A C Ó R D Ã O

(Ac. 3ª Turma)

GMALB/aj/scm/AB/ri

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS Nos 13.015/2014, 13.105/2015 E 13.467/2017. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Diante da salvaguarda inscrita no art. 71 da Lei nº 8.666/93, a responsabilidade subjetiva e subsidiária da Administração Pública Direta ou Indireta encontra lastro em caracterizadas ação ou omissão culposa na fiscalização e adoção de medidas preventivas ou sancionatórias ao inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte de empresas prestadoras de serviços contratadas (arts. 58, III, e 67 da Lei nº 8.666/93). Nos termos da decisão proferida pelo excelso Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 760.931, com repercussão geral, o ônus de provar a ausência de fiscalização da execução do contrato pertence ao trabalhador. 1.3. Assim, tendo em vista a decisão do STF e diante da inexistência de elementos que demonstrem a culpa "in vigilando", não se cogita de responsabilidade subsidiária do ente público. Recurso de revista conhecido e provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-10996-39.2016.5.15.0136 , em que é Recorrente UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - USP e são Recorridas LEILA BARBOSA SOARES e HIGILIMP LIMPEZA AMBIENTAL LTDA.

O Eg. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, pelo acórdão de fls. 197/211-PE, negou provimento ao recurso ordinário da segunda reclamada .

Inconformada, a ré interpôs recurso de revista, com esteio nas alíneas "a" e "c" do art. 896 da CLT (fls. 181/196-PE).

O apelo foi admitido pelo despacho de fls. 212/213-PE.

Sem contrarrazões.

O d. Ministério Público do Trabalho oficiou pelo prosseguimento do processo (fls. 228/229-PE).

É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE.

Tempestivo o apelo (fl. 212-PE), regular a representação (Súmula 436/TST) e inexigível o preparo (CLT, art. 790-A; Decreto-Lei nº 779/69, art. 1º, IV), estão presentes os pressupostos genéricos de admissibilidade.

1 – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA OU INDIRETA. TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.

1.1 - CONHECIMENTO.

O Regional negou provimento ao apelo da segunda reclamada, mantendo a condenação em responsabilidade subsidiária , destacados nas razões do recurso de revista, na forma do art. 896, § 1º-A, I, da CLT:

" 1 - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ENTE PÚBLICO.

A reclamante alega na inicial que foi contratada pela primeira reclamada, mas que sempre prestou serviços em benefício da segunda, o que, por sua vez, afasta a existência de relação de emprego com a ora recorrente, mas não a ocorrência de prestação de serviços de forma indireta, já que tinha relação contratual de natureza civil com a primeira reclamada, empregadora da obreira.

A jurisprudência já é pacífica quanto à responsabilidade subsidiária do tomador de serviços em caso de eventual inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador, conforme Súmula 331, do C. Tribunal Superior do Trabalho, por aplicação analógica do artigo 455 da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, bem como dos artigos 186 e 927, do Código Civil Brasileiro, com previsão de culpa "in eligendo" e "in vigilando" da tomadora, na contratação da prestadora, como permite o artigo 4º da LICC e artigo 8º da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho. Em tal contexto, na condição de contratante, a segunda reclamada tinha a obrigação de fiscalizar a execução do contrato de prestação de serviços de limpeza, asseio e conservação predial (IDs. 270d4ff e cfe8365) e o cumprimento das obrigações legais pela prestadora.

Cabia à segunda reclamada o ônus de provar o acompanhamento e a efetiva fiscalização da execução do contrato de prestadora de serviços, do qual não se desincumbiu, atraindo a sua responsabilidade subsidiária na forma da Súmula n. 331, do C. TST, e, consequentemente, seus deveres de responder, igualmente, pelo inadimplemento do contrato de trabalho.

No caso, nenhum documento apto à fiscalização foi juntado aos autos, concluindo-se que foi falha, porquanto não logrou impedir a sonegação de direitos trabalhistas elementares, o que culminou no decreto de parcial procedência da demanda. Veja-se que a rescisão do contrato entre as rés ocorreu em 08/03/2016 (ID 8f09a22), quase um mês depois da demissão da autora (em 11/02/2016).

Tampouco há que se falar em inconstitucionalidade da Súmula 331 do TST. Ao se considerar o método sistemático de interpretação da ordem jurídica, exsurge que as relações obrigacionais não derivam apenas da lei, mas também de outras figuras normativas e dos princípios. E a natureza principiológica da referida súmula é patente, pois se baseia em regras que tratam das modalidades de culpa ("in eligendo" e "in vigilando") e no princípio da proteção ao hipossuficiente. Por outro lado, como não se trata de súmula vinculante, ela apenas aponta um direcionamento de interpretação pela corte superior trabalhista, não estando sujeita ao decreto de inconstitucionalidade.

Nem se alegue que o disposto no artigo 71 da Lei 8.666/93 tem o condão de afastar a responsabilidade da segunda reclamada. O inciso V da Súmula 331 do C. TST é claro ao responsabilizar subsidiariamente os órgãos da Administração Direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e sociedades de economia mista, "caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora." . Nesse sentido, é de se ressaltar que a aplicação do disposto no artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/93, da forma desejada pela reclamada, levaria à possibilidade de serem contratados serviços prestados por empresas não idôneas. Assim, haveria um imenso prejuízo aos trabalhadores, sem qualquer responsabilidade do ente estatal contratante e, principalmente, sem qualquer preocupação deste na pactuação somente de prestadores de serviços com estrutura adequada para respeitar a legislação trabalhista. Logo, não há como alegar que o disposto no artigo 71 da Lei 8.666/93 tem o condão de afastar a responsabilidade da segunda reclamada. Ao contrário disso, ao se verificar a existência de verbas rescisórias impagas ao trabalhador, já se nota que agiu com absoluto descaso a contratante, pois o mínimo que se esperava era que fiscalizasse o efetivo cumprimento desses direitos basilares de seus trabalhadores terceirizados .

Com isso, configura-se a conduta culposa descrita no verbete sumular, a autorizar a responsabilização da segunda ré pelas obrigações trabalhistas analisadas.

Além disso, não há que se falar na aplicação da Súmula 363, do TST, uma vez que ela se refere à contratação direta de servidor pela Administração, o que não é a hipótese dos autos, que se trata de sua responsabilidade subsidiária.

Por fim, esclareça-se que não há ofensa à Súmula vinculante 10, do STF. O próprio ministro Ayres Britto afirmou que a Súmula 331, do TST, foi objeto de análise pelo plenário daquele tribunal no que se refere ao incidente de uniformização de jurisprudência, não havendo, portanto, nenhuma violação à reserva de plenário. Demais disso, a Súmula em comento é mera fonte supletiva de interpretação jurídica, sendo certo que a presente decisão a tem como mera referência jurisprudencial. Nesse sentido, a decisão de 1º. Grau, por ser proferida por juiz singular, não ofende ao disposto na referida S.V. 10, quando adota entendimento no sentido apresentado, já que é possível, ao juízo monocrático, deliberar sobre a constitucionalidade ou não de norma. Por fim, não se fala, no caso, na ofensa ao texto constitucional, mas somente na aplicação dos preceitos inerentes ao Direito do Trabalho.

Reconhece-se, portanto, a segunda reclamada como sendo subsidiariamente responsável pelos créditos deferidos no presente caso, situação que se declara para todos os fins de direito. Saliento que essa responsabilidade atinge inclusive multas, já que a responsabilização subsidiária se faz por todos os créditos do trabalhador, sem importar sua natureza (S. 331, VI, do TST).

De outro lado, é de se registrar que não é necessário o exaurimento de todas as possibilidades de execução direta contra a primeira reclamada e seus sócios para direcionar a execução contra a segunda ré, ante o reconhecimento da responsabilidade subsidiária desta, bastando apenas o inadimplemento da primeira.

Recurso não provido." (Destaques da parte).

Inconformada, insurge-se a segunda reclamada contra a responsabilidade subsidiária que lhe foi atribuída. Sustenta a impossibilidade da condenação imposta, em razão do julgamento da ADC nº 16 pelo STF. Indica ofensa aos arts. 5º, II, 37, XXI e § 6º, 97, 102, § 2º, e 103-A da Constituição Federal, 818 da CLT e 373, I, do CPC e 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, além de contrariedade à Súmula 331, IV e V, do TST, à Súmula 10 do STF e ao quanto decidido na ADC 16/DF e no RE 760.931/DF pelo STF. Colaciona arestos.

À análise.

Diante da salvaguarda inscrita no art. 71 da Lei nº 8.666/93, a responsabilidade subjetiva e subsidiária da Administração Pública Direta ou Indireta encontra lastro em caracterizadas ação ou omissão culposa na fiscalização e adoção de medidas preventivas ou sancionatórias ao inadimplemento de obrigações trabalhistas por parte de empresas prestadoras de serviços contratadas (arts. 58, III, e 67 da Lei nº 8.666/93).

Não se está em campo de cogitação do adimplemento das obrigações regulares e ínsitas ao contrato administrativo decorrente de licitação, mas, com olhos também postos no quanto dispõem os arts. 1º, incisos III e IV, e 170 da Constituição Federal, na trilha de evidência de culpa in vigilando e da consequente responsabilidade civil, pela omissão no poder-dever de fiscalizar.

Por outra face, o STF, ao apreciar a Ação Declaratória de Constitucionalidade 16-DF (Rel. Min. Cezar Peluso, julgado em 24.11.2010 e publicado no DJe de 9.9.2011), concluiu ser necessária, para o reconhecimento da responsabilidade subsidiária da Administração Pública, a efetiva demonstração de culpa, na linha da teoria da responsabilidade subjetiva extracontratual, não se aplicando, ao caso, o art. 37, § 6°, da Constituição Federal.

Sempre decidi no sentido de que cabe à Administração Pública apresentar as provas necessárias à demonstração de que fiscalizou a execução do contrato administrativo.

De fato, obrigado à posse dos documentos que seriam próprios ao dever de acompanhamento do contrato (art. 58, III, da Lei nº 8.666/1993), o Poder Público assume o onus probandi , ao alegar fato que poderia modificar o direito alegado (arts. 818 da CLT e 333, II, do CPC/1973).

O poder-dever constitucional de zelar pela correta aplicação dos recursos públicos, inclusive aqueles relativos a contratos e convênios de prestação de serviços, recai sobre a Administração Pública e não sobre o particular (arts. 58, III, e 67 da Lei nº 8.666/1993).

Assim sendo, é o Ente Público que possui recursos probatórios (documentos, processos administrativos etc.) capazes de comprovar a eficiente fiscalização da execução do contrato administrativo, sendo que não há razão para a não apresentação desses elementos probatórios em juízo. De outra face, é evidente que o cidadão-trabalhador não tem em sua posse os processos administrativos relativos à licitação (ou sua dispensa), às multas administrativas eventualmente aplicadas ou aos procedimentos de retenção de créditos e garantias (art. 80, III e IV, da Lei n° 8.666/1993).

Portanto, a inércia e recusa deliberada do Ente Público em demonstrar documentalmente o cumprimento de um dever que a Lei lhe impõe - o de fiscalizar a correta execução do contrato administrativo - não pode servir como obstáculo ao direito pleiteado pela parte adversa, uma vez que, ao litigar com o particular, é dever da Administração Pública "expor os fatos em juízo conforme a verdade" (art. 77, I, do CPC) e proceder com lealdade e boa-fé.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE nº 760.931, com repercussão geral, atribuiu o ônus da prova da ausência de fiscalização ao trabalhador.

Assim, em respeito ao decidido, curvo-me ao entendimento do STF acerca da matéria.

No presente caso, o Regional consignou que a segunda reclamada não produziu prova acerca da efetiva fiscalização, não evidenciando, na visão do STF, qualquer elemento que permita concluir pela existência de culpa in vigilando , circunstância que recusa a condenação subsidiária.

Diante de tal constatação, incide a compreensão da Súmula 331, V, desta Corte, assim redigida:

"V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada ."

O Regional, ao decidir de forma contrária, violou o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, com a compreensão do item V da Súmula 331 desta Corte.

Conheço do recurso de revista.

1.2 - MÉRITO.

Conhecido o recurso, por violação do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, dou-lhe provimento, para afastar a responsabilidade subsidiária da Universidade de São Paulo - USP, julgando, quanto a ela, improcedente a reclamação. Prejudicada a análise dos demais temas do recurso.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por violação do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993, e, no mérito, dar-lhe provimento para excluir a responsabilidade subsidiária atribuída à Universidade de São Paulo - USP, julgando, quanto a ela, improcedente a reclamação.

Brasília, 17 de outubro de 2018.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Alberto Bresciani

Ministro Relator