A C Ó R D Ã O

(3ª Turma)

GMMGD/lfm/jb/ef

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS . Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 62, I, da CLT, suscitada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.

RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. O simples fato de o trabalhador exercer atividade externa não é incompatível com a fiscalização e o controle da sua jornada de trabalho pelo empregador. A averiguação do correto enquadramento do trabalhador na excludente legal de controle de jornada (art. 62, I, da CLT) se dá em cada caso, em respeito ao princípio da primazia da realidade, segundo o qual se deve analisar a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes ou ao previsto em instrumento escrito que, porventura, não correspondam à realidade. In casu , diferentemente do concluído pelo TRT, é forçoso concluir que restaram demonstrados elementos probatórios que autorizam entender que a Reclamada tinha meios para fiscalizar a jornada cumprida pelo Reclamante. Recurso de revista conhecido e provido .

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-277-69.2010.5.09.0008 , em que é Recorrente PAULO WILSON DA SILVA e Recorridas VITRASA TRANSPORTES LTDA. E OUTRAS .

O TRT da 9ª Região denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelo Reclamante.

Inconformado, o Reclamante interpõe o presente agravo de instrumento, sustentando que seu recurso de revista reunia condições de admissibilidade.

Foram apresentadas contraminuta ao agravo de instrumento e contrarrazões ao recurso de revista, sendo dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2º, do RITST.

PROCESSO ELETRÔNICO.

É o relatório.

V O T O

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO

I) CONHECIMENTO

Atendidos todos os pressupostos recursais, CONHEÇO do apelo.

II) MÉRITO

HORAS EXTRAS

A Corte de origem, ao apreciar o tema, decidiu:

"HORAS EXTRAS INDEVIDAS - APLICAÇÃO DO ART. 62, INCISO I, DA CLT - JORNADA DEFERIDA (ANÁLISE CONJUNTA)

Pretendem as reclamadas a reforma da sentença, para que se exclua da condenação o pagamento de horas extras e reflexos, ao argumento de que o reclamante, no exercício da função de motorista carreteiro, enquadrava-se na exceção do art. 62, inciso I, da CLT.

De acordo com as recorrentes, o reclamante trabalhava externamente e não havia possibilidade de controle de sua jornada, destacando que este detinha total liberdade de horários para realizar suas atividades.

Sustentam, ainda, que a utilização de tacógrafo, GPS e rastreamento via satélite não se prestam ao controle de jornada, pois a seu ver ‘ não são meios eficazes a comprovar o controle de jornada, posto que não revelam se o Autor encontrava-se descansando ou descarregando a carga do veículo, bem como se estava realmente trabalhando para a reclamada ou executando atividade de interesse particular’ (fl. 445).

Além disso, argumentam que ‘a existência de programação de viagens e horários de entrega não tem o condão de definir o controle ou a possibilidade de controle de jornada por parte da reclamada" , ressaltando que "a programação existe para organização do trabalho até porque a empresa tem que cumprir os prazos de entrega a seus clientes’ (fl. 445-verso).

Em caso de manutenção da condenação, requerem as reclamadas a reparação do julgado no que se refere à jornada deferida, ao argumento de que a prova testemunhal produzida nos autos não é suficiente para atestar, com precisão, os horários efetivamente cumpridos. Por fim, requerem a limitação da condenação de pagamento de horas extras intervalares ao respectivo adicional, sem reflexos.

Assim decidiu o Juízo de primeiro grau:

"O reclamante alega o trabalho em sobrejornada sem nunca ter recebido a contraprestação respectiva, razão pela qual postula o pagamento das horas extras excedentes da 8ª diária e 44ª semanal e reflexos.

A defesa refuta o pleito. Sustenta o enquadramento do autor no art. 62, inciso I, da CLT, sendo o reclamante motorista carreteiro, infenso ao controle de jornada.

Pelo cotejo da prova testemunhal extrai-se a possibilidade de controle da jornada de trabalho do autor.

O interrogatório das reclamadas (fls. 255-256) revela que embora não houvesse horário fixo para chegar ao destino, havia uma previsibilidade de horário, bem como havia rastreador no veículo dirigido pelo reclamante, possibilitando saber exatamente a real localização do caminhão a qualquer momento, vejamos:

‘3. que não havia horário fixado para chegar no destino, mas apenas uma previsibilidade. 4. que a reclamada tinha rastreador no veículo para atender a seguradora da carga. 5. que o rastreador possibilitava saber onde o caminhão estava cada momento’.

Também houve confissão das rés quanto ao elastecimento da jornada legal do autor, tendo em vista que o preposto em interrogatório afirmou que as viagens para o interior de São Paulo e Rio Grande do Sul duravam em média cerca de três dias e para o Rio de Janeiro, durava 4 dias, vejamos :

"10. Que quando viajava para o interior de São Paulo e Rio Grande do Sul o tempo de viagem do reclamante era de 3 dias, Rio de Janeiro 4 dias."

A testemunha convidada pelo autor, o Sr. Lourival Fernandes, também comprovou a existência de controle sob a jornada do reclamante (fls. 255-256), vejamos :

‘6. Que a reclamada entrava em contato com o depoente, mas não todo dia . 7. Que às vezes a empresa entrava em contato para o motorista apressar a viagem porque o cliente estava precisando da carga. 8. Que demandava três dias e meio para chegar na Bahia [...]10. Que quando a empresa pedia para entregar a carga rápido o depoente dirigia 'direto' [...]14. Que no início não havia relatório de viagem e posteriormente tinham que anotar o horário que saiam de Curitiba e o horário que chegavam no Rio de Janeiro ou na Bahia, ou seja, no cliente para fazer a carga e descarga . [...]18. Que no início do contrato a empresa fornecia telefone para os motoristas e após 1 ano de contrato o depoente utilizava o seu próprio telefone’.

Também a segunda testemunha indicada pelo autor, ouvida por Carta Precatória, o Sr. João Marciano da Luz, às fls. 409, comprovou a existência de controle sobre a jornada de trabalho do autor, vejamos:

‘O caminhão era dotado de rastreador, tacógrafo, rotograma que é um documento onde constava a rota, quantidade de quilômetros e horas necessárias para a viagem, bem como as vias de tráfego, também viajava com o telefone celular, dizendo o depoente que a reclamada tinha total controle da jornada de trabalho. [...] no rotograma não constava previsão de hora de chegada mas sim duração da viagem’ . (Grifei).

O tacógrafo, por si só, não constitui meio hábil para o controle da jornada, nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 332 da SBDI-1 do TST. Entretanto, conforme restou exaustivamente comprovado pela prova testemunhal, além do tacógrafo, as reclamadas possuíam rastreador no caminhão dirigido pelo reclamante, bem como controlavam o horário via celular, conheciam o tempo médio de duração das viagens, de acordo com o destino e o cliente, sendo que havia uma previsibilidade quanto ao horário de chegada do autor ao seu destino, o que afasta a hipótese prevista no inciso I do art. 62 da CLT .

Deste modo, tem-se que se as reclamadas não utilizavam controle escrito de jornada do autor, o faziam por mera liberalidade, não afastando eventuais direitos do obreiro .

Verifica-se, contudo, que as rés não trouxeram aos autos os cartões-ponto do reclamante, conforme a exigência legal contida no art. 74, § 2º, da CLT, atraindo o teor da Súmula 338, I, do TST.

Passa-se, portanto, à fixação da jornada do autor.

O reclamante alega na inicial (fls. 03) que partia sempre ao final da tarde, dirigindo por cerca de 16/20 horas seguidas, usufruindo de 40 minutos de intervalo intrajornada e que no retorno, com o tanque vazio, a viagem era mais rápida, gastando em média 12/16 horas. Afirma que fazia em média 10 viagens ao mês.

Sustenta, ainda, que saía de Curitiba normalmente às 17h00 e chegava ao destino às 8h00/10h00 do dia seguinte. O retorno ocorria dentre 4/6 horas após a chegada ao destino, por volta das 14/16h00.

Desta forma, cotejando a inicial e a prova testemunhal colhida, com a limitação daquela, fixa-se a jornada autor das 17h00 do dia da partida, de Curitiba, às 9h00 do dia seguinte, no local de destino, com 40 minutos de intervalo. E o horário de retorno iniciava-se às 15h00, com duração de 14 horas, chegando às 5h do dia seguinte, com igual intervalo de 40min.

Pela delimitação feita na inicial, de cerca de 10 viagens mensais, considerando-se ainda que cada viagem durava cerca de dois dias e meio, conclui-se que o autor usufruía de dois dias de repouso semanais, trabalhando de segunda à sexta-feira.

Destarte, deferem-se as horas extras excedentes à oitava diária e quadragésima quarta semanal, inacumuláveis, nos termos do art. 7º, incisos XIII e XVI, da CF/88 e art. 58 e ss. da CLT ."

Analiso.

A configuração do exercício de atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho surge da impossibilidade de o empregador fiscalizar a jornada, diante da natureza dos serviços prestados, nos termos do artigo 62, inciso I, da CLT: ‘ os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados’.

No presente caso, é incontroverso que o reclamante foi contratado para exercer a função de motorista, atividade desenvolvida externamente .

Portanto, a controvérsia reside em definir se havia, ou não, possibilidade de efetivo controle da jornada de trabalho realizada pelo trabalhador.

O contrato de trabalho celebrado entre as partes consigna, expressamente, que o reclamante foi contratado para exercer função externa (fl. 107).

Além disso, a cláusula quadragésima terceira da CCT 2008/2010 estabelece que ‘ as partes signatárias da presente reconhecem que aos motoristas em viagem aplica-se a regra do artigo 62, I, da CLT, em face das mesmas reconhecerem que a atividade é incompatível com o controle da jornada dos motoristas, ainda que os veículos tenham equipamentos eletrônicos ou mecânicos para controle de deslocamentos ou da velocidade, já que isto visa apenas a segurança dos motoristas, dos veículos e de terceiros’ (fl. 230).

Extrai-se da prova oral produzida pelas partes (fls. 239/270-verso e 424):

Depoimento pessoal do reclamante: "[...] 5. que o depoente viajava de Curitiba para a cidade de Madre de Deus na Bahia, Botucatu, Itapetininga, Salto e Agudos no interior de São Paulo, Araguai no interior do Rio Grande do Sul. 6. que o depoente saía de Curitiba no final da tarde e tinha que dirigir até chegar no cliente. [...]".

Depoimento pessoal do preposto das reclamadas: "1. que o reclamante não tinha que fazer o acompanhamento do carregamento e descarregamento da carga. 2. que não havia relatório de viagens a ser preenchido pelo motorista. 3. que não havia horário fixado para chegar no destino, mas apenas uma previsibilidade. 4. que a reclamada tinha rastreador no veículo para atender a seguradora da carga. 5. que o rastreador possibilitava saber onde o caminhão estava cada momento. 6. que o reclamante tinha que entregar o tacógrafo do veículo no retorno da viagem. 7. que a reclamada recebia o tacógrafo apenas para o atendimento da legislação sendo que sequer fazia a leitura desse documento. 8. que os motoristas são orientados para controlar a própria jornada, tendo 8 dias para ir e voltar, devendo dirigir 8 horas e parar para se alimentar e pernoitar. 9. que o pernoite era feito dentro do caminhão. 10. que quando viajava para o interior de São Paulo e Rio Grande do Sul o tempo de viagem do reclamante era de 3 dias, Rio de Janeiro 4 dias" (destaquei).

Testemunha Lourival Fernandes, ouvida a convite do reclamante: "1. que trabalhou para a 1ª reclamada como motorista carreteiro de março de 2006 a novembro de 2010. 2. que algumas vezes viajou para o mesmo destino do reclamante em outro caminhão. [...] 5. que às vezes saía de Curitiba ia para a Bahia, da Bahia ia para o Espírito Santo e carregava novamente para Curitiba. 6. que a reclamada entrava em contato via celular com o depoente, mas não todo dia . 7. que às vezes a empresa entrava em contato para o motorista apressar a viagem porque o cliente estava precisando da carga. 8. que demandava três dias e meio para chegar na Bahia, mas às vezes demorava 2 dias ou 2 dias e meio. 9. que se não havia pressa da carga, o depoente dirigia a hora que quisesse sem qualquer controle da empresa, sendo que "viajava normal". 10. que quando a empresa pedia para entregar a carga rápido o depoente dirigia "direto", sendo que parava para cochilar e não havia necessidade de avisar a empresa. 11. que dependendo do cliente tinha que auxiliar no descarregamento, colocando os mangotes e abrindo o tanque e a válvula. 12. que na Reduc no Rio de Janeiro sempre o motorista fazia o carregamento. [...] 14 . que no início não havia relatório de viagem e posteriormente tinham que anotar o horário que saiam de Curitiba e o horário que chegavam no Rio de Janeiro ou na Bahia, ou seja no cliente para fazer a carga e descarga . 15. que de Curitiba para Botucatu o depoente demorava 8/9 horas para viagem. 16. que o depoente também ia para Botucatu e Salto no interior de São Paulo. 17. que o depoente telefonava para a empresa quando eventualmente ocorria um acidente ou quando não ia chegar no tempo previsto . 18. que no inicio do contrato a empresa fornecia telefone para os motoristas e após 1 ano de contrato do depoente o depoente utilizava o seu próprio telefone. [...] 20. que na Bahia não fazia carregamento e descarregamento" (destaquei).

Testemunha João Marciano da Luz, ouvida a convite do reclamante na Carta Precatória nº 01101-2011-657-09-00-0: " trabalhou para a reclamada de 2006 a 2010 como motorista; fazia viagem para Rio de Janeiro/Curitiba, Bahia/Curitiba, Curitiba/interior de São Paulo, Uberaba-MG e Porto Alegre- RS; transportava emulsão de parafina, que era produzida em Curitiba, de onde o depoente partia por volta das 16/17:00, devendo chegar ao destino porque a fábrica poderia parar por falta de produto; as viagens demoravam 10/12 horas; o caminhão era dotado de rastreador, tacógrafo, rotograma que é um documento onde constava a rota, quantidade de quilômetros e horas necessárias para a viagem, bem como as vias de tráfego, também viajava com o telefone celular , dizendo o depoente que a reclamada tinha total controle da jornada de trabalho ; na refinaria do Rio de Janeiro o motorista fazia o carregamento, ou seja pesava o caminhão, adentrava à refinaria, encostava na baia, ligava a bomba à carreta e carregava, demorando 1,5 hora ou pouco mais; no rotograma não constava previsão de hora de chegada mas sim duração da viagem; ia para a Bahia com caminhão vazio em 2,5 dias e voltava carregado em 3 dias, tocando até 23:00 e depois acordava por volta das 5:00 para reiniciar a viagem; fez viagens em comboio com o autor" (destaquei).

A prova documental (fls. 19/30) e oral produzida nos autos evidencia que o caminhão conduzido pelo reclamante possuía tacógrafo, no entanto tal instrumento é utilizado para aferir a velocidade do veículo e não o tempo à disposição do empregador.

Neste sentido, a OJ 332 da SDI-1 do TST:

"OJ-SDI1-332 MOTORISTA. HORAS EXTRAS. ATIVIDADE EXTERNA. CONTROLE DE JORNADA POR TACÓGRAFO. RESOLUÇÃO Nº 816/1986 DO CONTRAN 

O tacógrafo, por si só, sem a existência de outros elementos, não serve para controlar a jornada de trabalho de empregado que exerce atividade externa."

O conjunto probatório existente nos autos revela, ainda, que o caminhão era rastreado, sendo possível sua localização a qualquer momento (depoimento pessoal do preposto, itens 4 e 5). Contudo, deve-se considerar que o objetivo do rastreamento é trazer mais segurança às mercadorias transportadas, ao caminhão e ao próprio motorista (sendo sua utilização, muitas vezes, uma imposição das seguradoras como condição para cobertura da frota e da carga).

Esse artifício das reclamadas, para manter o controle sobre a localização dos veículos e a entrega das mercadorias, encontra-se em conformidade com o poder diretivo inerente à atividade econômica voltada ao transporte rodoviário de cargas, mas não prova o controle efetivo da jornada do autor.

Anote-se que os equipamentos de uso obrigatório (tacógrafos) ou mesmo rastreadores, por si só, não são hábeis à fiscalização de jornada, haja vista que são voltados para o controle de velocidade e para a segurança do veículo e do motorista. O caminhão pode estar parado em horário de trabalho (ex. congestionamento por acidente de trânsito, carregamento/descarregamento) ou pode estar em movimento em horário de descanso (ex. uso do veículo para fim particular do motorista, na região em que se encontra).

Ademais, durante a instrução probatória, não houve prova de que a operacionalização do rastreamento pela empresa de monitoramento estivesse relacionada com o controle da jornada dos motoristas.

Quanto à existência do rotograma, informada pela testemunha João, tem-se que se trata de documento que contém informações sobre a rota, distância a ser percorrida e previsão de horas necessárias para completar a viagem, bem como vias de tráfego.

Entendo que o documento em questão, a exemplo do tacógrafo e do rastreamento por satélite, não fornece elementos suficientes para possibilitar o controle de jornada do motorista, na medida em que se destina, à toda evidência, à programação e organização da viagem, sem considerar elementos importantes para a duração desta, como paradas para descanso e alimentação, além de imprevistos inerentes a deslocamentos rodoviários, tais como engarrafamentos, pneus furados e acidentes de trânsito .

Outrossim, o contato da ex-empregadora com o reclamante, através de telefone celular, não se constitui como meio hábil ao controle de jornada, até mesmo porque a testemunha Lourival esclareceu que que as ligações não ocorriam diariamente .

Aliás, a testemunha em questão assegurou que, quando não havia pressa na entrega da carga, o motorista  "dirigia a hora que quisesse sem qualquer controle da empresa" (item 9 do testemunho de Lourival), o que reforça a conclusão de que o reclamante detinha liberdade para laborar nos horários e da forma que melhor lhe aprouvessem.

Por fim, observo que, em que pese o entendimento do Juízo de primeiro grau em sentido contrário, não houve confissão de labor extraordinário pelas reclamadas, na medida em que o preposto destas informou que "quando viajava para o interior de São Paulo e Rio Grande do Sul o tempo de viagem do reclamante era de 3 dias, Rio de Janeiro 4 dias" (item 10 do depoimento), o que não significa que o autor laborasse três ou quatro dias de forma contínua.

De fato, as duas testemunhas ouvidas asseguraram que faziam paradas para descanso, além do que não seria crível que dirigissem por três ou quatro dias a fio.

Ante o exposto, considerando que os elementos probatórios constantes dos autos autorizam concluir que não havia possibilidade de fiscalização da jornada cumprida pelo reclamante, impõe-se reconhecer que este exercia função externa, incompatível com a fixação de horário, na forma do art. 62, inciso I, da CLT.

Reformo a sentença  para reconhecer o enquadramento do reclamante na exceção do artigo 62, I, da CLT e, por conseguinte, excluir da condenação o pagamento de horas extras e reflexos.

Consequentemente, fica prejudicada a pretensão de redução da jornada fixada pelo Juízo de primeiro grau, formulada em caráter sucessivo. Quanto ao pleito de exclusão das horas extras intervalares, observo que não houve condenação neste sentido, portanto as rés carecem de interesse recursal no particular" (g.n).

No recurso de revista, o Reclamante sustenta que " O regional, ao adotar a tese de que a atividade exercida pelo reclamante, motorista carreteiro, era incompatível com a fixação de horário de trabalho, não deu a exata subsunção da descrição dos fatos narrados ao conceito contido no artigo 62, inciso I, da CLT. Consta, do acórdão regional, os seguintes dados fáticos: O caminhão utilizado pelo autor possuía tacógrafo e era monitorado, via satélite, por meio de gps e rastreamento via satélite; a existência de programação de viagens e horários de entrega. A reunião desses elementos fáticos é suficiente para demonstrar que vigorava uma condição indireta de controle da jornada de trabalho do autor, que possibilitava a apuração da existência de labor além do horário de trabalho ajustado, motivo pelo qual não se enquadra o reclamante na exceção do artigo 62, inciso I, da CLT ".

Argumenta que o fato de exercer atividades externas, por si só, não enseja o enquadramento no art. 62, I, da CLT. Defende que o labor externo com ou sem controle de jornada é irrelevante para se averiguar se o empregado tem direito às horas extras. Aduz que é necessário que haja incompatibilidade entre a natureza da atividade exercida pelo empregado e a fixação do seu horário de trabalho, o que não ocorre no caso dos autos, tendo em vista que a Reclamada, ao gerenciar as atividades prestadas, valia-se de diversos mecanismos, como, instalação nos caminhões de disco tacógrafo, GPS - Rastreador por satélite-, adoção de itinerário de viagem com previsão do horário de chegada para viabilizar o controle.

Aponta violação do art. 62, I, da CLT, bem como transcreve arestos para o confronto de teses.

Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de violação do art. 62, I, da CLT, suscitada no recurso de revista.

Pelo exposto, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista.

B) RECURSO DE REVISTA

I) CONHECIMENTO

Satisfeitos os pressupostos extrínsecos do recurso de revista, passo ao exame dos requisitos intrínsecos.

HORAS EXTRAS

O Tribunal Regional, quanto ao tema, assim decidiu:

"HORAS EXTRAS INDEVIDAS - APLICAÇÃO DO ART. 62, INCISO I, DA CLT - JORNADA DEFERIDA (ANÁLISE CONJUNTA)

Pretendem as reclamadas a reforma da sentença, para que se exclua da condenação o pagamento de horas extras e reflexos, ao argumento de que o reclamante, no exercício da função de motorista carreteiro, enquadrava-se na exceção do art. 62, inciso I, da CLT.

De acordo com as recorrentes, o reclamante trabalhava externamente e não havia possibilidade de controle de sua jornada, destacando que este detinha total liberdade de horários para realizar suas atividades.

Sustentam, ainda, que a utilização de tacógrafo, GPS e rastreamento via satélite não se prestam ao controle de jornada, pois a seu ver ‘ não são meios eficazes a comprovar o controle de jornada, posto que não revelam se o Autor encontrava-se descansando ou descarregando a carga do veículo, bem como se estava realmente trabalhando para a reclamada ou executando atividade de interesse particular’ (fl. 445).

Além disso, argumentam que ‘a existência de programação de viagens e horários de entrega não tem o condão de definir o controle ou a possibilidade de controle de jornada por parte da reclamada" , ressaltando que "a programação existe para organização do trabalho até porque a empresa tem que cumprir os prazos de entrega a seus clientes’ (fl. 445-verso).

Em caso de manutenção da condenação, requerem as reclamadas a reparação do julgado no que se refere à jornada deferida, ao argumento de que a prova testemunhal produzida nos autos não é suficiente para atestar, com precisão, os horários efetivamente cumpridos. Por fim, requerem a limitação da condenação de pagamento de horas extras intervalares ao respectivo adicional, sem reflexos.

Assim decidiu o Juízo de primeiro grau:

"O reclamante alega o trabalho em sobrejornada sem nunca ter recebido a contraprestação respectiva, razão pela qual postula o pagamento das horas extras excedentes da 8ª diária e 44ª semanal e reflexos.

A defesa refuta o pleito. Sustenta o enquadramento do autor no art. 62, inciso I, da CLT, sendo o reclamante motorista carreteiro, infenso ao controle de jornada.

Pelo cotejo da prova testemunhal extrai-se a possibilidade de controle da jornada de trabalho do autor.

O interrogatório das reclamadas (fls. 255-256) revela que embora não houvesse horário fixo para chegar ao destino, havia uma previsibilidade de horário, bem como havia rastreador no veículo dirigido pelo reclamante, possibilitando saber exatamente a real localização do caminhão a qualquer momento, vejamos:

‘3. que não havia horário fixado para chegar no destino, mas apenas uma previsibilidade. 4. que a reclamada tinha rastreador no veículo para atender a seguradora da carga. 5. que o rastreador possibilitava saber onde o caminhão estava cada momento’.

Também houve confissão das rés quanto ao elastecimento da jornada legal do autor, tendo em vista que o preposto em interrogatório afirmou que as viagens para o interior de São Paulo e Rio Grande do Sul duravam em média cerca de três dias e para o Rio de Janeiro, durava 4 dias, vejamos :

"10. Que quando viajava para o interior de São Paulo e Rio Grande do Sul o tempo de viagem do reclamante era de 3 dias, Rio de Janeiro 4 dias."

A testemunha convidada pelo autor, o Sr. Lourival Fernandes, também comprovou a existência de controle sob a jornada do reclamante (fls. 255-256), vejamos :

‘6. Que a reclamada entrava em contato com o depoente, mas não todo dia . 7. Que às vezes a empresa entrava em contato para o motorista apressar a viagem porque o cliente estava precisando da carga. 8. Que demandava três dias e meio para chegar na Bahia [...]10. Que quando a empresa pedia para entregar a carga rápido o depoente dirigia 'direto' [...]14. Que no início não havia relatório de viagem e posteriormente tinham que anotar o horário que saiam de Curitiba e o horário que chegavam no Rio de Janeiro ou na Bahia, ou seja, no cliente para fazer a carga e descarga . [...]18. Que no início do contrato a empresa fornecia telefone para os motoristas e após 1 ano de contrato o depoente utilizava o seu próprio telefone’.

Também a segunda testemunha indicada pelo autor, ouvida por Carta Precatória, o Sr. João Marciano da Luz, às fls. 409, comprovou a existência de controle sobre a jornada de trabalho do autor, vejamos:

‘O caminhão era dotado de rastreador, tacógrafo, rotograma que é um documento onde constava a rota, quantidade de quilômetros e horas necessárias para a viagem, bem como as vias de tráfego, também viajava com o telefone celular, dizendo o depoente que a reclamada tinha total controle da jornada de trabalho. [...] no rotograma não constava previsão de hora de chegada mas sim duração da viagem’ . (Grifei).

O tacógrafo, por si só, não constitui meio hábil para o controle da jornada, nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 332 da SBDI-1 do TST. Entretanto, conforme restou exaustivamente comprovado pela prova testemunhal, além do tacógrafo, as reclamadas possuíam rastreador no caminhão dirigido pelo reclamante, bem como controlavam o horário via celular, conheciam o tempo médio de duração das viagens, de acordo com o destino e o cliente, sendo que havia uma previsibilidade quanto ao horário de chegada do autor ao seu destino, o que afasta a hipótese prevista no inciso I do art. 62 da CLT .

Deste modo, tem-se que se as reclamadas não utilizavam controle escrito de jornada do autor, o faziam por mera liberalidade, não afastando eventuais direitos do obreiro .

Verifica-se, contudo, que as rés não trouxeram aos autos os cartões-ponto do reclamante, conforme a exigência legal contida no art. 74, § 2º, da CLT, atraindo o teor da Súmula 338, I, do TST.

Passa-se, portanto, à fixação da jornada do autor.

O reclamante alega na inicial (fls. 03) que partia sempre ao final da tarde, dirigindo por cerca de 16/20 horas seguidas, usufruindo de 40 minutos de intervalo intrajornada e que no retorno, com o tanque vazio, a viagem era mais rápida, gastando em média 12/16 horas. Afirma que fazia em média 10 viagens ao mês.

Sustenta, ainda, que saía de Curitiba normalmente às 17h00 e chegava ao destino às 8h00/10h00 do dia seguinte. O retorno ocorria dentre 4/6 horas após a chegada ao destino, por volta das 14/16h00.

Desta forma, cotejando a inicial e a prova testemunhal colhida, com a limitação daquela, fixa-se a jornada autor das 17h00 do dia da partida, de Curitiba, às 9h00 do dia seguinte, no local de destino, com 40 minutos de intervalo. E o horário de retorno iniciava-se às 15h00, com duração de 14 horas, chegando às 5h do dia seguinte, com igual intervalo de 40min.

Pela delimitação feita na inicial, de cerca de 10 viagens mensais, considerando-se ainda que cada viagem durava cerca de dois dias e meio, conclui-se que o autor usufruía de dois dias de repouso semanais, trabalhando de segunda à sexta-feira.

Destarte, deferem-se as horas extras excedentes à oitava diária e quadragésima quarta semanal, inacumuláveis, nos termos do art. 7º, incisos XIII e XVI, da CF/88 e art. 58 e ss. da CLT ."

Analiso.

A configuração do exercício de atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho surge da impossibilidade de o empregador fiscalizar a jornada, diante da natureza dos serviços prestados, nos termos do artigo 62, inciso I, da CLT: ‘ os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados’.

No presente caso, é incontroverso que o reclamante foi contratado para exercer a função de motorista, atividade desenvolvida externamente .

Portanto, a controvérsia reside em definir se havia, ou não, possibilidade de efetivo controle da jornada de trabalho realizada pelo trabalhador.

O contrato de trabalho celebrado entre as partes consigna, expressamente, que o reclamante foi contratado para exercer função externa (fl. 107).

Além disso, a cláusula quadragésima terceira da CCT 2008/2010 estabelece que ‘ as partes signatárias da presente reconhecem que aos motoristas em viagem aplica-se a regra do artigo 62, I, da CLT, em face das mesmas reconhecerem que a atividade é incompatível com o controle da jornada dos motoristas, ainda que os veículos tenham equipamentos eletrônicos ou mecânicos para controle de deslocamentos ou da velocidade, já que isto visa apenas a segurança dos motoristas, dos veículos e de terceiros’ (fl. 230).

Extrai-se da prova oral produzida pelas partes (fls. 239/270-verso e 424):

Depoimento pessoal do reclamante: "[...] 5. que o depoente viajava de Curitiba para a cidade de Madre de Deus na Bahia, Botucatu, Itapetininga, Salto e Agudos no interior de São Paulo, Araguai no interior do Rio Grande do Sul. 6. que o depoente saía de Curitiba no final da tarde e tinha que dirigir até chegar no cliente. [...]".

Depoimento pessoal do preposto das reclamadas: "1. que o reclamante não tinha que fazer o acompanhamento do carregamento e descarregamento da carga. 2. que não havia relatório de viagens a ser preenchido pelo motorista. 3. que não havia horário fixado para chegar no destino, mas apenas uma previsibilidade. 4. que a reclamada tinha rastreador no veículo para atender a seguradora da carga. 5. que o rastreador possibilitava saber onde o caminhão estava cada momento. 6. que o reclamante tinha que entregar o tacógrafo do veículo no retorno da viagem. 7. que a reclamada recebia o tacógrafo apenas para o atendimento da legislação sendo que sequer fazia a leitura desse documento. 8. que os motoristas são orientados para controlar a própria jornada, tendo 8 dias para ir e voltar, devendo dirigir 8 horas e parar para se alimentar e pernoitar. 9. que o pernoite era feito dentro do caminhão. 10. que quando viajava para o interior de São Paulo e Rio Grande do Sul o tempo de viagem do reclamante era de 3 dias, Rio de Janeiro 4 dias" (destaquei).

Testemunha Lourival Fernandes, ouvida a convite do reclamante: "1. que trabalhou para a 1ª reclamada como motorista carreteiro de março de 2006 a novembro de 2010. 2. que algumas vezes viajou para o mesmo destino do reclamante em outro caminhão. [...] 5. que às vezes saía de Curitiba ia para a Bahia, da Bahia ia para o Espírito Santo e carregava novamente para Curitiba. 6. que a reclamada entrava em contato via celular com o depoente, mas não todo dia . 7. que às vezes a empresa entrava em contato para o motorista apressar a viagem porque o cliente estava precisando da carga. 8. que demandava três dias e meio para chegar na Bahia, mas às vezes demorava 2 dias ou 2 dias e meio. 9. que se não havia pressa da carga, o depoente dirigia a hora que quisesse sem qualquer controle da empresa, sendo que "viajava normal". 10. que quando a empresa pedia para entregar a carga rápido o depoente dirigia "direto", sendo que parava para cochilar e não havia necessidade de avisar a empresa. 11. que dependendo do cliente tinha que auxiliar no descarregamento, colocando os mangotes e abrindo o tanque e a válvula. 12. que na Reduc no Rio de Janeiro sempre o motorista fazia o carregamento. [...] 14 . que no início não havia relatório de viagem e posteriormente tinham que anotar o horário que saiam de Curitiba e o horário que chegavam no Rio de Janeiro ou na Bahia, ou seja no cliente para fazer a carga e descarga . 15. que de Curitiba para Botucatu o depoente demorava 8/9 horas para viagem. 16. que o depoente também ia para Botucatu e Salto no interior de São Paulo. 17. que o depoente telefonava para a empresa quando eventualmente ocorria um acidente ou quando não ia chegar no tempo previsto . 18. que no inicio do contrato a empresa fornecia telefone para os motoristas e após 1 ano de contrato do depoente o depoente utilizava o seu próprio telefone. [...] 20. que na Bahia não fazia carregamento e descarregamento" (destaquei).

Testemunha João Marciano da Luz, ouvida a convite do reclamante na Carta Precatória nº 01101-2011-657-09-00-0: " trabalhou para a reclamada de 2006 a 2010 como motorista; fazia viagem para Rio de Janeiro/Curitiba, Bahia/Curitiba, Curitiba/interior de São Paulo, Uberaba-MG e Porto Alegre-RS; transportava emulsão de parafina, que era produzida em Curitiba, de onde o depoente partia por volta das 16/17:00, devendo chegar ao destino porque a fábrica poderia parar por falta de produto; as viagens demoravam 10/12 horas; o caminhão era dotado de rastreador, tacógrafo, rotograma que é um documento onde constava a rota, quantidade de quilômetros e horas necessárias para a viagem, bem como as vias de tráfego, também viajava com o telefone celular , dizendo o depoente que a reclamada tinha total controle da jornada de trabalho ; na refinaria do Rio de Janeiro o motorista fazia o carregamento, ou seja pesava o caminhão, adentrava à refinaria, encostava na baia, ligava a bomba à carreta e carregava, demorando 1,5 hora ou pouco mais; no rotograma não constava previsão de hora de chegada mas sim duração da viagem; ia para a Bahia com caminhão vazio em 2,5 dias e voltava carregado em 3 dias, tocando até 23:00 e depois acordava por volta das 5:00 para reiniciar a viagem; fez viagens em comboio com o autor" (destaquei).

A prova documental (fls. 19/30) e oral produzida nos autos evidencia que o caminhão conduzido pelo reclamante possuía tacógrafo, no entanto tal instrumento é utilizado para aferir a velocidade do veículo e não o tempo à disposição do empregador.

Neste sentido, a OJ 332 da SDI-1 do TST:

"OJ-SDI1-332 MOTORISTA. HORAS EXTRAS. ATIVIDADE EXTERNA. CONTROLE DE JORNADA POR TACÓGRAFO. RESOLUÇÃO Nº 816/1986 DO CONTRAN 

O tacógrafo, por si só, sem a existência de outros elementos, não serve para controlar a jornada de trabalho de empregado que exerce atividade externa."

O conjunto probatório existente nos autos revela, ainda, que o caminhão era rastreado, sendo possível sua localização a qualquer momento (depoimento pessoal do preposto, itens 4 e 5). Contudo, deve-se considerar que o objetivo do rastreamento é trazer mais segurança às mercadorias transportadas, ao caminhão e ao próprio motorista (sendo sua utilização, muitas vezes, uma imposição das seguradoras como condição para cobertura da frota e da carga).

Esse artifício das reclamadas, para manter o controle sobre a localização dos veículos e a entrega das mercadorias, encontra-se em conformidade com o poder diretivo inerente à atividade econômica voltada ao transporte rodoviário de cargas, mas não prova o controle efetivo da jornada do autor.

Anote-se que os equipamentos de uso obrigatório (tacógrafos) ou mesmo rastreadores, por si só, não são hábeis à fiscalização de jornada, haja vista que são voltados para o controle de velocidade e para a segurança do veículo e do motorista. O caminhão pode estar parado em horário de trabalho (ex. congestionamento por acidente de trânsito, carregamento/descarregamento) ou pode estar em movimento em horário de descanso (ex. uso do veículo para fim particular do motorista, na região em que se encontra).

Ademais, durante a instrução probatória, não houve prova de que a operacionalização do rastreamento pela empresa de monitoramento estivesse relacionada com o controle da jornada dos motoristas.

Quanto à existência do rotograma, informada pela testemunha João, tem-se que se trata de documento que contém informações sobre a rota, distância a ser percorrida e previsão de horas necessárias para completar a viagem, bem como vias de tráfego.

Entendo que o documento em questão, a exemplo do tacógrafo e do rastreamento por satélite, não fornece elementos suficientes para possibilitar o controle de jornada do motorista, na medida em que se destina, à toda evidência, à programação e organização da viagem, sem considerar elementos importantes para a duração desta, como paradas para descanso e alimentação, além de imprevistos inerentes a deslocamentos rodoviários, tais como engarrafamentos, pneus furados e acidentes de trânsito .

Outrossim, o contato da ex-empregadora com o reclamante, através de telefone celular, não se constitui como meio hábil ao controle de jornada, até mesmo porque a testemunha Lourival esclareceu que que as ligações não ocorriam diariamente .

Aliás, a testemunha em questão assegurou que, quando não havia pressa na entrega da carga, o motorista  "dirigia a hora que quisesse sem qualquer controle da empresa" (item 9 do testemunho de Lourival), o que reforça a conclusão de que o reclamante detinha liberdade para laborar nos horários e da forma que melhor lhe aprouvessem.

Por fim, observo que, em que pese o entendimento do Juízo de primeiro grau em sentido contrário, não houve confissão de labor extraordinário pelas reclamadas, na medida em que o preposto destas informou que "quando viajava para o interior de São Paulo e Rio Grande do Sul o tempo de viagem do reclamante era de 3 dias, Rio de Janeiro 4 dias" (item 10 do depoimento), o que não significa que o autor laborasse três ou quatro dias de forma contínua.

De fato, as duas testemunhas ouvidas asseguraram que faziam paradas para descanso, além do que não seria crível que dirigissem por três ou quatro dias a fio.

Ante o exposto, considerando que os elementos probatórios constantes dos autos autorizam concluir que não havia possibilidade de fiscalização da jornada cumprida pelo reclamante, impõe-se reconhecer que este exercia função externa, incompatível com a fixação de horário, na forma do art. 62, inciso I, da CLT.

Reformo a sentença  para reconhecer o enquadramento do reclamante na exceção do artigo 62, I, da CLT e, por conseguinte, excluir da condenação o pagamento de horas extras e reflexos.

Consequentemente, fica prejudicada a pretensão de redução da jornada fixada pelo Juízo de primeiro grau, formulada em caráter sucessivo. Quanto ao pleito de exclusão das horas extras intervalares, observo que não houve condenação neste sentido, portanto as rés carecem de interesse recursal no particular" (g.n).

Em sede de julgamento de embargos de declaração, o TRT pontuou:

"CONTROLE DE JORNADA - ÔNUS DA PROVA

O embargante aponta a existência de omissão no julgado, ao argumento de que embora a questão do labor em sobrejornada tenha sido dirimida sob o prisma do ônus da prova, o Colegiado "limitou-se a tratar do mérito do controle de jornada do motorista de caminhão, sem analisar a questão sob a ótica do ônus probatório de cada parte" (fl. 474-verso).

Mero inconformismo.

A configuração do exercício de atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, nos termos do artigo 62, inciso I, da CLT, surge da impossibilidade de o empregador fiscalizar a jornada, diante da natureza dos serviços prestados.

A exceção não decorre da mera ausência de fiscalização por parte do empregador, mas sim da efetiva impossibilidade de controle do horário praticado.

Tratando-se de fato impeditivo do direito às horas extras, o ônus da prova incumbe ao empregador, nos termos dos artigos 818 da CLT e 333, II do CPC.

No caso, os elementos probatórios constantes dos autos autorizam concluir que não havia possibilidade de fiscalização da jornada cumprida pelo reclamante, enquadrando-se este na exceção do art. 62, inciso I, da CLT (fl. 470-verso).

Conforme consta da decisão embargada, o reclamante foi contratado para exercer função externa e os instrumentos normativos existentes nos autos estabelecem que aos motoristas em viagem aplica-se o disposto no referido dispositivo legal. Além disso, concluiu-se que o tacógrafo existente no veículo é utilizado para aferir a velocidade deste, e não o tempo à disposição do empregador, consoante orienta a OJ nº 332 da SDI-1 do C. TST.

Quanto ao rastreamento por satélite, concluiu esta Sétima Turma que o objetivo do sistema é proporcionar a segurança do veículo, das mercadorias transportadas e do próprio reclamante, não se destinando ao controle de jornada. No que se refere ao rotograma, consta do julgado que se trata de documento que contém informações sobre a rota, distância a ser percorrida, vias de tráfego e estimativa de duração da viagem, destinando-se à programação e organização desta, e não ao controle de jornada.

Assim, tem-se que as reclamadas desvencilharam-se a contento do ônus probatório que lhes incumbia, considerando que restou comprovada a efetiva impossibilidade de controle dos horários praticados pelo reclamante. 

Cumpre esclarecer ao embargante que, embora não tenha constado expressamente do julgado a quem incumbia o ônus probatório, foi adotada tese explícita a respeito da matéria suscitada nos embargos declaratórios, o que é suficiente para fins de prequestionamento, conforme orientação contida na Súmula 297, do C. TST

Destarte, não há omissão no acórdão que justifique novo pronunciamento deste Colegiado nos presentes embargos declaratórios. Ressalte-se que eventual inconformismo com o teor da decisão não encontra amparo recursal na via estreita dos embargos de declaração, consoante dispõem os artigos 897-A, da CLT, e 535 do CPC.

Rejeito".

No recurso de revista, o Reclamante sustenta que " O regional, ao adotar a tese de que a atividade exercida pelo reclamante, motorista carreteiro, era incompatível com a fixação de horário de trabalho, não deu a exata subsunção da descrição dos fatos narrados ao conceito contido no artigo 62, inciso I, da CLT. Consta, do acórdão regional, os seguintes dados fáticos: O caminhão utilizado pelo autor possuía tacógrafo e era monitorado, via satélite, por meio de gps e rastreamento via satélite; a existência de programação de viagens e horários de entrega. A reunião desses elementos fáticos é suficiente para demonstrar que vigorava uma condição indireta de controle da jornada de trabalho do autor, que possibilitava a apuração da existência de labor além do horário de trabalho ajustado, motivo pelo qual não se enquadra o reclamante na exceção do artigo 62, inciso I, da CLT ".

Argumenta que o fato de exercer atividades externas, por si só, não enseja o enquadramento no art. 62, I, da CLT. Defende que o labor externo com ou sem controle de jornada é irrelevante para se averiguar se o empregado tem direito às horas extras. Aduz que é necessário que haja incompatibilidade entre a natureza da atividade exercida pelo empregado e a fixação do seu horário de trabalho, o que não ocorre no caso dos autos, tendo em vista que a Reclamada, ao gerenciar as atividades prestadas, valia-se de diversos mecanismos, como, instalação nos caminhões de disco tacógrafo, GPS - Rastreador por satélite-, adoção de itinerário de viagem com previsão do horário de chegada para viabilizar o controle.

Aponta violação do art. 62, I, da CLT, bem como transcreve arestos para o confronto de teses.

A revista merece conhecimento.

Ao analisar a matéria, o TRT concluiu que não havia possibilidade de fiscalização da jornada cumprida pelo Reclamante, aplicando ao caso o art. 62, inciso I, da CLT.

Incialmente, cumpre salientar que o simples fato de o trabalhador exercer atividade externa não é incompatível com a fiscalização e o controle da sua jornada de trabalho pelo empregador.

A averiguação do correto enquadramento do trabalhador na excludente legal de controle de jornada (art. 62, I, da CLT) se dá em cada caso, em respeito ao princípio da primazia da realidade, segundo o qual se deve analisar a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes ou ao previsto em instrumento escrito que, porventura, não correspondam à realidade.

In casu , diferentemente do concluído pelo TRT, é forçoso concluir que restaram demonstrados elementos probatórios que autorizam entender que a Reclamada tinha meios para fiscalizar a jornada desempenhada pelo Reclamante. Isso porque, conforme se depreende da transcrição da sentença feita no acórdão recorrido pelo TRT, extrai-se as seguintes premissas:

1. Pela análise da prova testemunhal, verifica-se a possibilidade de se realizar o controle da jornada de trabalho do Reclamante;

2. O interrogatório das Reclamadas revela que, apesar de não existir horário fixo para chegar ao destino, havia uma previsibilidade de horário, bem como tinha rastreador no veículo dirigido pelo Reclamante, o que possibilita averiguar exatamente a real localização do caminhão a qualquer momento;

3. Também houve confissão das Reclamadas quanto ao elastecimento da jornada legal do Reclamante, pois o preposto, em interrogatório, disse que as viagens para o interior de São Paulo e Rio Grande do Sul duravam em média cerca de três dias e para o Rio de Janeiro, durava 4 dias;

4. A testemunha, Sr. Lourival Fernandes, comprovou a existência de controle sob a jornada do Reclamante, tendo afirmado que: " 6. Que a reclamada entrava em contato com o depoente, mas não todo dia. 7. Que às vezes a empresa entrava em contato para o motorista apressar a viagem porque o cliente estava precisando da carga (...)10. Que quando a empresa pedia para entregar a carga rápido o depoente dirigia 'direto' [...]14. Que no início não havia relatório de viagem e posteriormente tinham que anotar o horário que saiam de Curitiba e o horário que chegavam no Rio de Janeiro ou na Bahia, ou seja, no cliente para fazer a carga e descarga. [...]18. Que no início do contrato a empresa fornecia telefone para os motoristas e após 1 ano de contrato o depoente utilizava o seu próprio telefone ".

5 . A testemunha, Sr. João Marciano da Luz, também comprovou a existência de controle sobre a jornada de trabalho do Reclamante, ao afirmar que: " O caminhão era dotado de rastreador, tacógrafo, rotograma que é um documento onde constava a rota, quantidade de quilômetros e horas necessárias para a viagem, bem como as vias de tráfego, também viajava com o telefone celular, dizendo o depoente que a reclamada tinha total controle da jornada de trabalho. [...] no rotograma não constava previsão de hora de chegada mas sim duração da viagem ".

6 . Fixadas tais premissas, concluiu o Juízo a quo que: "(...) restou exaustivamente comprovado pela prova testemunhal, além do tacógrafo, as reclamadas possuíam rastreador no caminhão dirigido pelo reclamante, bem como controlavam o horário via celular, conheciam o tempo médio de duração das viagens, de acordo com o destino e o cliente, sendo que havia uma previsibilidade quanto ao horário de chegada do autor ao seu destino, o que afasta a hipótese prevista no inciso I do art. 62 da CLT. Deste modo, tem-se que se as reclamadas não utilizavam controle escrito de jornada do autor, o faziam por mera liberalidade, não afastando eventuais direitos do obreiro ".

7. Analisando os elementos probatórios dos autos, o juízo a quo fixou a jornada do Reclamante "(...) das 17h00 do dia da partida, de Curitiba, às 9h00 do dia seguinte, no local de destino, com 40 minutos de intervalo. E o horário de retorno iniciava-se às 15h00, com duração de 14 horas, chegando às 5h do dia seguinte, com igual intervalo de 40min (...) Destarte, deferem-se as horas extras excedentes à oitava diária e quadragésima quarta semanal, inacumuláveis, nos termos do art. 7º, incisos XIII e XVI, da CF/88 e art. 58 e ss. da CLT".

Observa-se, pois, que, na sentença, a Reclamada foi condenada ao pagamento de horas extras, tendo em vista a demonstração da possibilidade de se realizar o controle de horários do Reclamante.

Registre-se que, em que pese a fundamentação do TRT, o fato é que, na transcrição da sentença, evidencia-se que a Reclamada se equipava de meios tecnológicos hábeis a rastrear o Reclamante na execução de suas funções de motorista, sobretudo a sua real localização, tinha previsibilidade quanto ao horário de chegada do Reclamante ao seu destino, bem como controlava o horário via celular e tinha conhecimento da distância percorrida, informações sobre a rota e do tempo médio de duração das viagens, de acordo com o destino e o cliente.

Assim, embora o Reclamante trabalhasse externamente, a sua jornada de trabalho não era incontrolável, tendo em vista que a Reclamada tinha meios para efetuar o controle.

Ademais, saliente-se que, havendo elementos no acórdão recorrido que sustentam a possibilidade de controle da jornada de trabalho do Reclamante, forçoso concluir pela invalidade de cláusula coletiva que reconhece o trabalho externo, bem como que a atividade é incompatível com o controle da jornada dos motoristas.

Nesse sentido, cito precedente desta Corte:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. NORMA COLETIVA QUE ENQUADRA EMPREGADOS NO ART. 62, I, DA CLT. PRESUNÇÃO APENAS RELATIVA. INVALIDADE DA NORMA COLETIVA. DECISÃO DENEGATÓRIA DE SEGUIMENTO DO RECURSO DE REVISTA. MANUTENÇÃO. Amplas são as possibilidades de validade e eficácia jurídicas das normas autônomas coletivas em face das normas heterônomas imperativas, à luz do princípio da adequação setorial negociada. Entretanto, essas possibilidades não são plenas e irrefreáveis, havendo limites objetivos à criatividade jurídica da negociação coletiva trabalhista. Desse modo, ela não prevalece se concretizada mediante ato estrito de renúncia ou se concernente a direitos revestidos de indisponibilidade absoluta (e não indisponibilidade relativa), os quais não podem ser transacionados nem mesmo por negociação sindical coletiva. Nesse contexto, não poderia a norma coletiva restringir os efeitos de um direito assegurado constitucionalmente aos empregados, mormente quando se sabe que as jornadas de trabalho superiores a oito horas, sem nenhuma outra contraprestação, são, obviamente, mais desgastantes para o trabalhador, sob o ponto de vista biológico, familiar e até mesmo social, por supor o máximo de dedicação de suas forças físicas e mentais. In casu, tendo o Tribunal Regional consignado que a convenção coletiva estabelecia presunção jurídica genérica de impossibilidade de controle de jornada para todos os empregados da categoria, sem distinção, que laborassem externamente- sendo que, na presente hipótese, apesar do previsto na norma coletiva, comprovou-se que havia total possibilidade de controle de jornada -, forçoso concluir pela nulidade de tal cláusula (ante a constatação de engenhoso artifício genérico previsto na mencionada norma coletiva), sendo devidas como horas extras, portanto, aquelas comprovadamente excedentes à 8ª diária. Assim, não há como assegurar o processamento do recurso de revista, uma vez que o agravo de instrumento interposto não desconstitui os termos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido". (TST- AIRR - 136800-55.2008.5.05.0013, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, DEJT de 15.3.2013)

Consideradas as premissas fáticas expostas pelo TRT, forçoso concluir que não incide na hipótese o art. 62, I, da CLT.

Diante do exposto, CONHEÇO do recurso de revista por violação do art. art. 62, I, da CLT.

II) MÉRITO

HORAS EXTRAS

Conhecido o recurso de revista por violação do art. art. 62, I, da CLT, a consequência lógica é o seu provimento.

Por todo o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de revista para restabelecer a sentença que condenou a Reclamada ao pagamento de horas extras.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – dar provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista; II – conhecer do recurso de revista por violação do art. art. 62, I, da CLT; III - no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer a sentença que condenou a Reclamada ao pagamento de horas extras.

Brasília, 02 de outubro de 2013.

Firmado por assinatura digital (Lei nº 11.419/2006)

Mauricio Godinho Delgado

Ministro Relator