontroversa.

Todavia considera-se que tal acúmulo constitui obrigação por demais onerosa imposta ao empregado, ante a incompatibilidade entre as funções de motorista e cobrador.

Inicialmente, registra-se que na CBO (7824-10), os motoristas de ônibus urbanos não possuem dentre suas atribuições a de cobrança de passagens:

“Conduzem e vistoriam ônibus e trólebus de transporte coletivo de passageiros urbanos, metropolitanos e ônibus rodoviários de longas distâncias; verificam itinerário de viagens; controlam o embarque e desembarque de passageiros e os orientam quanto a tarifas, itinerários, pontos de embarque e desembarque e procedimentos no interior do veículo. executam procedimentos para garantir segurança e o conforto dos passageiros. Habilitam-se periodicamente para conduzir ônibus.”

Com efeito, segundo a própria CBO nas condições gerais de exercício da função, os motoristas submetem-se às seguintes condições de trabalho:

“Trabalham em empresas de ônibus de transporte coletivo de passageiros, urbano, metropolitano e rodoviário de longa distância. São assalariados, com carteira assinada; atuam sob supervisão, de forma individual ou em duplas, nas viagens de longa distância. trabalham em veículos, em horários irregulares, em sistema de rodízio, sob pressão de cumprimento de horário. Permanecem em posição desconfortável por longos períodos e estão sujeitos a acidentes e assaltos, podendo provocar estresse. A ausência de instalações sanitárias, em paradas de ônibus urbanos de grandes cidades, provoca desconforto. as atividades são desenvolvidas em conformidade com leis e regulamentos de trânsito e de direção de veículos de transporte coletivo.” (grifou-se)

Diante das peculiaridades nocivas da atividade, verifica-se a impossibilidade de atribuir-se ao motorista também a tarefa de cobrar as passagens, aumentando ainda mais suas responsabilidades, na medida em que, além da condução de veículo, precisa conferir dinheiro e vale-transporte, providenciar e dar troco, ficar com a guarda e prestar conta de numerário. Observe-se que ‘dar carona’, fato ao qual seria alheio caso houvesse cobrador, acabou sendo um dos motivos para punições.

Assim, o acúmulo se revela abusivo e nocivo à saúde do empregado. Ademais, os danos também se estendem à sociedade com o incremento de acidentes e doenças do trabalho.

Desse modo, é devido o plus salarial pelo acúmulo das funções de motorista e cobrador, o qual é estipulado em 30% sobre o salário base do Autor, com repercussão sobre horas extras, férias, décimos terceiros salários, FGTS com multa de 40% e aviso prévio.

Ainda nesses termos, a decisão de embargos de declaração:

(...) Alega a Ré que o acórdão embargado foi omisso, pois não houve pronunciamento sobre a jurisprudência consolidada no TST, que entende compatível a atividade de motorista com a de cobrador, o que afasta a percepção do adicional por acúmulo de função. Sem razão a Ré. Em que pese tenha sido apresentada jurisprudência sobre o tema, esta não é vinculante. (...)

Com relação ao caso concreto, restou incontroverso que o autor, além de laborar como condutor do veículo, exercia a cobrança das passagens, e, em razão disso, pleiteou o acréscimo salarial respectivo. O Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, por sua vez, reformando a sentença, impôs o pagamento do acréscimo salarial de 30%, por entender caracterizado o acúmulo de funções, ao argumento de “o acúmulo se revela abusivo e nocivo à saúde do empregado. Ademais, os danos também se estendem à sociedade com o incremento de acidentes e doenças do trabalho”.

No bojo da peça recursal, a parte insurge-se em face de tal entendimento, e requer aplicação da jurisprudência ora firmada nesta Corte com relação à matéria.

Assim delineados os contornos fáticos e jurídicos do caso concreto em julgamento, passo à análise da jurisprudência pacífica desta Corte Superior ora submetida à reafirmação e suas repercussões no julgamento do caso.

REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO SOBRE A MATÉRIA SUBMETIDA À AFETAÇÃO

O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho pode ser sintetizado no sentido de que, em atenção à inteligência do art. 456, parágrafo único, da CLT, o exercício das funções de motorista de ônibus urbano e de cobrador de passagens pelo empregado não enseja o pagamento de acréscimo salarial, em razão da compatibilidade das respectivas funções, desde que as atividades sejam exercidas dentro da mesma jornada.

Nesse sentido, a jurisprudência de todas as Turmas desta Corte Superior:

(...) RECURSO DE REVISTA. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA. COBRADOR. FUNÇÕES COMPATÍVEIS. INCREMENTO SALARIAL INDEVIDO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o exercício das funções de motorista e cobrador revela-se compatível com a condição pessoal do empregado, não sendo devido qualquer acréscimo salarial a título de acúmulo de funções. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-0100208-29.2020.5.01.0069, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 13/11/2024).

(...) II - RECURSO DE REVISTA. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA E COBRADOR. POSSIBILIDADE. DIFERENÇAS SALARIAIS INDEVIDAS. Hipótese em que o Tribunal Regional deferiu o pagamento de diferença salarial ao entendimento de que a função de motorista é incompatível com exercício da atividade de cobrador. Contudo, a jurisprudência desta Corte Superior entendeu que as atividades de motorista de ônibus coletivo e cobrador são plenamente compatíveis, não ensejando o pagamento de adicional por acúmulo de funções, nos termos do art. 456, parágrafo único, da CLT. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (...) (RRAg-101469-62.2016.5.01.0265, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 18/03/2022).

RECURSO DE REVISTA. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA E COBRADOR. INEXISTÊNCIA. ATIVIDADES COMPATÍVEIS. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Inicialmente, convém esclarecer que o acúmulo de função apenas se configura quando o empregado, admitido para desempenhar determinada função, exerce atividade diversa, sem qualquer compatibilidade ou conexão com aquela objeto do contrato de trabalho. Nesse passo, ainda que diversa a atividade, se esta for compatível com a função para a qual foi contratado, bem como adequada à sua condição pessoal e funcional, descabe cogitar em acúmulo de função, de maneira que o salário, neste caso, já remunera todas as tarefas realizadas durante o horário normal de trabalho. Feitas tais considerações, cumpre ressaltar, em relação à controvérsia sobre o exercício simultâneo das funções de motorista e de cobrador, que a jurisprudência desta Corte é no sentido de que referidas atividades são compatíveis, não caracterizando acúmulo de função. Nesse passo, não subsiste o acórdão do Tribunal Regional que entendeu caracterizado o acúmulo de função, sendo indevido o pagamento de qualquer adicional. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-100440-33.2021.5.01.0028, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 22/11/2024).

(...) ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA DE ÔNIBUS URBANO E COBRADOR. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO. O artigo 456, parágrafo único, da CLT dispõe que, à falta de prova ou de cláusula expressa a tal respeito, entende-se que o empregado se obriga a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal. Nesse contexto, essa egrégia Corte Superior firmou o entendimento de que é possível a acumulação das atividades de motorista e de cobrador, porquanto são complementares entre si e não demandam esforço superior ao aceitável ou conhecimento específico mais complexo para a sua execução. Precedentes. No caso, o egrégio Tribunal Regional reformou a r. sentença para condenar as reclamadas em obrigação de não fazer, consistente na abstenção de impor aos seus empregados a acumulação da função de motorista com a de cobrador. Para tanto, entendeu não ser possível a acumulação das referidas atividades, o que vai de encontro com a jurisprudência dominante nesta Corte Superior. Recursos de revista de que se conhece e aos quais se dá provimento. (RR-11516-62.2014.5.01.0005, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 16/10/2020).

(...) II - RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. O TRT acolheu o pedido do reclamante quanto ao pagamento de adicional pelo acúmulo das funções de motorista e cobrador de transporte coletivo, ao fundamento de que a imposição de tarefas distintas e diversas daquelas contratadas originalmente gera a quebra da reciprocidade e do sinalagma contratual, exigindo que o magistrado os recomponha. 2. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que as funções de motorista e cobrador de ônibus são compatíveis entre si, não ensejando, portanto, o adicional deferido pelo TRT. Precedentes. Dessa forma, a decisão regional foi proferida em dissonância com o entendimento predominante desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido. (...) (RR-11034-23.2015.5.01.0024, 5ª Turma, Relatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 18/02/2025).

RECURSO DE REVISTA. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA E COBRADOR. A jurisprudência majoritária desta Corte adota o entendimento de que a cumulação de tarefas de motorista e cobrador são funções que se complementam entre si, exercidas no mesmo horário de trabalho, não demandando esforço superior ao aceitável ou conhecimento específico mais complexo do que aquele inerente à função principal, que justifiquem o pagamento de diferenças salariais ao trabalhador. Em processos em que se discute a possibilidade de acúmulo das funções de motorista e cobrador, esta Corte tem dirimido a questão conforme o art. 456, parágrafo único da CLT, a qual dispõe que à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal. Assim, tem decidido pela possibilidade do exercício da dupla função de motorista de ônibus e cobrador. Recurso de revista conhecido e provido. (RRAg-100217-48.2016.5.01.0451, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 13/08/2021).

RECURSO DE REVISTA DA RÉ. LEI Nº 13.015/2014. CPC/2015. INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST. LEI Nº 13.467/2017. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA DE TRANSPORTE COLETIVO E COBRADOR. ACRÉSCIMO SALARIAL INDEVIDO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA. A jurisprudência desta Corte Superior vem se posicionando no sentido de que o exercício de atividades diversas, compatíveis com a condição pessoal do trabalhador, não enseja o pagamento de acréscimo salarial por acúmulo de funções e são remuneradas pelo salário todas as tarefas desempenhadas dentro da jornada de trabalho. Nesse contexto, o exercício concomitante das funções de motorista de transporte coletivo e cobrador (recolhimento do valor das passagens), dentro da mesma jornada, não enseja o pagamento de acréscimo salarial. Recurso de revista conhecido e provido. (RR-101112-65.2018.5.01.0054, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 18/10/2024).

(...) RECURSO DE REVISTA. 1. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA E COBRADOR. DIFERENÇAS SALARIAIS. ACRÉSCIMO SALARIAL DE 30%. PROVIMENTO. 1. Esta Corte Superior tem firme entendimento no sentido de que as atividades de motorista e cobrador são complementares entre si e não demandam esforço superior ao aceitável ou conhecimento específico mais complexo para sua execução, razão pela qual são cumuláveis e não justificam o pagamento de diferenças salariais ao trabalhador. Precedentes. 2. Na hipótese, o egrégio Tribunal Regional condenou a reclamada ao pagamento das diferenças salariais ao reclamante, em virtude da acumulação das funções de motorista e cobrador. 3. A decisão contraria, portanto, o entendimento desta Corte Superior de que a acumulação das funções de motorista e cobrador não autoriza o pagamento de plus salarial. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (...) (RR-101452-50.2019.5.01.0223, 8ª Turma, Relator Desembargador Convocado Jose Pedro de Camargo Rodrigues de Souza, DEJT 11/02/2025).

A C. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais posicionou-se no mesmo sentido:

AGRAVO EM RECURSO DE EMBARGOS EM AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. ACÚMULO DE FUNÇÕES - MOTORISTA - COBRADOR. Verifica-se o enquadramento do caso em exame na exceção da alínea "f" da Súmula 353 do TST, eis que os embargos foram interpostos de decisão de Turma proferida em agravo em recurso de revista. Em prosseguimento, ante os termos do artigo 894 da CLT, afigura-se imprópria a invocação de ofensa a dispositivo legal ou preceito constitucional a justificar o conhecimento dos embargos, pelo que não cabe o exame da alegada violação aos artigos 7º, XXX, da Constituição Federal, 456 e 468 da CLT. De outra parte, não prospera a alegação de divergência jurisprudencial, eis que o aresto colacionado nas razões de embargos é inservível para a demonstração do dissenso, porque superado pela atual, iterativa e notória jurisprudência da SBDI-1 do TST, nos termos da norma insculpida no § 2º do art. 894 da CLT. Cediço que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que a questão atinente ao acúmulo de funções deve ser enfrentada à luz do parágrafo único do art. 456 da CLT, que dispõe expressamente que "À falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a todo e qualquer serviço compatível com a sua condição pessoal", o que foi devidamente observado pelo acórdão embargado. Depreende-se do referido dispositivo que há permissivo legal para o empregador exigir do empregado qualquer atividade compatível com a condição pessoal do empregado, desde que lícita, não havendo justificativa, portanto, para a percepção de acréscimo salarial, pelo reclamante, que exerce, cumulativamente, a função de motorista e cobrador. Agravo desprovido (Ag-E-Ag-RR-539-12.2014.5.01.0522, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 11/02/2022).

EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. DIFERENÇAS SALARIAIS. ACÚMULO DE FUNÇÕES - MOTORISTA E COBRADOR - CABIMENTO. Nos termos do art. 456, parágrafo único, da CLT, há permissão legal para o empregador exigir do empregado qualquer atividade compatível com a condição pessoal do empregado, desde que lícita e dentro da mesma jornada de trabalho. Não há justificativa, portanto, para a percepção de acréscimo salarial pelo Reclamante, que exerce, cumulativamente, a função de motorista e cobrador, quando patente que as obrigações em liça estão inseridas no elenco de obrigações decorrentes do contrato de trabalho, conforme consta da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Precedentes do TST. Recurso de embargos conhecido por divergência jurisprudencial e provido. (E-RR-67-15.2012.5.01.0511, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 22/04/2016).

A despeito da uniformização da jurisprudência no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, verificou-se que ainda remanescem recentes divergências nos Tribunais Regionais quanto ao tema, conforme se extrai das seguintes ementas, provenientes dos Tribunais da , e 11ª Regiões:

MOTORISTA DE ÔNIBUS. ACÚMULO DE FUNÇÃO DE COBRADOR. DIFERENÇAS SALARIAIS. Entende-se devida, a título de complementação salarial pelo acúmulo de funções de motorista e cobrador, um "plus" salarial calculado sobre o salário pago aos motoristas; devendo tal parcela integrar a base remuneratória do obreiro para todos os efeitos legais, com os reflexos postulados na inicial. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (7ª Turma). Acórdão: 0101153-31.2019.5.01.0043. Relator(a): ROGERIO LUCAS MARTINS. Data de julgamento: 22/05/2024. Juntado aos autos em 06/06/2024.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA E COBRADOR. IMPOSSIBILIDADE. RISCOS PARA A COLETIVIDADE DE PASSAGEIROS E VIOLAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL À HIGIDEZ DO MEIO AMBIENTE DE TRABALHO. Considerando as idiossincrasias nocivas da atividade, há que se reconhecer a impossibilidade de atribuir-se ao motorista de coletivo também a tarefa de cobrança das passagens, causando potencial risco de acidentes. Ninguém ousa negar que todo motorista de ônibus urbano encontra-se sob estresse e pressão contínua de cumprimento de horário, seja por conta do caótico trânsito, seja em razão dos habituais assaltos, excesso de passageiros e condições precárias de trabalho, o que, por óbvio, abala sua integridade psicofisiológica. Nesse ambiente, despicienda a autorização em norma coletiva, ou qualquer outro fundamento autorizativo da malsinada conduta patronal, eis que o acúmulo das funções de motorista e cobrador revela-se abusivo e nocivo, não apenas à saúde do empregado, mas também à coletividade de usuários do transporte público. Apelos patronal desprovido e ministerial provido. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (5ª Turma). Acórdão: 0100636-44.2018.5.01.0501. Relator(a): ROSANA SALIM VILLELA TRAVESEDO. Data de julgamento: 02/06/2021.

ACÚMULO DE FUNÇÕES. MOTORISTA E COBRADOR. DIREITO A PLUS SALARIAL PELAS TAREFAS ACRESCIDAS. 1. Configura-se o acúmulo de funções quando o empregador, concomitantemente com o exercício da função originalmente contratada, impõe novas atribuições ao Obreiro, que exigem o exercício de atividades qualitativa e quantitativamente superiores, em desequilíbrio ao contrato de trabalho, e com vulneração da boa-fé objetiva que deve vigorar nas relações contratuais (art. 422 do CC). 2. Tendo o Autor acumulado as funções de motorista e cobrador faz jus a um adicional pelas tarefas exercidas. No entanto, não prospera a pretensão da parte de receber, além do salário de motorista, a integralidade daquele devido ao cobrador. O duplo salário, pela mesma carga horária trabalhada, não encontra respaldo legal, além de violar o disposto nas CCT's incidentes. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (04ª Turma). Acórdão: 0010765-36.2019.5.03.0008. Relator(a): Denise Alves Horta. Data de julgamento: 12/04/2023. Juntado aos autos em 19/04/2023.

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. ACÚMULO DE FUNÇÃO NOS DOMINGOS E FERIADOS. MOTORISTA E COBRADOR DE ÔNIBUS URBANO. CARACTERIZAÇÃO. acúmulo de funções é evidenciado quando o trabalhador desenvolve outras atividades além daquela para a qual foi contratado. No caso, o reclamante foi contratado especificamente como motorista de ônibus urbano, função diferenciada da de cobrador, ambas profissões que não guardam correlação entre si, na medida que possuem atribuições próprias e salários diversos definidos pela Convenção Coletiva de Trabalho da categoria dos rodoviários, porém, restou comprovado que, de modo diferente do que ocorria nos demais dias habituais da semana nos quais o autor trabalhava acompanhado do cobrador, o reclamante, a mando da sua empregadora, nos dias de domingo e feriados, além de exercer o seu ofício de motorista para o qual fora contratado para conduzir o ônibus do transporte coletivo na vias urbanas de Manaus, assumia em acréscimo todas as atividades e responsabilidades usualmente atribuídas ao cargo de cobrador, como por exemplo, receber dinheiro, passar troco, administrar o numerário arrecadado e prestar contas da sua renda diária na empresa, inclusive, há previsão contratual permitindo o desconto no salário do cobrador em caso de diferenças de valores recebidos em espécie abaixo daquele computado no extrato da sua sessão. Diante desse cenário, é evidente o desequilíbrio entre os serviços exigidos do obreiro e a contraprestação salarial inicialmente pactuada. Logo, é devido o pagamento ao trabalhador do acréscimo salarial pelo acúmulo de função nos dias de domingo e feriados. (...) Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região (3ª Turma). Acórdão: 0000989-48.2023.5.11.0008. Relator(a): JORGE ALVARO MARQUES GUEDES. Data de julgamento: 26/04/2024. Juntado aos autos em 02/05/2024.

Feitos tais registros, verifico que o representativo definido para alçar o tema a debate foi interposto em face de acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região que, adotando entendimento diverso deste C. Tribunal Superior do Trabalho, concluiu pela impossibilidade do acúmulo de funções de motorista de ônibus urbano e cobrador, e deferiu o pagamento do acréscimo salarial.

Nesse sentido, demonstrado que a jurisprudência pacífica desta Corte encontra resistência nas instâncias ordinárias, forçoso admitir a necessidade de uniformizar a matéria, por meio do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência, nos termos do § 5º do art. 132-A do Regimento Interno do TST:

“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.”

A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar a divergência de julgamentos nas instâncias ordinárias.

Como já mencionado, a posição consolidada do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que existe compatibilidade entre as funções de motorista de ônibus urbano e cobrador, portanto, o exercício concomitante não enseja o pagamento de acréscimo salarial, em atenção ao que dispõe o parágrafo único do art. 456 da CLT. O referido diploma legal estabelece que, à falta de prova ou inexistindo cláusula expressa a tal respeito, entender-se-á que o empregado se obrigou a prestar todo e qualquer serviço lícito compatível com a sua condição pessoal.

As atividades desenvolvidas pelo motorista de ônibus coletivo urbano estão dispostas na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) 7824-10, cujo teor é o seguinte:

Conduzem e vistoriam ônibus e trólebus de transporte coletivo de passageiros urbanos, metropolitanos e ônibus rodoviários de longas distâncias; verificam itinerário de viagens; controlam o embarque e desembarque de passageiros e os orientam quanto a tarifas, itinerários, pontos de embarque e desembarque e procedimentos no interior do veículo. executam procedimentos para garantir segurança e o conforto dos passageiros. Habilitam-se periodicamente para conduzir ônibus.

Já as atividades desenvolvidas pelo cobrador de transportes coletivos, por sua vez, estão descritas na CBO 5112-15:

Organizam e fiscalizam as operações dos ônibus e outros veículos de transporte coletivo, como condições de operação dos veículos, cumprimento dos horários, entre outros. Preenchem relatórios; preparam escalas de operadores; examinam veículos e atendem usuários. Agem na solução de ocorrências. Executam a venda de bilhetes em veículos, estações metropolitanas, ferroviárias e similares e administram valores.

Estando as respectivas tarefas inseridas no rol de obrigações decorrentes do contrato de trabalho, conforme a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), não há falar em acúmulo indevido, posto que ambas as atividades são complementares e compatíveis, e, desde que exercidas dentro da mesma jornada, não dão azo ao pagamento de acréscimo salarial.

Não obstante, a cumulação tampouco exige nível conhecimento específico mais complexo para sua execução, conforme se extrai das CBOs 7824-10 e 5112-15:

Formação e Experiência – CBO 7824-10 – Motorista de ônibus urbano

O exercício dessas ocupações requer carteira de habilitação, ensino fundamental completo, curso básico de qualificação de até duzentas horas, incluindo mecânica e eletricidade de veículos automotores. O pleno desempenho das atividades, ocorre após três ou quatro anos de experiência. a(s) ocupação(ões) elencada(s) nesta família ocupacional demanda formação profissional para efeitos do cálculo do número de aprendizes a serem contratados pelos estabelecimentos nos termos do artigo 429da consolidação das leis do trabalho - clt, exceto os casos previstos no art. 10 do decreto 5.598/2005.

Formação e Experiência – CBO 5112-15 - Cobrador de transportes coletivos (exceto trem)

O acesso a essas ocupações requer o ensino fundamental, exceto para o bilheteiro (estações de metrô, trens e assemelhadas) cujo pré-requisito é ensino médio. Todas as ocupações, exceto a de cobrador, é preciso qualificar-se em cursos profissionalizantes acima de quatrocentas horas/aula, geralmente oferecidos pelas próprias empresas(s) ocupação(ões) elencada(s) nesta família ocupacional demanda formação profissional para efeitos do cálculo do número de aprendizes a serem contratados pelos estabelecimentos, nos termos do artigo 429 da consolidação das leis do trabalho - clt, exceto os casos previstos no art. 10 do decreto 5.598/2005.

No caso em exame, o recurso de revista de que trata o tema afetado para representativo de controvérsia merece ser conhecido por divergência jurisprudencial, nos moldes do art. 896, alínea “a”, da CLT, uma vez que a parte logrou êxito em demonstrar dissenso em relação a julgado da C. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais — E-RR-67-15.2012.5.01.0511 — no que concerne à aplicação do parágrafo único do art. 456 da CLT.

Assim, do julgamento do caso concreto afetado, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi antes firmada no julgamento da SBDI-1 transcrito acima, cuja tese pode ser fixada nos seguintes termos:

O exercício concomitante da função de cobrador pelo motorista de ônibus urbano não gera direito à percepção de acréscimo salarial.

No mérito, quanto ao recurso de revista interposto pela parte AUTO VIACAO JABOUR LTDA., no tema ora afetado, dou-lhe provimento para determinar a exclusão da condenação ao pagamento do acréscimo salarial de 30%.

Não havendo temas remanescentes, prossiga-se com a regular tramitação do feito.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: O exercício concomitante da função de cobrador pelo motorista de ônibus urbano não gera direito à percepção de acréscimo salarial. II – Conhecer do recurso de revista no tema objeto do representativo por divergência jurisprudencial, com fulcro no art. 896, alínea “a”, da CLT, em razão de divergência jurisprudencial com relação à aplicação do art. 456, parágrafo único, da CLT, e, no mérito, dar-lhe provimento, aplicando a tese ora reafirmada, para determinar a improcedência do pedido de pagamento de acréscimo salarial. III Determinar o regular prosseguimento do feito, diante da ausência de temas remanescentes.

Brasília, 28 de abril de 2025..

ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA

Ministro Presidente do TST