A C Ó R D Ã O
(3ª Turma)
GMMGD/ls/mas/dsc
RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO DA CF/88; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE " OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO ". PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DO TRABALHO AUTÔNOMO NÃO CUMPRIDO, PROCESSUALMENTE (ART 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. Cinge-se a controvérsia do presente processo em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada – Uber do Brasil Tecnologia Ltda. – configurou-se como vínculo de emprego (ou não). A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e mecanismos informatizados semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais. É importante perceber que tais sistemas e ferramentas computadorizados surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica despontada na segunda metade do século XX (ou, um pouco à frente, no início do século XXI), a partir da informática e da internet , propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica no sistema capitalista. Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de sua estruturação e funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e, especialmente, o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o bom funcionamento econômico da entidade empresarial. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional e tecnológico, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado – neste caso, se não existissem motoristas e carros organizadamente postos à disposição das pessoas físicas e jurídicas. Realmente, os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de realização de trabalho por pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e por outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, gerando uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, uma clara falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, uma impressionante inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a significativa ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a grave e recorrente exclusão previdenciária. O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. E, efetivamente, é o que cabe examinar, afinal, no presente processo. Passa-se, dessa maneira, ao exame da relação socioeconômica e jurídica entre as partes do presente processo, respeitados os aspectos fáticos lançados pelo próprio acórdão regional, como determina a Súmula 126 do TST . Nesse exame, sem negligenciar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre o prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem abarcar inúmeras e múltiplas hipóteses. A propósito, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado — regido pela Constituição da República (art. 7º) e pela CLT, portanto —, desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea. No Brasil, desponta a singularidade de esta antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da República de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego. Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo da CF/88; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput ; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica. De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica. Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, o trabalho de transporte de pessoas e coisas via arregimentação e organização realizadas por empresas de plataformas digitais. Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego, esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá, essencialmente, como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º, da CLT). Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação. Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto empregador/tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego, considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova – definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT ). No caso dos autos , a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas – e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo – e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital. Assim, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme descrito imediatamente a seguir. Em primeiro lugar, é inegável (e fato incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte, em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, foi realizado, sim, por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. Em segundo lugar, a pessoalidade também está comprovada, pois o Obreiro precisou efetivar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados. É também incontroverso de que todas as inúmeras e incessantes avaliações feitas pela clientela final referem-se à pessoa física do motorista uberizado, emergindo, assim, a presença óbvia do elemento fático e jurídico da pessoalidade. O caráter oneroso do trabalho executado é também incontroverso, pois a clientela faz o pagamento ao sistema virtual da empresa, em geral por meio de cartão de crédito (podendo haver também, mais raramente, pagamento em dinheiro) e, posteriormente, a empresa gestora do sistema informatizado credita parte do valor apurado na conta corrente do motorista. Ora, o trabalhador somente adere a esse sistema empresarial e de prestação laborativa porque ele lhe assegura retribuição financeira em decorrência de sua prestação de trabalho e em conformidade com um determinado percentual dos valores apurados no exercício desse trabalho. Sobre a não eventualidade , o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a perspectiva da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual. De todo modo, é também incontroverso de que se trata de labor inerente à rotina fundamental da empresa digital de transporte de pessoas humanas, sem o qual tal empresa sequer existiria. Por fim, a subordinação jurídica foi efetivamente demonstrada, destacando-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava o motorista para prestar o serviço; 2) a empresa exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços, sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) a empresa avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços, a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador. Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento do motorista em face da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolvia diariamente, durante o período da relação de trabalho – ou, pelo menos, com significativa intensidade durante os dias das semanas -, com minucioso e telemático controle da Reclamada sobre o trabalho e relativamente à estrita observância de suas diretrizes organizacionais pelo trabalhador, tudo efetivado, aliás, com muita eficiência, por intermédio da plataforma digital (meio telemático) e mediante a ativa e intensa, embora difusa, participação dos seus clientes/passageiros. Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital. Desse quadro, se percebe a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões: a) clássica , em face da existência de incessantes ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício; b) objetiva , tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais; c) estrutural , mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante; d) por fim, a subordinação algorítima , que consiste naquela efetivada por intermédio de aferições, acompanhamentos, comandos, diretrizes e avaliações concretizadas pelo computador empresarial, no denominado algoritmo digital típico de tais empresas da Tecnologia 4.0. Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade do profissional para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de uma ferramenta de trabalho – no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas – são circunstâncias que não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego. Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial, que era centralizada, metodicamente, no algoritmo da empresa digital; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatórias, regulamentares e disciplinares do poder empregatício na relação de trabalho analisada . Enfim, o trabalho foi prestado pelo Reclamante à Reclamada, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual. Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia recai sobre a defesa, ou seja, o ente empresarial , já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, também, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório . Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para se declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação. Recurso de revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-100353-02.2017.5.01.0066 , em que são Recorrente ELIAS DO NASCIMENTO SANTOS e Custos Legis MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO e Recorrido UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. E OUTROS.
O Tribunal Regional do Trabalho de origem deu seguimento ao recurso de revista da parte Recorrente.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 95, § 2º, do RITST.
PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017.
PROCESSO ELETRÔNICO.
É o relatório.
V O T O
Tratando-se de recurso interposto em processo iniciado anteriormente à vigência das alterações promovidas pela Lei n° 13.467, de 13 de julho de 2017, e considerando que as relações jurídicas materiais e processuais produziram amplos efeitos sob a normatividade anterior, as matérias serão analisadas com observância das normas então vigorantes, em respeito ao princípio da segurança jurídica, assegurando-se a estabilidade das relações já consolidadas (arts. 5°, XXXVI, da CF; 6° da LINDB; 912 da CLT; 14 do CPC/2015; e 1º da IN 41 de 2018 do TST).
I) CONHECIMENTO
Atendidos todos os pressupostos comuns de admissibilidade, examino os específicos do recurso de revista.
1. TRANSCENDÊNCIA. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DE EMPREGO DO MOTORISTA COM A EMPRESA QUE ADMINISTRA A PLATAFORMA DIGITAL DE TRANSPORTE DE PESSOAS. PRETENSÃO DE PAGAMENTO DE VERBAS TRABALHISTAS NÃO ADIMPLIDAS
O presente recurso de revista preenche o requisito processual previsto no art. 896-A da CLT, uma vez que a causa detém transcendência com reflexos de natureza econômica, sob a perspectiva do trabalhador envolvido, na medida em que os valores referentes às parcelas trabalhistas decorrentes do alegado vínculo de emprego, e incontroversamente inadimplidas, representam efetiva importância econômica para o Reclamante.
Como se não bastasse, a causa também oferece transcendência jurídica, na medida em que a causa (reconhecimento de vínculo de emprego entre o motorista e as empresas que se utilizam de plataformas digitais para oferecerem serviços de transporte de pessoas) envolve questão controvertida importante em torno da interpretação da legislação trabalhista (arts. 2º, 3º e 6ª da CLT, por exemplo), sobre a qual se mostra necessária a uniformização jurisprudencial por parte do Tribunal Superior do Trabalho.
Note-se, a propósito, que o tema foi abordado, no Tribunal Superior do Trabalho, em pouquíssimas decisões, e o seu enfrentamento é de alto relevo na República e na Federação.
2. UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E CONCRETIZAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E COISAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE " OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO " . PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DA AUTONOMIA DO TRABALHO NÃO CUMPRIDO NO PROCESSO (ART. 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL, QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE TRANSPORTE.
O Tribunal Regional, no que interessa, assim decidiu:
Do Vínculo de Emprego e seus Consectários
NEGO PROVIMENTO.
Requer o recorrente o reconhecimento do vínculo de emprego com as reclamadas. Argumenta que as rés são empresas do setor de transporte individual privado, nos moldes do artigo 4º, X, da Lei 12.587/2012, cujo funcionamento ocorreria da seguinte forma: um cliente cadastrado na plataforma (aplicativo de celular) solicita um carro para fazer uma viagem, sendo os motoristas cadastrados instados a "aceitar" o trabalho, recebendo um percentual de 75% do valor da viagem a título de comissão. Aduz que os motoristas são monitorados eletronicamente, sendo a prestação de serviço pautada em dois pilares: utilização de práticas de vigilância on line dos trabalhadores; adoção de estímulos para que os motoristas prossigam trabalhando pelo maior tempo possível. Argumenta que um desses estímulos consistiria no chamado "carrots and sticks", segundo o qual a UBER com base no cruzamento de dados entre motoristas cadastrados e usuários on line estabelece a precificação das viagens conforme relação de oferta e demanda em determinada localidade. Prossegue, afirmando que, com base nesse mecanismo, a UBER detém o controle do preço da viagem, bem como a programação de trabalho do motorista, acrescentando que a recusa contumaz dos motoristas em não atender a chamadas não rentáveis coloca em risco a continuidade do motorista no aplicativo, o que contrariaria a noção de trabalho com autonomia. Assevera que além do controle e indução de estímulo para o motorista permanecer na rua o maior tempo possível (assiduidade), a UBER estabeleceria um padrão de atendimento ao cliente a ser observado. Argumenta que a "uberização" consistiria em um verdadeiro modelo de "organização por programação e comandos", na qual embora seja conferida uma aparente autonomia (ausência de horários fixos de trabalho e ordens diretas emanadas de superior hierárquico), o trabalhador se mantém subordinado a programas e comandos preordenados, aos quais deve reagir a cada sinal que lhe é emitido, sob pena de ser descredenciado, ou, em outras palavras, dispensado. Entende, portanto, presentes no caso concreto os requisitos previstos no artigo 3º da CLT para a caracterização do vínculo empregatício.
A sentença julgou improcedente o pedido com base nos seguintes fundamentos:
Pretende o autor o reconhecimento de vínculo empregatício com a primeira reclamada, no período de 21.07.2016 a 17.09.2016, tendo em vista a projeção do aviso prévio, bem como o pagamento das verbas trabalhistas decorrentes da relação de emprego. Assevera que a relação de consumo do passageiro é com a UBER e não com o motorista. Diz que passou por processo seletivo; que os passageiros avaliam os motoristas e que estes devem atender as expectativas patronais; que há a subordinação; que a UBER monitora as avaliações e promove o desligamento dos motoristas que não possuem uma nota mínima; que os motoristas recebem SMS com pressões para voltar a trabalhar quando estão desconectados; que os preços das corridas são estipulados pela UBER, que retém 25% do valor; que estava presente a pessoalidade, eis que não poderia outra pessoa designada pelo reclamante atender o chamado. Sustenta que presentes os requisitos da relação de emprego, quais sejam, pessoalidade, habitualidade, onerosidade e subordinação.
Defende-se a ré, alegando que o autor não foi contratado pela primeira ré para prestar serviços de "Motorista de passageiros" ou fora acordado o pagamento de comissão de 75% sobre o valor das viagens.
Diz que o reclamante é quem a contratou a fim de, por meio da utilização da Plataforma UBER, prospectar clientes e desenvolver a atividade do reclamante, que é a de transporte de pessoas. Aduz que, em contraprestação aos serviços prestados pela Uber, os motoristas parceiros, pagam o valor correspondente a 20% ou 25% de cada viagem, sendo que, caso não utilize, nenhum valor é devido.
Sustenta que o reclamante que assumiu integralmente os riscos do seu negócio. Afirma que não estão presentes os requisitos do art. 3º da CLT. Argumenta que inexiste a obrigatoriedade de que o motorista parceiro seja pessoa física; que a necessidade de cadastramento pessoal não se confunde com pessoalidade, eis que o usuário também tem que se cadastrar e que a plataforma permite que mais de uma pessoa se cadastre de forma a compartilhar o mesmo veículo; que inexiste habitualidade, na medida em que não existem dias e horários obrigatórios para a realização das atividades do motorista parceiro; que inexiste subordinação, sendo que a Uber apenas orienta para a melhoria do transporte prestado aos usuários. Afirma que não é empresa de transportes e que os clientes da Uber não são os usuários, e, sim, os motoristas parceiros, que buscam a contratação da plataforma e remuneram a Uber. Diz que o reclamante foi excluído da plataforma porque era mal avaliado pelos usuários, nota 4,28. Pugna pela improcedência.
Razão assiste à reclamada.
De fato, o reclamante não comprovou, conforme lhe competia (art. 818 da CLT c/c o art. 373, I, do CPC) os requisitos inerentes à relação empregatícia. De outra forma, restou demonstrada a autonomia na prestação de serviços.
O autor juntou autos os depoimentos colhidos pelo MPT no Inquérito Civil nº 001417.2016.01.000/6 (ID 109a490 e b11c25c).
A primeira ré carreou, aos autos, os Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital (ID 4111762); as notas fiscais de prestação de serviços fornecidas pela Uber ao reclamante (ID 4bc56a2 a5395516); o resumo dos ganhos do autor (ID e27c9e8).
Em depoimento pessoal , o reclamante disse: " que como a primeira ré se expandiu muito no RJ e o depoente estava desempregado, viu uma oportunidade de sustento, que a partir daí comprou um veículo e optou por se cadastrar no Centro do RJ, na Rua Uruguaiana; que lá forneceu seu nome, tirou uma foto e forneceu dados próprios e do seu veículo e uma conta para depósito ; que 48 horas teve liberadoo aplicativo para o depoente começar a trabalhar; que trabalhou em torno de 3 a 4 meses de 10 a 12 horas diárias , todos os dias, com exceção do domingo ; que foi o depoente quem escolheu o dia de repouso; que o depoente escolhia o horário de trabalho do início e do término; que na época a ré descontava de cada corrida 23%; que o depoente não sabe informar como seria o repasse do valor para a ré se recebesse a corrida em dinheiro, pois os pagamentos eram sempre no cartão; que o aplicativo da ré enviava uma mensagem da existência da chamada para todos que estivessem naquela região, sendo que o motorista que primeiro aceitasse a corrida era direcionado ao cliente; que acredita que o motorista poderia abortar uma corrida se recebesse uma outra opção mais vantajosa, mas seria punido por ter deixado o cliente sem atendimento ; que a ré entrava em contato por mensagem fazendo a referência à pontuação do motorista que estaria baixa, buscando uma melhora na prestação dos serviços ; que a punição que a ré aplica é o desligamento, que foi o que ocorreu com o depoente ; que não há a perda da corrida, mas o desligamento sem motivação; que quando o depoente não conseguia acessar o aplicativo foi em busca de explicações no Centro da Cidade, sendo que não foi informada a motivação; que quando saiu, em conversa com outros motoristas, soube que alguns foram desligados e depois recadastrados, sendo que o mesmo não ocorreu com o depoente; que não houve a delimitação do número de clientes para atendimento diário ou de horas de trabalho, deixando a vontade o motorista, sendo que quanto mais trabalhasse, mais receberia; que as despesas com manutenção e combustível do veículo eram por conta do depoente; que no momento do cadastramento foi informado o percentual que caberia ao motorista, e não o valor de cada corrida; que acredita que qualquer pessoa que não tenha antecedentes criminais possa trabalhar e se cadastrar no aplicativo do réu; que o depoente não foi perguntado sobre antecedentes, mas acredita que tenha havido consulta; que soube que é possível o cadastramento pelo aplicativo, mas o depoente compareceu presencialmente ; que no dia preencheu um cadastro e foi orientado a aguardar 48 horas; que não fez propriamente uma entrevista sobre outros empregos, grau de instrução; que não fez treinamento; que não houve vistoria do veículo; que não recebeu cópia do contrato de intermediação digital; que o depoente indicou um colega; que existia um bônus por indicação, mas não o recebeu pois o seu colega acabou se cadastrando por conta própria; que o depoente não foi indicado por nenhum colega; que não se recorda de ter conhecido o Sr. Everton Rodrigues da Costa; que não chegou a trabalhar com outros aplicativos além do réu ; que é possível a utilização de outros aplicativos; que era possível ficar offline a hora que quisesse ; que não havia necessidade de aviso prévio, bastando o desligamento; que a rota normalmente o motorista segue a do aplicativo, salvo se o cliente quisesse outro caminho; que não precisaria comunicar se ficasse doente, mas se não usasse o aplicativo por um período que não sabe precisar seria desligado ; que era o aplicativo que fazia a intermediação do depoente com o réu, não tendo contato com pessoas do réu; que não precisava realizar relatórios dos serviços realizados; que era avaliado pelos usuários e avaliava os usuários ; que não sabe se a ré tinha ingerência sobre essas avaliações; que era obrigado a fornecer água e bala aos passageiros; que eram os passageiros que solicitavam esse serviço em razão da exigência da ré; que a ré exigia do motorista tais serviços; que os passageiros como tinham conhecimento deste diferencial solicitavam; que foram os colegas que comentaram com o depoente que seria uma norma da ré o oferecimento destes benefícios aos passageiros ; que a ré não exigia uniforme, não havendo exigência deste; que não havia um valor mínimo assegurado por mês; que não sabe informar como ocorreria se houvesse problema com cartão de crédito de algum cliente, pois nunca ocorreu com o depoente; que se o carro enguiçasse o depoente ficaria sem trabalhar; que o aparelho celular era do depoente; que não tinha outro motorista cadastrado na sua conta para usar o seu veículo; que não sabe se isso seria possível ". (destaquei)
Do exame do conjunto probatório, mormente o depoimento do autor, no sentir deste Juízo restou demonstrado que a Uber era, de fato, uma plataforma que facilitava o contato do autor com os passageiros, e que o autor laborava com autonomia . O fato de a Uber passar sugestões aos parceiros quanto ao atendimento e orientar quanto ao uso do aplicativo não caracteriza a subordinação jurídica. Do depoimento do autor, restou claro que a Uber não tinha poder de direção no modo de realização de serviços do trabalhador. O autor confirmou que não havia orientação quanto ao uso de uniformes; que era ele quem escolhia o horário e os dias de trabalho; que não fez entrevista para se cadastrar; que não se reportava a empregados da Uber; que não tinha que fazer relatórios; que poderia utilizar outros aplicativos; que não fez treinamento; que poderia ficar off line e que não precisava avisar; que era avaliado por passageiros e que também avaliava passageiros . Assim, evidente que a primeira ré não tinha qualquer poder de direção na atividade desenvolvida pelo autor.
Ademais, a testemunha que estava presente na audiência de 23.05.2018, cujo depoimento foi transcrito, sem objeção da parte da autora, do processo 0100620-21.2017.5.01.0018 também corroborou a ausência de subordinação. Vejamos.
"(...) que não há qualquer entrevista presencial com o candidato; que existem alguns vídeos sugeridos para o candidato assistir, mas não é obrigatório; que os vídeos explicam como funciona o aplicativo, somente; que não há qualquer orientação para uso de uniforme; que o parceiro não se reporta a ninguém na UBER; que o parceiro não precisa enviar relatórios ou realizar qualquer tipo de prestação de contas; que não há necessidade de cumprimento de número de horas; que o parceiro não precisa pedir explicação para desligar o aplicativo e ficar "off line"; que o motorista não é obrigado a dar água ou bala aos clientes ; que o parceiro pode cadastrar outros motoristas parceiros no mesmo carro, embora os cadastros sejam individuais; que os outros motoristas seriam uma espécie de motoristas auxiliares que dividiriam o mesmo carro ou outros carros; que o repasse, neste caso, era feito diretamente na conta do motorista principal, embora os outros recebam as informações de quantas viagens fizeram e quais os valores de cada um; que o parceiro pode usar aplicativos concorrentes como o Cabify, por exemplo ; que a avaliação dos parceiros é feito pelo usuário no final da viagem, apontando de uma a cinco estrelas para o parceiro; que quem faz a avaliação dos usuários é o próprio motorista no mesmo sistema ; que não há qualquer interferência da UBER nestas avaliações; que a escolha do caminho a ser seguido é do usuário, embora exista uma sugestão no GPS dentro do aplicativo da UBER; que o motorista pode ficar o tempo que quiser sem se conectar à plataforma, o tempo que ele quiser, meses ou anos, sem necessidade de avisar a ninguém ; que o motorista pode não aceitar uma viagem; que o motorista pode cancelar viagens já aceitas ; (...) ". (destaquei)
A inexistência de pessoalidade também restou demonstrada no depoimento pessoal do autor, que afirmou que acreditava que qualquer um pudesse se cadastrar. Tal aspecto também foi confirmado pela testemunha que declarou:
"(...) que qualquer um pode se cadastrar, desde que possua carteira de habilitação com a observação de que exerce atividade remunerada; que não há necessidade sequer de carro, bastando o CNH; (...) que não há qualquer entrevista presencial com o candidato; (...) que o parceiro pode cadastrar outros motoristas parceiros no mesmo carro ou outros carros, embora os cadastros sejam individuais que os outros motoristas seriam uma espécie de motoristas auxiliares que dividiriam o mesmo carro; que o repasse, neste caso, era feito diretamente na conta do motorista principal, embora os outros recebam as informações de quantas viagens fizeram e quais os valores de cada um (...)".
A inexistência de habitualidade também restou confirmada, eis que a testemunha afirmou "(...) que o motorista pode ficar o tempo que quiser sem se conectar à plataforma, o tempo que ele quiser, meses ou anos, sem necessidade de avisar a ninguém; (...) ".
Assim sendo, inexistentes a pessoalidade, a subordinação e habitualidade.
Restou claro, por outro lado, que o autor era um trabalhador autônomo, tanto é que poderia utilizar outros aplicativos concorrentes da ré. Ademais, era ele quem arcava com os gastos com o veículo, IPVA e gasolina.
Assim, diante da situação fática delineada nos autos, inexiste o vínculo contratual pretendido pelo autor em relação à primeira ré.
Os elementos presentes na relação havida entre as partes não se coadunam com o trabalho empregatício, mas sim com o autônomo.
É empregado, quem presta de forma pessoal, serviços não eventuais, de forma subordinada, a quem, assumindo os riscos do empreendimento, fiscaliza e remunera a prestação destes serviços (CLT, arts. 2º e 3º).Não restaram comprovados os requisitos acima, e, muito menos, subordinação jurídica do autor à primeira ré.
Diante do exposto, tenho que inexistem provas nos autos que possam corroborar a presença de todos os requisitos do vínculo empregatício, presentes nos arts. 2º e 3º da CLT, na relação havida entre o autor e a primeira reclamada.
Inicialmente, ressalta-se que a primeira ré, Uber do Brasil (vide a 8ª alteração e consolidação do contrato social - Id. af6e818 - Pág. 2), tem como objeto a prestação de serviços na área de tecnologia :
OBJETO SOCIAL CLÁUSULA 4ª
a) licenciamento de direito de acesso e uso de programas de computação;
b) disponibilização a sociedades afiliadas de serviços de suporte e marketing;
c) prestação de serviços administrativos, financeiros, técnicos e de gestão para terceiros;
d) intermediação de serviços sob demanda, por meio de plataforma tecnológica digital; e
e) realização de quaisquer outros atos que, direta ou indiretamente, levem à concentração dos objetos acima mencionados, no seu mais amplo sentido.
Assim, descabida a tese do recorrente de que a UBER exploraria atividade comercial de transporte de passageiros.
Do documento em referência e do próprio depoimento do reclamante ficou constatado que a UBER é uma empresa que promove a aproximação entre motoristas e passageiros para realização de viagens por meio de aplicativo de celular. O autor possuía plena autonomia para definir os dias e horários de trabalho e descanso, bem como a frequência laboral desejada (quantidade de corridas). Além disso, não recebia ordens nem precisava prestar relatórios de seu trabalho às demandadas (suas avaliações de desempenho eram dadas pelos próprios passageiros usuários do aplicativo). Tampouco precisava comunicar às rés quando não prestasse serviço, arcando por conta própria as despesas de manutenção do veículo. Transcreve-se seu teor (id d08a012):
Que como a primeira ré se expandiu muito no RJ e o depoente estava desempregado, viu uma oportunidade de sustento, que a partir daí comprou um veículo e optou por se cadastrar no Centro do RJ, na Rua Uruguaiana; que lá forneceu seu nome, tirou uma foto e forneceu dados próprios e do seu veículo e uma conta para depósito ; que 48 horas teve liberado o aplicativo para o depoente começar a trabalhar; que trabalhou em torno de 3 a 4 meses de 10 a 12 horas diárias, todos os dias , com exceção do domingo; que foi o depoente quem escolheu o dia de repouso; que o depoente escolhia o horário de trabalho do início e do término; que na época a ré descontava de cada corrida 23%; que o depoente não sabe informar como seria o repasse do valor para a ré se recebesse a corrida em dinheiro, pois os pagamentos eram sempre no cartão; que o aplicativo da ré enviava uma mensagem da existência da chamada para todos que estivessem naquela região, sendo que o motorista que primeiro aceitasse a corrida era direcionado ao cliente; que acredita que o motorista poderia abortar uma corrida se recebesse uma outra opção mais vantajosa, mas seria punido por ter deixado o cliente sem atendimento ; que a ré entrava em contato por mensagem fazendo a referência à pontuação do motorista que estaria baixa , buscando uma melhora na prestação dos serviços; que a punição que a ré aplica é o desligamento, que foi o que ocorreu com o depoente ; que não há a perda da corrida, mas o desligamento sem motivação ; que quando o depoente não conseguia acessar o aplicativo foi em busca de explicações no Centro da Cidade, sendo que não foi informada a motivação ; que quando saiu, em conversa com outros motoristas, soube que alguns foram desligados e depois recadastrados, sendo que o mesmo não ocorreu com o depoente; que não houve a delimitação do número de clientes para atendimento diário ou de horas de trabalho, deixando a vontade o motorista, sendo que quanto mais trabalhasse, mais receberia; que as despesas com manutenção e combustível do veículo eram por conta do depoente; que no momento do cadastramento foi informado o percentual que caberia ao motorista, e não o valor de cada corrida ; que acredita que qualquer pessoa que não tenha antecedentes criminais possa trabalhar e se cadastrar no aplicativo do réu; que o depoente não foi perguntado sobre antecedentes, mas acredita que tenha havido consulta; que soube que é possível o cadastramento pelo aplicativo, mas o depoente compareceu presencialmente; que no dia preencheu um cadastro e foi orientado a aguardar 48 horas ; que não fez propriamente uma entrevista sobre outros empregos, grau de instrução; que não fez treinamento; que não houve vistoria do veículo; que não recebeu cópia do contrato de intermediação digital; que o depoente indicou um colega; que existia um bônus por indicação, mas não o recebeu pois o seu colega acabou se cadastrando por conta própria; que o depoente não foi indicado por nenhum colega; que não se recorda de ter conhecido o Sr. Everton Rodrigues da Costa; que não chegou a trabalhar com outros aplicativos além do réu; que é possível a utilização de outros aplicativos; que era possível ficar offline a hora que quisesse ; que não havia necessidade de aviso prévio, bastando o desligamento ; que a rota normalmente o motorista segue a do aplicativo, salvo se o cliente quisesse outro caminho; que não precisaria comunicar se ficasse doente, mas se não usasse o aplicativo por um período que não sabe precisar seria desligado ; que era o aplicativo que fazia a intermediação do depoente com o réu, não tendo contato com pessoas do réu; que não precisava realizar relatórios dos serviços realizados; que era avaliado pelos usuários e avaliava os usuários ; que não sabe se a ré tinha ingerência sobre essas avaliações; que era obrigado a fornecer água e bala aos passageiros; que eram os passageiros que solicitavam esse serviço em razão da exigência da ré; que a ré exigia do motorista tais serviços; que os passageiros como tinham conhecimento deste diferencial solicitavam ; que foram os colegas que comentaram com o depoente que seria uma norma da ré o oferecimento destes benefícios aos passageiros; que a ré não exigia uniforme, não havendo exigência deste; que não havia um valor mínimo assegurado por mês; que não sabe informar como ocorreria se houvesse problema com cartão de crédito de algum cliente, pois nunca ocorreu com o depoente; que se o carro enguiçasse o depoente ficaria sem trabalhar; que o aparelho celular era do depoente; que não tinha outro motorista cadastrado na sua conta para usar o seu veículo; que não sabe se isso seria possível.
Além de ausente a subordinação jurídica, não ficou demonstrada a pessoalidade na prestação de serviço, pois o próprio demandante deixou claro em seu depoimento que qualquer pessoa que não tenha antecedentes criminais possa trabalhar e se cadastrar no aplicativo do réu , fato que também foi confirmado pela testemunha (prova emprestada do processo 01000620-1.2017.5.01.0018 - cuja transcrição não foi objeto de impugnação pelo autor) que declarou " que qualquer um pode se cadastrar, desde que possua carteira de habilitação com a observação de que exerce atividade remunerada; que não há necessidade sequer de carro, bastando o CNH; que existe uma verificação interna, uma análise de segurança interna, embora o candidato possa se cadastrar novamente; que só são ativados os motoristas que passam por esta análise de segurança interna; que não há qualquer entrevista presencial com o candidato ;"
Por fim, também não restou presente o requisito da habitualidade, pois como bem observou o juízo a quo, a testemunha confirmou que o motorista pode ficar o tempo que quiser sem se conectar à plataforma, o tempo que ele quiser, meses ou anos, sem necessidade de avisar a ninguém, sendo certo que o reclamante, neste particular, não se desincumbiu do encargo que a ele competia de comprovar a jornada e frequência semanal de trabalho deduzidas na inicial.
Uma vez que trabalhava com autonomia, de forma impessoal e não tendo sido ainda comprovada, outrossim, a prestação do serviço de forma não eventual, não restou configurado os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT para formação do vínculo de emprego.
Confirma-se a sentença.
Nas razões do recurso de revista, o Reclamante alega que prestou serviços para a Reclamada, na condição de empregado, desde 21/7/2016 até sua dispensa imotivada em 17/8/2016, não tendo recebido as parcelas decorrentes dessa relação jurídica, desenvolvida com a presença de todos os elementos para a configuração do vínculo empregatício, pelo que deve ser reformado o acórdão regional.
À análise.
De início, cumpre esclarecer que a demonstração da divergência jurisprudencial (art. 896, "a", da CLT), a partir da transcrição de julgado que emite tese divergente proferida por Tribunal Regional distinto (art. 896, "a", da CLT), não é invalidada pelo fato de a decisão do julgado paradigma ter sido reformada em sede de recurso de revista pelo TST.
Assim, no caso dos autos, o julgado citado no recurso de revista do Reclamante para demonstrar divergência jurisprudencial (Processo nº 1000123-89.2017.5.02.0038), embora tenha sido reformado pela 5ª Turma do TST (acórdão de fevereiro de 2020), é plenamente apto para enquadrar o apelo na hipótese de cabimento prevista do art. 896, "a", da CLT.
Ainda que assim não fosse, o recurso vem fundamentado em violação de dispositivos de lei federal (CLT), o que permite o seu enquadramento na hipótese de cabimento do art. 896, "c", da CLT.
Feita essa observação, passa-se ao exame do apelo.
Cinge-se a controvérsia em definir se a relação jurídica havida entre o Reclamante e a Reclamada – Uber do Brasil Tecnologia Ltda. – configurou-se como vínculo de emprego.
A solução da demanda exige o exame e a reflexão sobre as novas e complexas fórmulas de contratação da prestação laborativa, algo distintas do tradicional sistema de pactuação e controle empregatícios, e que ora se desenvolvem por meio da utilização de plataformas e aplicativos digitais, softwares e produtos semelhantes, todos cuidadosamente instituídos, preservados e geridos por sofisticadas (e, às vezes, gigantescas) empresas multinacionais e, até mesmo, nacionais.
É importante perceber que tais ferramentas computadorizadas surgem no contexto do aprofundamento da revolução tecnológica surgida na segunda metade do século XX, a partir da informática e da internet , propiciando a geração de um sistema empresarial de plataformas digitais, de amplo acesso ao público, as quais permitem um novo meio de arregimentação de mão de obra, diretamente por intermédio desses aplicativos digitais, que têm o condão de organizar, direcionar, fiscalizar e zelar pela hígida prestação de serviços realizada ao cliente final. A modificação tecnológica e organizacional ocorrida nas duas últimas décadas tem sido tão intensa que há, inclusive, autores e correntes de pensamento que falam na existência de uma quarta revolução tecnológica (ou quarta revolução industrial).
Evidentemente que essa nova estrutura de organização empresarial e de prestação de serviços facilita a aproximação e a comunicação na sociedade e no âmbito da prestação de serviços ao público alvo, seja este formado por pessoas físicas ou por instituições. Porém a lógica de seu funcionamento também tem sido apreendida por grandes corporações empresariais como oportunidade ímpar para reduzirem suas estruturas produtivas e o custo do trabalho utilizado e imprescindível para o seu bom funcionamento econômico. De nenhuma valia econômica teria este sistema organizacional, conforme se percebe, se não houvesse, é claro, a prestação laborativa por ele propiciada ao público alvo objetivado.
Os impactos dessa nova modalidade empresarial e de organização do trabalho têm sido diversos: de um lado, potenciam, fortemente, a um custo mais baixo do que o precedente, a oferta do trabalho de transporte de pessoas e coisas no âmbito da sociedade; de outro lado, propiciam a possibilidade de trabalho a pessoas desempregadas, no contexto de um desemprego agudo criado pelas políticas públicas e outros fatores inerentes à dinâmica da economia; mas, em terceiro lugar, pela desregulamentação amplamente praticada por este sistema, geram uma inegável deterioração do trabalho humano, uma lancinante desigualdade no poder de negociação entre as partes, uma ausência de regras de higiene e saúde do trabalho, a falta de proteção contra acidentes ou doenças profissionais, a inexistência de quaisquer direitos individuais e sociais trabalhistas, a ausência de proteções sindicais e, se não bastasse, a recorrente exclusão previdenciária.
O argumento empresarial, em tal quadro, segue no sentido de ser o novo sistema organizacional e tecnológico tão disruptivo perante a sistemática de contratação anterior que não se fazem presentes, em sua estrutura e dinâmica, os elementos da relação empregatícia. É o que cabe examinar, afinal, no presente processo.
Nesse ponto, faz-se necessário compreender que essas novas fórmulas de gestão da força de trabalho também derivam de um longo processo de crise econômica e de transformações sociais ocorridas nos últimos 30 anos, com forte impacto nas políticas sociais das nações democráticas do planeta. Esse cenário, composto ainda pela alta renovação tecnológica e a intensa competição capitalista, construiu-se sem poupar suas repercussões negativas no mundo do trabalho, ou seja, agravou-se o problema da redução dos postos formais de trabalho em diversos segmentos econômicos e elevou-se o prestígio de discursos sobre a reestruturação das estratégias e modelos clássicos de gestão empresarial, bem como da desregulamentação trabalhista, tudo a favor de uma maior aproximação dos processos e mecanismos de gestão da força de trabalho às necessidades econômicas do sistema capitalista.
É importante refletir, diante dessas complexas questões, sobre a função do Direito: cabe a ele manter-se, mesmo em face da revolução tecnológica e da inovação das formas de gestão da força do trabalho, como um instrumento de civilização , ou deve, ao invés – na linha exaustivamente instigada pelo pensamento neoconservador –, ser um passivo (ou, até mesmo, ativo) instrumento de exacerbação das desigualdades do sistema econômico propiciadas pela aplicação e manejo desregulados e darwinistas das tecnologias e suas múltiplas ferramentas?
A verdade é que este momento histórico, de crises e transformações sociais, torna ainda mais clara a necessidade de um segmento jurídico com as características essenciais do Direito do Trabalho, o qual deve ser projetado sobre as relações sociais como instrumento de civilização e regulação do sistema econômico e social capitalista. Nesse contexto, enquadrarem os avanços tecnológicos nos interesses também das pessoas humanas – ao invés de, estritamente, no interesse do poder econômico – chama-se progresso civilizatório , constitucionalismo humanístico e social, em contraponto à desagregação e entropia estimuladas pelo unilateralismo das fórmulas de gestão concebidas sob a exclusiva perspectiva economicista e antissocial.
É importante lembrar que o Direito do Trabalho é produto do capitalismo, atado à evolução histórica desse sistema, retificando-lhe distorções econômico-sociais e civilizando a importante relação de poder que sua dinâmica econômica cria no âmbito da sociedade civil. Ele fixou controles para esse sistema, conferiu-lhe certa medida de civilidade, inclusive buscando eliminar as formas mais perversas de utilização da força de trabalho pela economia. Seu nascimento, como ramo jurídico distinto e autônomo, deu-se a partir da conversão de diversos fatores, um dos quais a Revolução Industrial, que simboliza as profundas transformações sociais, econômicas e tecnológicas ocorridas a partir da metade do Século XVIII. Começava ali a se estruturar a relação empregatícia (o trabalho livre e subordinado) como categoria jurídica e hegemônica sobre a qual se formularam e se desenvolveram os princípios, regras e institutos jurídicos do Direito do Trabalho; bem como se estruturava o próprio sistema econômico-social, hoje dominante, após longo processo de construção civilizada da sociedade industrial urbana, por intermédio da inclusão de uma parcela cada vez maior de pessoas na economia contemporânea.
Faz-se essa rápida digressão apenas para reiterar a justificativa histórica do Direito do Trabalho e compreender a permanente necessidade de sua projeção sobre todas as formas de prestação do labor humano oneroso como instrumento de avanço civilizatório, especialmente em momentos de relevantes modificações sociais e econômicas. A discussão destes autos, por demandar reflexão acerca de novas fórmulas de gestão da força de trabalho humano, deve ter como ponto de partida essa função civilizatória do Direito do Trabalho e o seu caráter expansionista.
Nada obstante, é inexistente a produção regulatória do Poder Legislativo do País sobre as questões de natureza trabalhista no âmbito das relações entre prestadores de serviço e empresas que utilizam as plataformas digitais. O enfrentamento dessa problemática pelas Cortes Trabalhistas, por outro lado, ainda não é significativa, notadamente no âmbito do TST, inexistindo uma jurisprudência pátria consolidada sobre o tema.
Cumpre destacar, todavia, que existem discussões doutrinárias no Brasil e em todo o mundo democrático sobre a natureza da relação dos motoristas e/ou entregadores de aplicativos com a respectiva plataforma ou aplicativo digital que utiliza sua força de trabalho, assim como as possíveis medidas jurídicas de regulamentação nesse âmbito. No plano do direito comparado, tem-se verificado a tendência de o Poder Judiciário, tanto nos EUA como na Europa, reconhecer a natureza trabalhista/empregatícia da relação jurídica entre prestadores de serviços e as empresas que exploram as plataformas digitais de transporte de pessoas e entregas, restringindo o livre império das forças de mercado na regência da administração do labor humano nessa específica área.
Citam-se, entre esses casos, ilustrativamente: 1) decisão da Corte de Cassação francesa, proferida em março de 2020, no sentido de que a relação contratual entre o motorista e a empresa Uber é um contrato de trabalho, em razão do vínculo de subordinação entre condutor e empresa, e da falta de autonomia do trabalhador. Menciona-se, no precedente, por exemplo, a falta de liberdade do obreiro para fixar preços e definir condições para a execução da prestação de serviços; 2) decisão do Tribunal Superior de Justiça de Madri, na Espanha, em processo originado de inspeção do órgão fiscalizador do trabalho (Inspección de Trabalho y Seguridad Social), na direção de que a relação de trabalho dos entregadores de encomendas com a empresa que geria o aplicativo de entregas (Roofoods Spain SL) não se caracterizava como de natureza autônoma, tendo sido reconhecido o vínculo empregatício, na esteira de decisões anteriores sobre a questão; 3) nos EUA, a Suprema Corte da Califórnia , em abril de 2018, reconheceu a classificação incorreta que a empresa Dynamex fazia aos seus motoristas, como profissionais independentes (autônomos), para burlar leis trabalhistas e tributárias, e estabeleceu alguns requisitos (conhecido como ABC test ) para determinar se o empregado pode ser considerado autônomo/independente: existência de liberdade do controle e direção da empresa contratante; que o labor ocorra fora do curso principal dos negócios da empresa contratante (atividade-fim); que o trabalhador esteja regularmente envolvido em um comércio, ocupação ou negócio estabelecido independentemente, da mesma natureza que o trabalho realizado para a empresa contratante ( Dynamex Operations West, Inc. v. Superior Court of Los Angeles) .
Destaca-se, também, significativa decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferida em dezembro de 2017, que, embora não tenha envolvido diretamente a questão da relação jurídica entre motoristas e a Uber - a origem do litígio dizia desrespeito a regras de direito de concorrência -, reconheceu que o serviço prestado por aquela empresa não corresponde à qualificação de mera intermediação entre usuários do aplicativo e motoristas, mas de efetivo serviço de transporte que exerce influência nas condições da prestação de serviço dos motoristas, devendo os Estados-Membros regulamentarem as condições da prestação de tais serviços.
Têm-se, ainda, notícias de regras legislativas para a regulação das relações entre motoristas e plataformas digitais ocorridas no estado da Califórnia/EUA (Assembly Bill 5, que tem o condão de positivar o ABC test ) e no país europeu de Portugal (Lei 45 de agosto de 2018, que institui o regime jurídico da atividade de transporte individual e remunerado de passageiros em veículos descaracterizados a partir de plataforma eletrônica). Sobre o debate nos EUA, é importante consignar que a Uber, a Lyft e a DoorDash (empresas que operam o mesmo tipo de serviço nos EUA) financiaram uma campanha, no estado da Califórnia, para a aprovação da Proposta 22 ( Proposition 22 ), que visava a reconhecer a validade do modelo de negócio por plataformas digitais e do tratamento dos motoristas como profissionais independentes, ou seja, rejeitando as diretrizes decorrentes da decisão da Suprema Corte estadual no caso Dynamex , em 2018, e da lei estadual Assembly Bill 5 .
A Organização Internacional do Trabalho – OIT, por sua vez, já no ano de 2006, atenta às alterações sociais decorrentes dos novos modelos de produção de bens e serviços, expediu a Recomendação nº 198 (Sobre Relações de Trabalho), cujo preâmbulo já anunciava sua preocupação com as " dificuldades em determinar a existência de uma relação de trabalho quando os respectivos direitos e obrigações dos interessados não são claros, quando se tenta encobrir a relação de trabalho, ou quando existem inadequações ou limitações na legislação, na sua interpretação ou em seu aplicativo" .
Embora essa diretiva da OIT não tenha eficácia normativa equivalente a uma Convenção, ela surge como vetor de interpretação importante para direcionar a composição das controvérsias no âmbito da jurisdição nacional. Dela se extrai, por exemplo, a perspectiva recomendatória no sentido de que os Estados-Membros criem mecanismos que evitem a simulação das relações de trabalho no âmbito " de outras relações que possam incluir o recurso a outras formas de acordos contratuais que ocultem a verdadeira situação jurídica, entendendo-se que existe uma relação de trabalho disfarçada quando o empregador trata o trabalhador como se não o fosse, de forma a ocultar o seu verdadeiro estatuto jurídico, podendo surgir situações em que as disposições contratuais resultem na privação do trabalhador da proteção a que tem direito" (Art. 4, "b").
A par de tudo até aqui exposto, sem olvidar a complexidade das questões que envolvem a discussão dos autos, o eventual enquadramento como vínculo empregatício da relação jurídica entre prestador de serviços e as plataformas digitais, pelo Poder Judiciário Trabalhista no Brasil, vai depender das situações fáticas efetivamente demonstradas, as quais, por sua própria complexidade, podem envolver inúmeras e múltiplas hipóteses.
Aliás, entre as empresas de plataformas digitais congêneres existem dois grandes grupos, com diferenças significativas entre eles.
De um lado, as empresas que são realmente disruptivas, uma vez que conseguem aproximar o consumidor final do fornecedor final do produto, sem a intermediação do trabalho humano organizado, tal como ocorre, por exemplo, com empresas como a AirBnB – Air, Bed and Breakfast -, a qual consegue compartilhar para os consumidores de qualquer lugar do planeta ofertas de vagas em apartamentos, casas e outras residências situadas em locais distantes da cidade ou do país do consumidor interessado. E esse compartilhamento é feito sem a necessidade da organização de um sistema de trabalho à base de profissionais intermediários entre a plataforma digital e o consumidor interessado. Do mesmo modo, isso se verifica com a empresa Booking.com , plataforma pela qual qualquer indivíduo, em qualquer lugar do planeta, pode efetivar, em qualquer lugar da terra, reservas em Hotéis, pousadas, etc. Ou ainda empresas digitais como a Pet Anjo/Pet Hub , mediante as quais o dono de um pequeno animal de estimação (mascote ou pet ) pode entrar em contato com outros proprietários de pets para alojar o seu animal, em residências, onerosamente, por curtos períodos.
Nesses casos, existe, sim, um sistema empresarial disruptivo, o qual não passa pela utilização predatória do trabalho humano. Aqui se trata de empresas reais de compartilhamento.
Por outro lado, o segundo grupo de empresas de plataformas digitais que se dizem partícipes da economia compartilhada (mas que nela não estão efetivamente integradas ou apenas parcialmente estão ali inseridas) ostentam estrutura, natureza e dinâmica sumamente distintas, uma vez que passam pela utilização intensiva do trabalho humano, sem respeitar regras civilizatórias trabalhistas, para conseguirem cumprir os seus objetivos empresariais. Trata-se, por ilustração, das empresas de transportes de pessoas e coisas, que necessitam, estruturalmente, do trabalho humano intensivo, mas que o querem utilizar sem cumprir as regras legais civilizatórias existentes em benefício dos seres humanos envolvidos nessa dinâmica de labor intensivo. É o caso dos autos, conforme claramente se percebe.
Ora, aqui não se trata das lídimas empresas da economia de compartilhamento. Trata-se de sistemas empresariais digitais que, mediante sofisticado sistema de algoritmos, conseguem realizar uma intensiva utilização de mão de obra com o fito de alcançarem o objetivo empresarial de fornecerem transporte imediato a pessoas e coisas. E assim o fazem sem o cumprimento da ordem jurídica constitucional e legal trabalhista.
Aliás, como bem apontou o Ministro Alberto Bresciani, em seu voto convergente com este relator colacionado aos autos, cabe se notar "que a precarização não é causada pela tecnologia, mas é a tecnologia que é utilizada como ferramenta de ideologia econômica, para criar ‘novas’ modalidades de trabalho, alijadas da proteção social mínima"
De toda maneira, no Direito brasileiro existe sedimentada presunção de ser empregatício o vínculo jurídico formado — regido pela CLT, portanto —, desde que seja incontroversa a prestação de serviços por uma pessoa natural a alguém (Súmula 212, TST). Essa presunção jurídica relativa (não absoluta, esclareça-se) é clássica ao Direito do Trabalho, em geral, resultando de dois fatores historicamente incontestáveis: a circunstância de ser a relação de emprego a regra geral de conexão dos trabalhadores ao sistema socioeconômico capitalista; a circunstância de a relação de emprego, desde o surgimento do Direito do Trabalho, ter se tornado a fórmula mais favorável e protegida de inserção da pessoa humana trabalhadora na competitiva e excludente economia contemporânea.
No Brasil, desponta a singularidade de essa antiga presunção jurídica ter sido incorporada, de certo modo, até mesmo pela Constituição da República de 1988, ao reconhecer, no vínculo empregatício, um dos principais e mais eficazes instrumentos de realização de notável bloco de seus princípios cardeais, tais como o da dignidade do ser humano, o da centralidade da pessoa humana na ordem jurídica e na vida socioeconômica, o da valorização do trabalho e do emprego, o da inviolabilidade física e psíquica da pessoa humana, o da igualdade em sentido substancial, o da justiça social, o do bem-estar individual e social, o da segurança e o da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Com sabedoria, a Constituição percebeu que não se criou, na História do Capitalismo, nessa direção inclusiva, fórmula tão eficaz, larga, abrangente e democrática quanto a estruturada na relação de emprego.
Convergindo inúmeros preceitos constitucionais para o estímulo, proteção e elogio à relação de emprego (ilustrativamente: Preâmbulo; art. 1º, III e IV; art. 3º, I, II, III e IV; art. 5º, caput ; art. 6º; art. 7º, caput e seus incisos e parágrafo único; arts. 8º até 11; art. 170, caput e incisos III, VII e VIII; art. 193, todos do Texto Máximo de 1988), emerge clara a presunção também constitucional em favor do vínculo empregatício no contexto de existência de incontroversa prestação de trabalho na vida social e econômica.
De par com isso, a ordem jurídica não permite a contratação do trabalho por pessoa natural, com os intensos elementos da relação de emprego, sem a incidência do manto mínimo assecuratório da dignidade básica do ser humano nessa seara da vida individual e socioeconômica - sob pena de retrocesso civilizatório, na medida em que o trabalho não é uma mercadoria e sim o instrumento mais consistente para assegurar a dignidade do ser humano na sociedade contemporânea. Não absorve, pois, fórmulas regentes da relação de emprego que retirem tal vínculo do patamar civilizatório mínimo afirmado pela ordem jurídica contemporânea. O próprio art. 7º da Constituição, em seu caput e incisos, estabelece o envoltório protetivo trabalhista para toda relação de emprego configurada na sociedade.
Em consequência, possuem caráter manifestamente excetivo fórmulas alternativas de prestação de serviços a alguém, por pessoas naturais, como, ilustrativamente, contratos de estágio, vínculos autônomos ou eventuais, relações cooperativadas e as fórmulas intituladas de "pejotização" e, mais recentemente, a chamada "uberização". Em qualquer desses casos, estando presentes os elementos da relação de emprego , esta prepondera e deve ser reconhecida, uma vez que a verificação desses pressupostos, muitas vezes, demonstra que a adoção de tais práticas se dá apenas como meio de precarizar as relações empregatícias (art. 9º da CLT: fraude), alargando os lucros do empreendimento.
Nessa linha, a propósito, muito bem enfatizou o Ministro Alberto Bresciani, em seu voto convergente ao voto deste relator (já anexado aos autos): "De início, há de se partir do pressuposto de que os padrões internacionais de direitos humanos básicos não fazem distinção entre trabalhadores tradicionais (como empregados de fábricas) e não tradicionais (motoristas de aplicativo)."
Nesse aspecto, cumpre enfatizar que o fenômeno sóciojurídico da relação empregatícia emerge quando reunidos os seus cinco elementos fático-jurídicos constitutivos: prestação de trabalho por pessoa física a outrem, com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e sob subordinação.
Observe-se que, no âmbito processual, uma vez admitida a prestação de serviços pelo suposto Empregador/tomador de serviços, a ele compete demonstrar que o labor se desenvolveu sob modalidade diversa da relação de emprego , considerando a presunção (relativa) do vínculo empregatício sedimentada há várias décadas no Direito do Trabalho, conforme exaustivamente exposto. A análise casual das hipóteses discutidas em Juízo, portanto, deve sempre se pautar no critério do ônus da prova – definido no art. 818 da CLT -, competindo ao obreiro demonstrar a prestação de serviços (inciso I do art. 818 da CLT); e à Reclamada, provar eventual autonomia na relação jurídica (inciso II do art. 818 da CLT).
No caso dos autos , ficou incontroversa a prestação de serviços do Reclamante para a Reclamada, como motorista do aplicativo, tendo ela alegado que é uma empresa de tecnologia da informação e que apenas aproxima os parceiros (motoristas) da demanda de usuários interessados na prestação daquele serviço de transporte. Nesse sentido, sustenta a Reclamada que o labor foi prestado pelo Reclamante sem qualquer subordinação e com ampla autonomia sobre a forma de realização de sua atividade.
Sobre tais aspectos, necessário analisar , de plano, a premissa de que a Reclamada Uber é simplesmente uma empresa que " promove a aproximação entre motoristas e passageiros para realização de viagens por meio de aplicativo de celular" - compreensão lançada pelas instâncias ordinárias a partir da constatação de que seu objeto social a identifica como empresa que presta serviços na área da tecnologia.
Com a devida vênia, não parece ser essa a realidade. Com efeito, a mera delimitação formal do objeto social da Empresa, com explicitação da finalidade e gênero de suas atividades, não é hábil a delinear, no âmbito prático, a natureza das relações trabalhistas desenvolvidas em favor do ente empresarial. O enquadramento jurídico do trabalho prestado em favor da organização empresarial deve se dar em observância ao princípio juslaboral da primazia da realidade sobre a forma, independentemente da roupagem formal adotada pela instituição que se beneficia da força de trabalho do ser humano.
Assim, embora não se desconheça que a Empresa desenvolve tecnologias como meio de operacionalizar seu negócio, ela, efetivamente, administra um empreendimento relacionado à prestação de serviços de transporte de pessoas – e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo.
Ademais, a experiência comum subministrada pelo que ordinariamente acontece no plano dos fatos demonstra que a Reclamada se projeta e se expande no mercado como provedora de serviços de mobilidade urbana (transporte de pessoas) e, para explorar esse segmento econômico, utiliza-se da força de trabalho da pessoa humana. Note-se que o usuário do transporte não é cliente do motorista, mas da própria Empresa. Essa compreensão, aliás, também é respaldada na experiência do Direito Comparado, conforme autoriza o art. 8º caput , da CLT ( decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia, mencionado alhures ).
O que a prova coligida no processo e referenciada pelo acórdão recorrido demonstrou que a Reclamada administra um empreendimento relacionado ao transporte de pessoas – e não mera interligação entre usuários do serviço e os motoristas cadastrados no aplicativo – e que o Reclamante lhe prestou serviços como motorista do aplicativo digital.
Fixada essa premissa, cabe à Reclamada comprovar o fato impeditivo do direito postulado (reconhecimento do vínculo de emprego), ou seja, que o labor foi executado de forma autônoma, sem subordinação, pelo Reclamante.
Entretanto, ficaram firmemente demonstrados os elementos integrantes da relação de emprego, conforme evidenciado imediatamente a seguir.
Primeiro, é essencial à configuração da relação de emprego que a prestação do trabalho, pela pessoa natural (fato incontroverso nestes autos), tenha efetivo caráter de infungibilidade , no que tange ao trabalhador - pessoalidade . A relação jurídica pactuada — ou efetivamente cumprida — deve ser intuitu personae com respeito ao prestador de serviços, que não poderá, assim, fazer-se substituir intermitentemente por outro trabalhador ao longo da concretização dos serviços pactuados.
Na situação vertente, é inegável (e incontroverso) de que o trabalho de dirigir o veículo e prestar o serviço de transporte , em conformidade com as regras estabelecidas pela empresa de plataforma digital, é realizado por uma pessoa humana - no caso, o Reclamante. A par disso, a pessoalidade mostrou-se evidente : o Reclamante precisou realizar um cadastro individual na Reclamada, fornecendo dados pessoais e bancários, bem como, no decorrer da execução do trabalho, foi submetido a um sistema de avaliação individualizada, a partir de notas atribuídas pelos clientes e pelo qual a Reclamada controlava a qualidade dos serviços prestados.
Tais premissas identificam, com clareza, a obrigação personalíssima do Reclamante de prestar serviços à empresa Reclamada.
É importante destacar, neste aspecto, que o fato de a Empresa administrar um negócio com milhares de motoristas cadastrados em seu aplicativo e ter o potencial de recrutar e contratar ainda muito mais pessoas para prestar esse serviço não desnatura o caráter de pessoalidade do labor despendido pelos trabalhadores individualmente considerados, principalmente se ficar demonstrada a natureza infungível da prestação do trabalho e das obrigações de cada sujeito do contrato – como ocorreu, no caso dos autos.
Quanto à onerosidade , este é o elemento fático-jurídico da relação de emprego que diz respeito à ideia de contrapartida econômica em benefício do obreiro pela força de seu trabalho colocada à disposição do empregador/tomador de serviço.
No caso dos autos , o caráter oneroso do trabalho executado decorre da constatação de uma sistemática de pagamento pela prestação de serviços, adotada pela Reclamada, cujo critério era o repasse de cerca de 70/80% do valor pago pelos passageiros/clientes à empresa, por meio da plataforma digital (aplicativo).
Pontue-se, a respeito desse elemento fático-jurídico, conforme enfatizado pelo Ministro Alberto Bresciani, em seu voto vistor juntado aos autos, que a onerosidade mostra-se indubitavelmente presente "uma vez que o reclamante era pago pela empresa e a percentagem elevada a ele atribuída explica-se pelo fato de arcar com todos os custos do transporte (manutenção do veículo, gasolina, provedor de internet , celular)".
Além da pessoalidade e onerosidade, é necessário também a não eventualidade para que haja relação empregatícia, ou seja, que o trabalho seja prestado em caráter de permanência (ainda que por um curto período determinado), não se qualificando como trabalho esporádico.
A doutrina construiu distintas teorizações com o fim de precisar com maior clareza o exato sentido do elemento fático-jurídico da não eventualidade. As principais teorias informadoras da noção de eventualidade (e, consequentemente, da noção de não eventualidade), pertinentes ao exame do caso concreto, são: teoria do evento, teoria dos fins do empreendimento e teoria da fixação jurídica.
A teoria do evento informa que se considera como eventual o trabalhador admitido na empresa em virtude de um determinado e específico fato, acontecimento ou evento, ensejador de certa obra ou serviço. Seu trabalho para o tomador terá a duração do evento esporádico ocorrido.
A teoria dos fins do empreendimento (ou fins da empresa) - talvez a formulação teórica mais prestigiada - informa que eventual será o trabalhador chamado a realizar tarefa não inserida nos fins normais da empresa — tarefas que, por essa mesma razão, serão esporádicas e de estreita duração.
Há, finalmente, a teoria da fixação jurídica ao tomador dos serviços . Informa essa construção teórica, nas palavras do saudoso Amauri Mascaro Nascimento, ser eventual o trabalhador " que não se fixa a uma fonte de trabalho, enquanto empregado é o trabalhador que se fixa numa fonte de trabalho. Eventual não é fixo. Empregado é fixo. A fixação é jurídica ".
A partir das teorias acima e da proposição metodológica informadora de que não se deve perquirir pela figura do trabalhador eventual tomando-se um exclusivo critério entre os apresentados, mas combinando-se os elementos deles resultantes, pode-se formular a seguinte caracterização do trabalho de natureza eventual: a) descontinuidade da prestação do trabalho, entendida como a não permanência em uma organização com ânimo definitivo; b) não fixação jurídica a uma única fonte de trabalho, com pluralidade variável de tomadores de serviços; c) curta duração do trabalho prestado; d) a natureza do trabalho tende a ser concernente a evento certo, determinado e episódico no tocante à regular dinâmica do empreendimento tomador dos serviços; e) em consequência, a natureza do trabalho prestado tenderá a não corresponder, também, ao padrão dos fins normais do empreendimento.
No caso dos autos , observa-se que o labor do Reclamante estava inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da Reclamada e inexistia qualquer traço de transitoriedade ou especificidade na prestação do serviço. Não era eventual, também, sob a ótica da teoria do evento, na medida em que não se tratava de labor desempenhado para certa obra ou serviço, decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual.
Por outro lado, embora a relação jurídica entre as Partes tenha perdurado por menos de dois meses (de 21/7/2016 a 17/09/2016), fato é que, durante esse curto período, o labor foi prestado permanentemente todos os dias, com absoluto controle da Reclamada sobre o tempo à sua disposição, não havendo qualquer informação no acórdão regional que permita aferir pelo caráter esporádico do labor – por exemplo, inexistem elementos que pudessem direcionar para a conclusão de que, durante quase dois meses, o Reclamante conectou-se ao aplicativo digital apenas de forma ocasional, pontual ou dispersa.
Registre-se, por oportuno, que a afirmação de que obreiro trabalhador não está vinculado ao cumprimento de um número mínimo de horas de trabalho e que pode prestar serviços para outras empresas que fornecem a mesma funcionalidade não tem o condão, por si só, de descaracterizar o caráter permanente da prestação de serviços à Reclamada. No caso concreto, reitere-se, a realidade que se extrai das informações constantes no acórdão regional é a de que o Reclamante dedicava seu trabalho intensamente à Reclamada, diariamente. Nesse contexto, a inexistência de cláusula contratual a prever jornada de trabalho mínima ou a exclusividade na prestação de serviços não tem relevância para enquadrar o labor como habitual ou eventual, na medida em que tal compreensão se extrai da prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços – a qual, no caso concreto, converge para a constatação de inegável labor habitual e contínuo do Reclamante durante os quase dois meses da relação jurídica existente. Além disso, nesta hipótese concreta, não houve prova de que o Obreiro estivesse conectado a outros aplicativos ou empregados.
Ademais, vale salientar que o número de horas laboradas não interfere no reconhecimento do vínculo de emprego, mas na delimitação de o trabalhador se inserir ou não no Capítulo Celetista concernente à duração do trabalho. Há de se ressaltar, a propósito, que a própria CLT indica, no artigo 62, os empregados não abrangidos pelo regime estabelecido em seu Capítulo II. A fixação da jornada e eventual labor extraordinário que gera a percepção de remuneração destacada (artigo 7º, XVI, da CF) é matéria a ser debatida em cada caso concreto em que se discutem os horários praticados, não influenciando na definição da relação de emprego.
Em síntese, e lembrando que a exclusividade da vinculação do trabalhador ao tomador de serviços não é fator decisivo para afastar a configuração do vínculo de emprego, a aferição convergente e combinada das distintas teorias em cotejo com o caso concreto permite concluir que o labor desempenhado pelo Reclamante se enquadra como "não eventual" (ou habitual ).
Por fim, a subordinação .
Com efeito, não obstante a relação de emprego resulte da síntese indissolúvel de todos os elementos fático-jurídicos que a compõem, será a subordinação, entre todos esses elementos, o que ganha maior proeminência na conformação do tipo legal da relação empregatícia.
De fato, a subordinação é que marcou a diferença específica da relação de emprego perante as tradicionais modalidades de relação de produção que já foram hegemônicas na história dos sistemas socioeconômicos ocidentais (servidão e escravidão). Será também a subordinação o elemento principal de diferenciação entre a relação de emprego e o segundo grupo mais relevante de fórmulas de contratação de prestação de trabalho no mundo contemporâneo (as diversas modalidades de trabalho autônomo).
A subordinação corresponde ao polo antitético e combinado do poder de direção existente no contexto da relação de emprego. Consiste, assim, na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado se compromete a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua prestação de serviços.
O fenômeno da subordinação tem sofrido ajustes e adequações ao longo dos dois últimos séculos, quer em decorrência de alterações na realidade do mundo do trabalho, quer em virtude de novas percepções aferidas pela Ciência do Direito acerca desse crucial elemento fático-jurídico da relação empregatícia. Três dimensões principais, nesse contexto, destacam-se com relação ao fenômeno: a clássica, a objetiva e a estrutural.
Clássica (ou tradicional ) é a subordinação consistente na situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o trabalhador se compromete a acolher o poder de direção empresarial no tocante ao modo de realização de sua prestação laborativa. Manifesta-se pela intensidade de ordens do tomador de serviços sobre o respectivo trabalhador.
Objetiva é a subordinação que se manifesta pela integração do trabalhador nos fins e objetivos do empreendimento do tomador de serviços, que detém o poder jurídico sobre a direção daquela atividade. Essa dimensão do fenômeno sociojurídico subordinativo caracteriza-se pela integração do obreiro e seu labor aos objetivos empresariais, havendo plena harmonização entre a atividade do trabalhador e os fins do empreendimento a que se vincula,
Estrutural é, finalmente, a subordinação que se expressa pela inserção do obreiro na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento . Nessa dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços.
Essa moderna e renovada compreensão do fenômeno da subordinação, que efetivamente possui nítido caráter multidimensional, tem sido percebida não só pela doutrina e jurisprudência mais atentas e atualizadas, como também pelo próprio legislador. Nessa linha, despontou a Lei n. 12.551, de 15.12.2011, conferindo nova redação ao caput do art. 6º da CLT e lhe agregando novo parágrafo único, de modo a incorporar, implicitamente, os conceitos de subordinação objetiva e de subordinação estrutural, equiparando-os, para os fins de reconhecimento da relação de emprego, à subordinação tradicional (clássica), que se realiza por meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. Desse modo, o novo preceito da CLT permite considerar subordinados profissionais que realizem trabalho à distância, submetidos a meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão. Esclarece a regra que os " ... meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio ". Ora, essa equiparação se dá em face das dimensões objetiva e também estrutural que caracterizam a subordinação, já que a dimensão tradicional (ou clássica) usualmente não comparece nessas relações de trabalho à distância, bem como nas relações de trabalho concretizadas sob os novos mecanismos de gestão da força de trabalho utilizados adjacentes às plataformas digitais, aplicativos e produtos semelhantes .
Agregue-se, se não bastasse, uma quarta dimensão da subordinação, dita algorítmica – própria do novo contexto empresarial, em que o empresário passa a usar uma pletora de mecanismos telemáticos, computadorizados, internáuticos, hiper-minuciosos e sensíveis a quaisquer movimentos dos seres humanos e máquinas envolvidos na dinâmica ou órbita de interesse do empreendimento estruturado. Trata-se da denominada subordinação algorítmica , muito bem lembrada pelo Ministro Alberto Bresciani, componente da Terceira Turma do TST até o dia 22 de dezembro de 2021 – data de sua aposentadoria -, conforme exposto em seu voto vistor harmônico ao voto deste relator. Ao mencionar a subordinação algorítmica no caso concreto, o Ministro Alberto Bresciani enfatiza "destaque para o fato de que a flexibilidade na escolha do horário de trabalho não significa autonomia, constituindo mera cláusula do contrato de emprego. Tanto que o reclamante foi desligado como punição, com base em avaliações"
Conforme exposto, no caso dos autos , os fatos retratados no acórdão regional demonstram que o trabalho do Reclamante era efetivamente controlado pela Empresa, que assumia integralmente a direção sobre a atividade econômica e sobre o modo de realização da prestação de serviço, inclusive com a manifestação disciplinar do poder empregatício.
A esse respeito, destacam-se as seguintes premissas que se extraem do acórdão regional, incompatíveis com a suposta autonomia e liberdade do trabalhador na execução do trabalho: 1) a Reclamada organizava unilateralmente as chamadas dos seus clientes/passageiros e indicava os motoristas para prestar os serviços ; 2) exigia a permanência do Reclamante conectado à plataforma digital para prestar os serviços , sob risco de descredenciamento da plataforma digital (perda do trabalho); 3) avaliava continuamente a performance dos motoristas, por meio de um controle telemático e pulverizado da qualidade dos serviços a partir da tecnologia da plataforma digital e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros ao trabalhador . Tal sistemática servia, inclusive, de parâmetro para o descredenciamento da plataforma digital - perda do trabalho -, caso o obreiro não alcançasse uma média mínima; 4) a prestação de serviços se desenvolveu diariamente, durante o período da relação de trabalho, com intenso controle da Reclamada sobre o trabalho prestado e a observância de suas diretrizes organizacionais , por meio da plataforma digital (meio telemático) e da participação difusa dos seus clientes/passageiros .
Saliente-se ser fato notório (art. 337, I, do CPC/15) que a Reclamada é quem estabelece unilateralmente os parâmetros mais essenciais da forma de prestação dos serviços e da dinâmica de funcionamento da atividade econômica, como, por exemplo, a exigência de idade mínima dos automóveis utilizados pelos trabalhadores, bem como a definição do preço da corrida e do quilômetro rodado no âmbito de sua plataforma digital.
Desse quadro, percebe-se a configuração da subordinação jurídica nas diversas dimensões:
a) a clássica , em face da existência de ordens diretas da Reclamada promovidas por meios remotos e digitais (art. 6º, parágrafo primeiro, da CLT), demonstrando a existência da assimetria poder de direção/subordinação e, ainda, os aspectos diretivo, regulamentar, fiscalizatório e disciplinar do poder empregatício;
b) a objetiva , tendo em vista o trabalho executado estritamente alinhado aos objetivos empresariais;
c) a estrutural , mediante a inteira inserção do profissional contratado na organização da atividade econômica desempenhada pela Reclamada, em sua dinâmica de funcionamento e na cultura jurídica e organizacional nela preponderante;
d) e, por fim, a subordinação algorítmica , em vista de a empresa valer-se de um sistema sofisticado de arregimentação, gestão, supervisão, avaliação e controle de mão de obra intensiva, à base de ferramentas computadorizadas, internáuticas, eletrônicas, de inteligência artificial e hiper-sensíveis, aptas a arquitetarem e manterem um poder de controle empresarial minucioso sobre o modo de organização e de prestação dos serviços de transportes justificadores da existência e da lucratividade da empresa reclamada.
Saliente-se, por oportuno, que a suposta liberdade para definir seus horários de trabalho e de folgas, para manter-se ligado, ou não, à plataforma digital, bem como o fato de o Reclamante ser detentor e mantenedor de um instrumento de trabalho – no caso, o automóvel utilizado para o transporte de pessoas –, a par de um telefone celular, são circunstâncias que, considerado todo o contexto probatório, não têm o condão de definir o trabalho como autônomo e afastar a configuração do vínculo de emprego.
Reitere-se: a prestação de serviços ocorria diariamente, com sujeição do Autor às ordens emanadas da Reclamada por meio remoto e telemático (art. 6º, parágrafo único, da CLT); havia risco de sanção disciplinar (exclusão da plataforma) em face da falta de assiduidade na conexão à plataforma e das notas atribuídas pelos clientes/passageiros da Reclamada; inexistia qualquer liberdade ou autonomia do Reclamante para definir os preços das corridas e dos seus serviços prestados, bem como escolher os seus passageiros; (ou até mesmo criar uma carteira própria de clientes); não se verificou o mínimo de domínio do trabalhador sobre a organização da atividade empresarial; ficou incontroversa a incidência das manifestações fiscalizatória, regulamentar e disciplinar do poder empregatício na relação de trabalho analisada .
Enfim, o trabalho foi prestado pessoalmente pela pessoa física do Reclamante à empresa Reclamada e seu amplo e sofisticado sistema empresarial, mediante remuneração, com subordinação, e de forma não eventual.
Cabe reiterar que, embora, neste caso concreto, tenham sido comprovados os elementos da relação empregatícia, deve ser considerado que o ônus da prova da autonomia é atribuído, pela ordem jurídica, ao ente empresarial, já que inequívoca a prestação de trabalho (art. 818, II, da CLT), sendo forçoso reconhecer, no caso concreto, que a Reclamada não se desvencilhou satisfatoriamente de seu encargo probatório .
Dessa forma, deve ser reformado o acórdão regional para declarar a existência do vínculo de emprego entre as Partes, nos termos da fundamentação.
Pelo exposto, CONHEÇO do recurso de revista por violação do art. 3º da CLT.
II) MÉRITO
UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E CONCRETIZAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E COISAS. NOVAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO E GESTÃO DA FORÇA DE TRABALHO HUMANA NO SISTEMA CAPITALISTA E NA LÓGICA DO MERCADO ECONÔMICO. ESSENCIALIDADE DO LABOR DA PESSOA HUMANA PARA A CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA EMPRESA. PROJEÇÃO DAS REGRAS CIVILIZATÓRIAS DO DIREITO DO TRABALHO SOBRE O LABOR DAS PESSOAS NATURAIS. INCIDÊNCIA DAS NORMAS QUE REGULAM O TRABALHO SUBORDINADO DESDE QUE NÃO DEMONSTRADA A REAL AUTONOMIA NA OFERTA E UTILIZAÇÃO DA MÃO DE OBRA DO TRABALHADOR (ART. 818, II, DA CLT). CONFLUÊNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS HUMANISTAS E SOCIAIS QUE ORIENTAM A MATÉRIA (PREÂMBULO; ART. 1º, III E IV; ART. 3º, I, II, III E IV; ART. 5º, CAPUT ; ART. 6º; ART. 7º, CAPUT E SEUS INCISOS E PARÁGRAFO ÚNICO; ARTS. 8º ATÉ 11; ART. 170, CAPUT E INCISOS III, VII E VIII; ART. 193, TODOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988). VÍNCULO DE EMPREGO. DADOS FÁTICOS CONSTANTES DO ACÓRDÃO REGIONAL REFERINDO-SE A RELAÇÃO SOCIOECONÔMICA ABRANGENTE DE PERÍODO DE QUASE DOIS MESES. PRESENÇA DOS ELEMENTOS INTEGRANTES DA RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. INCIDÊNCIA, ENTRE OUTROS PRECEITOS, TAMBÉM DA REGRA DISPOSTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 6º DA CLT (INSERIDA PELA LEI n. 12.551/2011), A QUAL ESTABELECE QUE " OS MEIOS TELEMÁTICOS E INFORMATIZADOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO SE EQUIPARAM, PARA FINS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA, AOS MEIOS PESSOAIS E DIRETOS DE COMANDO, CONTROLE E SUPERVISÃO DO TRABALHO ALHEIO " . PRESENÇA, POIS, DOS CINCO ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO, OU SEJA: PESSOA HUMANA PRESTANDO TRABALHO; COM PESSOALIDADE; COM ONEROSIDADE; COM NÃO EVENTUALIDADE; COM SUBORDINAÇÃO. ÔNUS DA PROVA DA AUTONOMIA DO TRABALHO NÃO CUMPRIDO NO PRESENTE PROCESSO (ART. 818, CLT), PELA EMPRESA DE PLATAFORMA DIGITAL, QUE ARREGIMENTA, ORGANIZA, DIRIGE E FISCALIZA A PRESTAÇÃO DOS SERVIÇOS ESPECIALIZADOS DE TRANSPORTE.
Como consequência do conhecimento do recurso por violação do art. 3º da CLT, DOU-LHE PROVIMENTO, no mérito, para, reconhecendo o vínculo empregatício entre as Partes, determinar o retorno dos autos ao Juízo da Vara do Trabalho de origem para examinar os demais pedidos deduzidos pelo Reclamante daí decorrentes, articulados na petição inicial, como entender de direito.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, vencido e Exmo. Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, conhecer do recurso de revista, por violação do art. 3º da CLT; e, no mérito, dar-lhe provimento para, reconhecendo o vínculo empregatício entre as Partes, determinar o retorno dos autos ao Juízo da Vara do Trabalho de origem para examinar os demais pedidos deduzidos pelo Reclamante daí decorrentes, articulados na petição inicial, como entender de direito.
Brasília, 6 de abril de 2022.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Mauricio Godinho Delgado
Ministro Relator