A C Ó R D Ã O

Tribunal Pleno

GPACV/mcfb/sp

PROPOSTA DE AFETAÇÃO EM INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. CONTRATO DE FACÇÃO. CONTROLE DE QUALIDADE NA PRODUÇÃO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA N.º 331, IV, DO TST. Diante da multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a relevância da matéria e ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas do TST, torna-se necessária a afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: O contrato mercantil na modalidade por facção enseja responsabilidade pelo contratante nos moldes do item IV da Súmula n.º 331 do TST? Incidente de recursos repetitivos admitido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST- RR - 0020732-51.2022.5.04.0371 , em que é RECORRENTE ZZSAP INDÚSTRIA E COMERCIO DE CALCADOS LTDA e são RECORRIDOS MARLI SALETE DOS SANTOS , LAUXEN BENEFICIAMENTO, INDUSTRIA E COMERCIO DE CALCADOS EIRELI e NEW MODELAGEM LTDA .

Trata-se de proposta de afetação de recurso, apresentada pela Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, em face de tema ainda não pacificado, nos termos do art. 896-C da CLT.

É o relatório.

V O T O

AFETAÇÃO DO RECURSO DE REVISTA AO REGIME DE RECURSOS REPETITIVOS – CASO EM EXAME

A matéria discutida no recurso de revista diz respeito ao cabimento da responsabilidade subsidiária nos contratos de facção, negócio jurídico de natureza mercantil, que tem por finalidade o fornecimento de produtos prontos para comercialização.

Para a configuração da referida modalidade de contratação, não é possível que haja interferência direta do adquirente na produção, bem como a exclusividade na contratação.

Remanesce jurisprudência divergente entre as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho quanto ao tema, razão pela qual se faz necessário definir se é possível a responsabilidade subsidiária, por parte da contratante, sobre os débitos trabalhistas da empregadora.

Assim delineada a controvérsia, passo à análise dos requisitos para afetação do presente caso ao regime de incidente de recursos de revista repetitivos, o que faço com fundamento no art. 41, XXXVIII, do RITST.

MULTIPLICIDADE DE RECURSOS DE REVISTA FUNDADOS EM IDÊNTICA QUESTÃO DE DIREITO

Os requisitos legais para a instauração do incidente de recursos repetitivos estão previstos no art. 896-C, caput , da CLT, segundo o qual “ Quando houver multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito , a questão poderá ser afetada à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples de seus membros, mediante requerimento de um dos Ministros que compõem a Seção Especializada, considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros dessa Seção ou das Turmas do Tribunal . ” (destaquei).

Com vistas a demonstrar o requisito da multiplicidade , veja-se que simples consulta ao acervo jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho a partir das expressões “ responsabilidade”, “facção” e “súmula 331 " revelou, para os últimos 12 meses, 929 acórdãos e 2000 decisões monocráticas sobre a questão jurídica em exame no presente recurso de revista.

RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTOS ENTRE AS TURMAS

O tema de fundo diz respeito à aplicabilidade da responsabilidade subsidiária ao contrato de facção, matéria bastante conhecida e reiteradamente levada à apreciação desta Corte Superior.

Há entendimentos divergentes entre as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho. Se verificam 7 Turmas decidindo pela inaplicabilidade da responsabilidade subsidiária às empresas que adquirem produtos por meio de contrato típico de facção, pois este contrato tem natureza essencialmente comercial. Nesse sentido:

"(...) RECURSOS DE REVISTA INTERPOSTOS PELAS RÉS CALÇADOS BOTTERO, BEIRA RIO S.A. E ZZSAP INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE CALÇADOS LTDA. CONTRATO DE FACÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE CONTROLE, INGERÊNCIA NO PROCESSO PRODUTIVO OU EXCLUSIVIDADE. AFASTAMENTO DA RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. Recursos de revista interpostos em face de acórdão prolatado pelo TRT da 4ª Região por meio do qual negou provimento aos recursos ordinários das oras agravantes e manteve suas responsabilidades subsidiárias pelos créditos devidos ao autor. 2. A controvérsia cinge-se acerca da possibilidade de se reconhecer a responsabilidade subsidiária em contratos de facção. 3. A jurisprudência desta Corte Superior se firmou no sentido de ser inaplicável a aplicação do item IV da Súmula n.º 331 do TST às empresas que adquirem produtos por meio de contrato típico de facção, no qual a empresa contratada se compromete a fornecer para a empresa contratante, sem a efetiva ingerência de uma empresa sobre a outra, produtos por elas fabricados para a posterior revenda, com ou sem exclusividade. 4. O desvirtuamento do contrato de facção existe quando, em lugar de uma aquisição de parte da produção da empresa parceira, o que existe é a simples locação de suas instalações e corpo laboral, com exclusividade e com a atribuição direta da direção dos trabalhos pelo contratante, algo que não foi demonstrado no caso dos autos. 5. Na hipótese, a Corte de origem concluiu pela descaracterização do contrato de facção por entender que “sabe-se ser uma prática usual na indústria calçadista que as empresas fabricantes não mais produzam os seus produtos, já que repassam diversas etapas do processo fabril a outras empresas, que ficam responsáveis pela fabricação dos ‘produtos prontos’ ou "produtos industrializados". No entanto, considerando que a propriedade do produto final recai sobre a tomadora desses serviços, não há como afastar sua responsabilidade por todas as etapas que envolvem a fabricação dos calçados, desimportando se parte desse processo foi repassado a outras empresas por força da relação comercial mantida entre elas. De fato, essa sistemática evidencia verdadeira terceirização, pois as empresas de calçados deixaram de produzir seus produtos, repassando a outras essa função”. Concluiu, num tal contexto, que “verifico, pois, que a segunda, quarta e sexta reclamadas se beneficiaram da mão de obra da autora, não havendo como ser reconhecida, como pretendem as recorrentes, a existência de mera contratação comercial entre as empresas, pois, além do objeto social estar relacionado à comercialização de calçados, ficou suficientemente evidenciado que havia ingerência das recorrentes na produção dos produtos fabricados pela primeira demandada. Na realidade, emerge da prova constante no feito que as recorrentes transferiram a etapa produtiva dos calçados que comercializavam, em notória terceirização da atividade fim”. 6. Contudo, o simples fornecimento de produtos integrantes da cadeia produtiva de determinada empresa não é suficiente para, por si só, desvirtuar o contrato de facção. Não há qualquer registro no acórdão regional no sentido de que havia controle ou ingerência das recorrentes na rotina de trabalho, bem como acerca da exclusividade na produção dos produtos das recorrentes. 7. Acrescenta-se, ademais, que a orientação e o controle de qualidade efetivado pelas empresas que realizam as encomendas são inerentes ao contrato de facção e não evidenciam ingerência no cotidiano da empresa contratada, mas sim a orientação a respeito das conformidades do produto encomendado. 8. Dessa forma, os elementos de convicção invocados no acórdão recorrido são insuficientes para desnaturar ou descaracterizar o contrato de facção, o qual não se confunde com terceirização e não gera responsabilidade subsidiária dos tomadores de serviço, o que é compreensível, na medida em que não há exclusividade no contrato de facção, pois o contratado atua com autonomia no ramo daquela atividade específica, oferecendo seus serviços no mercado em geral, ainda que não para o consumidor direto. Recursos de revista conhecidos e providos" (RR-824-06.2014.5.04.0721 , 1ª Turma , Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 29/11/2024).

“(...). TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS - EMPRESA PRIVADA - CONTRATO DE FACÇÃO NÃO DESVIRTUADO - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Conforme é consabido, o tomador de serviços atua na contratação de empresa interposta para que os empregados desta última trabalhem em seu favor. Nesta dinâmica, a empresa tomadora se beneficia diretamente do trabalho executado pelo empregado da prestadora de serviços. Por outro lado, no contrato de facção é celebrada uma relação comercial entre as pactuantes, cujo objeto é o fornecimento de um produto, de modo que o trabalho executado pelo empregado da empresa contratada não beneficia diretamente a empresa contratante, mas sim sua real empregadora, o que afasta, por consequência lógica, a aplicabilidade dos termos da Súmula/TST nº 331. Nesse contexto, a jurisprudência desta Corte Superior tem se consolidado no sentido de que não pode ser imputada à empresa adquirente do produto a condição de tomadora de serviços, de modo a responsabilizá-la subsidiariamente pelo adimplemento das obrigações trabalhistas, nos casos em que foi firmado contrato de fornecimento de produtos/mercadorias, e quando não restar configurada a ingerência administrativa e a exclusividade na contratação. Segundo as premissas fáticas delineadas pelo TRT de origem, as partes pactuaram contrato de facção, não tendo restado configurada a ingerência administrativa, ou mesmo a exclusividade na contratação, de modo que não há elementos que indiquem que o contrato de facção foi desvirtuado. Agravo interno a que se nega provimento " (Ag-AIRR-1000073-45.2020.5.02.0204, 2ª Turma , Relatora Ministra Liana Chaib, DEJT 26/04/2024).

"(...) II – RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA SUNSET CLIFF CONFECÇÃO DE ARTIGOS DE COUROS LTDA. INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 – CONTRATO MERCANTIL DE FORNECIMENTO DE PRODUTOS – CONTRATO DE FACÇÃO – NATUREZA COMERCIAL – RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO CONFIGURADA – TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Diante das premissas fáticas consignadas no acórdão regional, percebe-se que as Reclamadas firmaram contrato mercantil de fornecimento de produtos, e não de terceirização de serviços. A jurisprudência desta Corte é no sentido de que, em se tratando de contratação de natureza comercial, como na hipótese dos autos, a empresa contratante não pode ser responsabilizada solidária ou subsidiariamente pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada, sendo inaplicável o item IV da Súmula nº 331 do TST. Julgados. Recurso de Revista conhecido e provido" (RR-10378-64.2019.5.15.0015, 4ª Turma , Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 04/10/2024).

"AGRAVO DA RECLAMANTE. RECURSOS DE REVISTA DAS RECLAMADAS. REGIDOS PELA LEI 13.467/2017. 1. CONTRATO DE FACÇÃO. CONFIGURAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA. O entendimento dominante nesta Corte Superior é de que, na hipótese de típico contrato de facção, ou seja, sem ocorrência de desvio de finalidade ou fraude, não há que se falar em responsabilidade subsidiária da empresa contratante pelos créditos trabalhistas dos empregados da contratada, sendo inaplicável o disposto na Súmula 331 do TST. No caso presente, o Tribunal Regional condenou subsidiariamente a 3ª Reclamada ("BISCHOFF CREATIVE GROUP EIRELI") ao pagamento das verbas deferidas à Reclamante, por concluir que houve terceirização de mão de obra. Ocorre que, não obstante a prova oral de que a 3ª Reclamada também comprava os calçados da 1ª Reclamada, inexiste no acórdão regional qualquer registro acerca de exclusividade nessa relação contratual ou mesmo ingerência no contrato de trabalho da obreira. Na verdade, a possível exclusividade registrada pela Corte Regional diz respeito apenas à relação entre a 1ª e a 2ª Reclamada ("H. KUNTZLER & CIA. LTDA"): " na relação de notas fiscais emitidas pela primeira reclamada, observo que, no período de vigência do contrato de trabalho da reclamante, o nome da segunda reclamada, H. Kuntzler Indústria de Calçados Ltda, consta na totalidade dos lançamentos, exceto no dia 25/01/2021 (...) ". Vale destacar que foi afastada a responsabilidade apenas da 3ª Reclamada, única Reclamada a recorrer que dessa matéria, restando, assim, inalterado o acórdão regional quanto à condenação subsidiária da 2ª Reclamada. Dessa forma, ausente no acórdão de origem registro acerca de eventual exclusividade ou ingerência, não há como reconhecer a responsabilidade subsidiária da 3ª Reclamada. Não afastados os fundamentos da decisão agravada, nenhum reparo ela merece. Agravo não provido. (...)" (Ag-RR-20262-70.2021.5.04.0301, 5ª Turma , Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 26/08/2024).

"RECURSOS DE REVISTA INTERPOSTOS PELAS RECLAMADAS. NATUREZA JURÍDICA DOS CONTRATOS CELEBRADOS ENTRE AS RECLAMADAS. CONTRATO DE FACÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. MATÉRIA COMUM. EXAME CONJUNTO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1 – A reclamante postulou a responsabilidade subsidiária e consectários em face das empresas ZZSP INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE CALÇADOS LTDA. e CALÇADOS BOTTERO LTDA. 2 - Cinge-se a controvérsia no correto enquadramento da relação jurídica estabelecida entre as reclamadas e a empregadora da reclamante, se de natureza mercantil ou de prestação de serviços, para fins de atribuição da responsabilidade subsidiária ou não. 3 - A jurisprudência desta Corte uniformizadora está orientada no sentido de que, para afastar a incidência da Súmula nº 331, IV, do TST, e, consequentemente considerar outra modalidade de pacto jurídico, a exemplo do contrato de facção, que tem natureza mercantil, consistente na venda de produtos, o acórdão regional deve consignar concomitantemente ao menos duas premissas fáticas: a ausência de exclusividade e de ingerência no sistema de produção da contratada. 4 – No caso dos autos, ocorreu típico contrato de facção, porque ausente no acórdão regional registro acerca de exclusividade e ingerência nas atividades das empresas contratadas, o que afasta a condenação a título de responsabilidade subsidiária. Julgados. Recursos de revista conhecidos e providos" (RR-887-31.2014.5.04.0721, 6ª Turma , Relator Ministro Antonio Fabricio de Matos Goncalves, DEJT 08/11/2024).

"(...) II - RECURSOS DE REVISTA INTERPOSTOS NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RECLAMADAS. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE PRODUTOS ACABADOS/ FACÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA/ SUBSIDIÁRIA. 1 - Controverte-se acerca de eventual responsabilidade das recorrentes em relação aos créditos devidos pela primeira reclamada ao reclamante. 2 - No caso concreto, depreende-se do acórdão do Regional que as recorrentes mantiveram relação comercial com a primeira reclamada, empregadora direta do reclamante, para compra de sapatos produzidos e acabados. Nada obstante, o TRT manteve a sentença que atribuiu responsabilidade solidária às recorrentes sob os fundamentos de que "A compra de calçados por parte das reclamadas (nota fiscal de saída da primeira reclamada com CFOP 5.101 e 6.101) era essencial para concretização da atividade-fim de comercialização de calçados, que consta nos contratos sociais e suas alterações anexados ao processo", caracterizando terceirização da prestação de serviços. 3 - Sucede que, no que se refere ao objeto social das recorrentes descritos no acórdão, percebe-se que suas atividades, à exceção da reclamada ZZSAP, consistem no exercício do comércio , e não na produção ou fabricação de sapatos. 4 - O exercício do comércio não tem como atividade-fim a fabricação dos produtos que mercantiliza, pois não se trata de indústria. Por certo que o exercício do comércio demanda que o comerciante disponha de produtos/ estoque para negócios, adquirindo-os de fornecedores/ distribuidores ou diretamente de seus fabricantes. Tal circunstância não se confunde com sua atividade essencial de troca mercantil com o consumidor final. Por essa constatação, não se sustenta o entendimento de que a produção dos bens se insira na atividade-fim dos agentes de comércio, sob pena de atribuir-lhes a responsabilidade de administrar toda a cadeia industrial do produto, adquirido pronto e acabado, que comercializa. Não há, nesse contexto, terceirização de serviços, pois o comerciante não demanda, senão muito remotamente, o serviço do industriário, mas apenas o produto manufaturado para suprir estoque e demanda. 5 - Ademais, vale consignar que o contrato de facção consiste em avença de natureza comercial em que a contratante compra parte da produção da contratada para posterior comercialização externa, seja do produto na forma adquirida, seja de produto diverso em que a peça objeto da facção passou a integrar, situação que se identifica com aquela vista no caso concreto. A jurisprudência do TST se firmou no sentido de que, não havendo fraude na sua execução, caracterizada precipuamente pela ingerência direta da empresa contratante sobre a contratada e existência de exclusividade, o contrato de facção não representa terceirização de serviços e não gera responsabilidade patrimonial à contratante por eventuais parcelas trabalhistas não adimplidas pela contratada. 6 - No caso, é incontroverso que não há exclusividade no fornecimento dos produtos pela a primeira reclamada, sendo suficiente observar que a presente reclamação trabalhista foi proposta contra 30 reclamadas que, simultaneamente, compraram os calçados industrializados. No mesmo passo, não se observa o registro pelo TRT de que qualquer das recorrentes tenha atuado com ingerência nas atividades da primeira reclamada. A falta de ingerência, no caso concerto, é até mesmo presumível, na medida em que seria inviável para primeira reclamada, sob o ponto de vista operacional, entregar a produção demandada se estivesse sujeita à interferência de cada um dos seus vários compradores sobre a forma de exercício de sua atividade. 7 - Por tais razões, o TRT, ao atribuir responsabilidade às recorrentes pelos créditos devidos pela primeira reclamada ao reclamante, mal aplicou a diretriz a Súmula nº 331, IV, do TST. 8 - Recursos de revista de que se conhece e a que se dá provimento. Prejudicado o exame dos demais temas" (RR-20204-58.2015.5.04.0372, 6ª Turma , Relatora Ministra Katia Magalhaes Arruda, DEJT 14/10/2022).

"RECURSO DE REVISTA. CONTRATO DE FACÇÃO. AUSÊNCIA DE INGERÊNCIA OU EXCLUSIVIDADE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 331 DO TST. O contrato de facção é um contrato civil, de natureza híbrida, sem exclusividade ou influência na administração da prestação de serviços. Configura-se quando ocorre o fornecimento de produtos acabados, sem ingerência por parte da empresa contratante, uma vez que se tratam de empresas dotadas de autonomia econômica e administrativa. Em outras palavras, no contrato de facção, há a subcontratação de mão de obra em meio à cadeia produtiva a propósito da qual se posiciona a Súmula 331 do TST, mas a atividade da empresa de facção não se realiza com exclusividade para uma só tomadora de serviços e inexiste ingerência na empresa de facção por parte da empresa contratante, o que bastaria para inviabilizar a sua responsabilização. Desse modo, o contrato para o fornecimento de bens para a produção têxtil não se confunde com intermediação de mão de obra, tampouco com terceirização de serviços, impedindo a incidência da hipótese do item IV da Súmula 331 do TST. No caso, o Regional determinou a responsabilidade subsidiária da empresa contratante , apesar de não estar evidenciada a ingerência desta na empresa contratada nem a inexistência de exclusividade na prestação de serviços. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-141-82.2012.5.12.0052 , 6ª Turma , Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 18/06/2021).

"(...) RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. CONTRATO DE FACÇÃO. NATUREZA COMERCIAL. AUSÊNCIA DE REAL INGERÊNCIA E DE EXCLUSIVIDADE. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE REGISTRO DE SUBORDINAÇÃO NO ACÓRDÃO REGIONAL. SÚMULA 331, IV, DO TST. MÁ APLICAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. RECONHECIMENTO. I. Esta Corte Superior firmou posição no sentido de que o contrato de facção não gera responsabilidade subsidiária, exceto quando evidenciada a existência de efetiva ingerência da empresa contratante na organização do trabalho da empresa contratada e a exclusividade na prestação de serviços. II. No caso vertente, não houve real ingerência da contratante na empresa contratada, tampouco exclusividade na prestação dos serviços. III . Nesse aspecto, o acórdão regional, tal como prolatado, está em desacordo com o entendimento jurisprudencial desta Corte quanto à inaplicabilidade da Súmula nº 331, IV, do TST nas hipóteses de contrato de facção. IV. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-21363-09.2016.5.04.0305, 7ª Turma , Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 06/12/2024).

“(...)III – RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. CONTRATO DE FACÇÃO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. 1. O contrato de facção, comum nos setores têxtil e calçadista, caracteriza-se pelo desmembramento das atividades empresariais necessárias à obtenção do produto final. As etapas produtiva e comercial passam a ser realizadas não apenas no âmbito da empresa contratante, mas, também, no da entidade contratada, com a utilização de recursos materiais e humanos exclusivos desta. Por esse motivo, entende-se que essa modalidade de contrato possui um caráter híbrido, dotado de elementos que o afastam da terceirização trabalhista típica. 2. Não é possível que esse tipo de ajuste enseje a responsabilidade subsidiária da empresa contratante, justamente porque a contratada possui autonomia técnica, financeira e gerencial em sua produção, inexistindo transferência de poder diretivo a terceiros. 3. No caso concreto, extrai-se do v. acórdão regional que a reclamada Calçados Bottero Ltda., ora recorrente, contratou a empregadora do reclamante (J.M. Calçados) para a industrialização de produtos por encomenda. Segundo o col. Tribunal Regional, como a relação havida entre as empresas exigiu também a utilização de mão de obra para a montagem e confecção de partes de produtos vendidos pela reclamada Calçados Bottero, ficou evidenciada a terceirização de atividade-fim, de forma a atrair a aplicação da Súmula 331, IV, desta Corte. Explicitou, ainda, que “ A relação mantida entre a empregadora do reclamante como industrializadora de bens e as demais demandadas inseriu o autor nas cadeias produtivas das recorrentes e mesmo que as rés neguem a interferência de produção de uma com a outra”. Ou seja, sequer houve registro de ingerência da reclamada no processo produtivo da empresa contratada. 3. À míngua de elemento no v. acórdão regional que demonstre o desvirtuamento do contrato de facção, não há margem para a aplicação da Súmula 331, IV/TST. Recurso de revista conhecido, por má-aplicação da Súmula 331, IV, desta Corte, e provido" (RR-806-82.2014.5.04.0721, 8ª Turma , Redator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 28/10/2024).

De outro lado, a 3ª Turma adota entendimento diverso, no sentido de que é aplicável a responsabilidade subsidiária da empresa contratante, pois no contrato de facção existe terceirização de atividade, independentemente da natureza do vínculo, na prestação de serviços, ser de emprego ou comercial:

"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. CONTRATO DE FACÇÃO. DESVIRTUAMENTO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. SÚMULA 331, IV/TST. A Súmula 331 do TST - elaborada na década de 1990, após longo enfrentamento dos assuntos concernentes à terceirização -, ao tratar da interpretação da ordem justrabalhista no que tange à temática da responsabilidade em contextos de terceirização, fixou que " o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que este tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial" (Súmula 331, IV). O entendimento jurisprudencial sumulado claramente percebe a existência de responsabilidade do tomador de serviços por todas as obrigações laborais decorrentes da terceirização (ultrapassando a restrição de parcelas contida no texto da Lei n. 6.019/74). Apreende também, a súmula, a incidência da responsabilidade desde que verificado o inadimplemento trabalhista por parte do contratante formal do obreiro terceirizado. Saliente-se, ainda, que a reforma trabalhista de 2017 igualmente sufragou a existência da responsabilidade subsidiária da entidade tomadora de serviços (ora denominada de " empresa contratante ") pelas parcelas inadimplidas pela empresa prestadora de serviços no contexto de relação trilateral de terceirização trabalhista. É o que resulta claro da regra especificada no art. 5º-A, § 5º, da Lei n. 6.019, conforme redação conferida pela Lei n. 13.429/2017. Ressalte-se, entretanto, que as novas disposições legislativas não se aplicam ao caso dos autos, tendo em vista que o contrato de trabalho findou-se antes do início da vigência das Leis 13.429/2017 e 13.467/2017. O próprio STF, no julgamento em que alargou as possibilidades da terceirização de serviços no sistema socioeconômico do País (abrangendo, inclusive, as atividades-fim da empresa tomadora de serviços), enfatizou a presença da responsabilidade subsidiária dessa entidade tomadora pelas obrigações trabalhistas da empresa terceirizante, em qualquer modalidade de terceirização , a par da responsabilidade pelas contribuições previdenciárias pertinentes (ADPF n. 324/MG: Rel. Min. Luis Roberto Barroso; RR n. 958.252/MG, Rel. Min. Luiz Fux - ambas com decisão prolatada na sessão de 30.08.2018). Em síntese, firmou-se a tese, pelo STF, por maioria, no sentido de ser "lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante ". Não há dúvida de que a interpretação contida na Súmula 331, IV, bem como do próprio STF sobre o tema da responsabilização do tomador dos serviços, abrange todas as hipóteses de terceirização veiculadas na ordem sociojurídica brasileira, desde que envolva a utilização da força de trabalho humano . No caso concreto, depreende-se da leitura do acórdão regional que o TRT, a partir do exame do conjunto probatório produzido, concluiu que a Reclamada Recorrente exercia forte ingerência no processo produtivo da 1ª Reclamada - mediante a fiscalização direta do trabalho prestado nas dependências da 1ª Ré empregadora do Reclamante - premissas fáticas insuscetíveis de reapreciação, em virtude do disposto na Súmula 126/TST. De outro lado, no tocante à condenação solidária da tomadora de serviços, conforme anteriormente registrado, o próprio STF, no julgamento em que alargou as possibilidades da terceirização de serviços no sistema socioeconômico do País (abrangendo, inclusive, as atividades-fim da empresa tomadora de serviços), enfatizou a presença da responsabilidade subsidiária dessa entidade tomadora pelas obrigações trabalhistas da empresa terceirizante, em qualquer modalidade de terceirização, a par da responsabilidade pelas contribuições previdenciárias pertinentes (ADPF n. 324/MG: Rel. Min. Luis Roberto Barroso; RR n. 958.252/MG, Rel. Min. Luiz Fux - ambas com decisão prolatada na sessão de 30.08.2018). Em síntese, firmou-se a tese, pelo STF, por maioria, no sentido de ser "lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante". Assim sendo, a decisão agravada foi proferida em estrita observância às normas processuais (art. 557, caput, do CPC/1973; arts. 14 e 932, IV, "a ", do CPC/2015), razão pela qual é insuscetível de reforma ou reconsideração. Agravo desprovido" (Ag-RR-149-36.2017.5.21.0019, 3ª Turma , Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 27/09/2024).

Além disso, a ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas desta Corte incentiva a recorribilidade e propicia o surgimento de entendimentos dissonantes entre os Tribunais Regionais do Trabalho, o que torna relevante a pacificação do tema, como precedente qualificado, nos termos do art. 926 do CPC.

Cito, a título de exemplo, o seguinte julgado divergente de Tribunal Regional:

EMENTA: CONTRATO DE FACÇÃO. DIFERENÇA DE TERCEIRIZAÇÃO. VÍNCULO DIRETO DOS TRABALHADORES DA EMPRESA CONTRATADA COM A GRANDE EMPRESA CONTRATANTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA GRANDE EMPRESA CONTRATANTE COMO GARANTIA MÍNIMA. O instituto da terceirização não tem uma definição legal, tratando-se de mero eufemismo de intermediação de mão de obra. Trata-se de um nome que se deu a um tipo de intermediação específica, ligada à atividade-meio de uma empresa, transferida a outra empresa. A responsabilidade solidária entre empresas que se coligam, por contrato de "facção", não depende, pois, da identificação da mesma hipótese fática relativa à terceirização. No denominado contrato de "facção", os elementos que conduzem à responsabilidade solidária estão ainda mais presentes, porque uma empresa tem a sua atividade, toda ela, dependente da outra. A fabricação, atendendo a parâmetros determinados, aparece como mera fase do empreendimento comercial da grande rede de lojas. A rede se diferencia pelos produtos específicos que vende, com determinada qualidade, além de ser voltada a público certo. A produção encomendada e direcionada pela grande rede se integra, essencialmente, pois, à natureza do empreendimento. Não é uma relação horizontal, episódica, casual e determinada por mero alinhamento de conveniências. Lembre-se que nos termos do § 2o do art. 2o da CLT, conforme alteração trazida pela Lei n. 13.467-17, a formação de um grupo econômico, para efeitos trabalhistas, pode ser vislumbrada quando as empresas se interliguem por "interesse integrado", atuem, de forma conjunta, com "efetiva comunhão de interesses". No caso da facção, em que uma empresa delimita a atuação de outra, a razão da responsabilidade solidária entre ambas é ainda mais evidenciada, indo, inclusive, ao ponto de possibilitar o reconhecimento do vínculo de emprego entre o trabalhador e a grande empresa contratante, sobretudo em situações em que a precariedade econômica e organizacional da empresa contratada elimine a sua condição de uma empresa capitalista. 3ª TURMA - 6ª CÂMARA - PROCESSO TRT/15ª REGIÃO nº 0011322-73.2018.5.15.0024 -RECURSO ORDINÁRIO EM PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO, RECORRENTE: INTIMUS PES - INDUSTRIA DE CALCADOS LTDA – ME, RECORRENTE: STEFANINI & LOURENCO - INDUSTRIA DE CALCADOS LTDA, RECORRIDO: ADRIANA REGINA DANIEL.

A divergência verificada, associada à grande quantidade de recursos sobre a matéria em foco, permite concluir pela necessidade de uniformização da jurisprudência desta Corte em um precedente obrigatório, como forma de promover a isonomia, a segurança jurídica e a razoável duração do processo (Constituição Federal, art. 5º, caput e LXXVIII).

Assim, preenchidos os requisitos do art. 896-C da CLT proponho a afetação do processo TST- RR - 0020732-51.2022.5.04.0371 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica:

O contrato mercantil na modalidade por facção enseja responsabilidade pelo contratante nos moldes do item IV da Súmula n.º 331 do TST?

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno, por unanimidade, acolher a proposta de afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: O contrato mercantil na modalidade por facção enseja responsabilidade pelo contratante nos moldes do item IV da Súmula n.º 331 do TST? Determina-se o encaminhamento dos autos à distribuição, na forma regimental.

Brasília, de de

ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA

Ministro Presidente do TST