A C Ó R D Ã O
Tribunal Pleno
GPACV/mcfb/sp
PROPOSTA DE AFETAÇÃO EM INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. ALTA PREVIDENCIÁRIA. "LIMBO JURÍDICO TRABALHISTA PREVIDENCIÁRIO". RETORNO AO TRABALHO. ÔNUS DA PROVA . A matéria discutida no presente recurso de revista diz respeito à definição quanto às regras de distribuição do ônus da prova quanto à comprovação de ciência pelo empregador do estado jurídico-previdenciário do trabalhador após a cessação do benefício previdenciário, seja no âmbito administrativo, seja no campo judicial, bem como quanto à comprovação da convocação para retorno ao trabalho pelo empregador e/ou recusa por uma das partes. Diante da multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a relevância da matéria e ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas do TST, torna-se necessária a afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: Após a alta previdenciária, a quem incumbe o ônus da prova quanto à inequívoca comunicação ao empregador da situação jurídico-previdenciária do trabalhador, bem como quanto à comprovação da recusa de retorno ao trabalho por qualquer das partes ? Incidente de recursos repetitivos admitido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo nº TST- RRAg - 0100395-61.2022.5.01.0491 , em que é AGRAVANTE KLABIN S.A. e é AGRAVADO AMAURI JOVELINO ADAO , é RECORRIDO AMAURI JOVELINO ADAO e é RECORRENTE KLABIN S.A. .
Trata-se de proposta de afetação de recurso, apresentada pela Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, em face de tema ainda não pacificado, nos termos do art. 896-C da CLT.
É o relatório.
V O T O
AFETAÇÃO DO RECURSO DE REVISTA AO REGIME DE RECURSOS REPETITIVOS – CASO EM EXAME
A matéria discutida no recurso de revista diz respeito à definição quanto ao ônus da prova na hipótese em que haja controvérsia se o empregador tomou ciência do estado jurídico-previdenciário do trabalhador após a cessação do benefício previdenciário, seja no âmbito administrativo, seja no campo judicial, bem como quanto à comprovação da convocação para retorno ao trabalho pelo empregador e/ou recusa por uma das partes.
A recorrente se insurge alegando que não pode ser condenada “por presunção de que o recorrido a procurou para retornar ao trabalho, ônus pertencente ao recorrido, tampouco, restou comprovada a recusa da recorrente no retorno”. Aponta violação aos artigos 818 da CLT, 373 do CPC e artigo 5º, II e LV da CF.
O recorrido, por sua vez, aduz que após a cessação do benefício previdenciário a reclamada se negou a readaptá-lo por considerá-lo inapto.
O Regional assentou que cabe ao empregador franquear o imediato retorno do ao emprego após o indeferimento do benefício, quer seja pela autarquia previdenciária, seja pela via judicial, pois à empresa incumbe diligenciar a situação previdenciária de seu empregado.
Transcreve-se trecho do acórdão:
“Do limbo previdenciário
(...)
O Juízo de piso assim decidiu:
(...)
A tese da ré, portanto, reside em negar que tenha impedido o retorno do reclamante ao serviço. Sustenta que a decisão pela conveniência do não retorno foi exclusiva do autor , por estar ajuizando ação judicial perante a Justiça Federal em face do INSS postulando a aposentadoria por invalidez.
(...)
Incontroverso o não pagamento dos salários desde o término do auxílio doença em 30/10/2012 até a dispensa do reclamante (06/07/2020).
Incontroverso ainda que o autor não mais laborou em favor da ré desde o início do seu afastamento por motivo de doença, no ano de 2006.
Percebe-se, portanto, que desde 01/11/2012 o reclamante não recebeu remuneração, na medida em que o INSS não deferiu a concessão do benefício previdenciário, atestando a ausência de incapacidade laborativa, e a ré não lhe pagou os salários do período .
O reclamante permaneceu na busca pela continuidade do recebimento do benefício, inclusive pela conversão em aposentadoria por invalidez; porém sem sucesso.
A reclamada nega a alegação de ter recusado o retorno do autor ao serviço.
Ora, se a perícia médica da autarquia previdenciária atestou que o reclamante estava apto ao trabalho, sendo os auxílios doenças indeferidos tanto por decisão administrativa quanto judicial, cabe ao empregador promover o imediato retorno do trabalhador ao emprego .
Cabe ao empregador ainda durante o período de afastamento solicitar ao empregado os documentos comprobatórios das solicitações de prorrogação do auxílio doença feitas à autarquia previdenciária tanto por via administrativa, quanto por via judicial. Isso porque é dever do empregador manter-se atualizado sobre o estado de saúde de seu empregado.
O fato de o autor ter ajuizado ação em face da autarquia federal não impede que a ré solicite informações ao empregado quanto ao seu estado de saúde e promova seu retorno ao trabalho, já que houve alta concedida pela autarquia previdenciária. Repise-se, se a perícia médica do INSS atestou que o reclamante estava apto ao trabalho, deveria a ré ter promovido o seu retorno ao serviço.
Contudo, não há prova nos autos de que a ré vinha acompanhando o estado de saúde do autor . Ao revés, a ré somente tomou conhecimento da situação do reclamante no mês de julho de 2020, quando promoveu sua dispensa, conforme teor da defesa . A unidade de trabalho onde o autor prestava serviços havia sido encerrada, e a ré ignorou por todo esse período a situação de saúde e funcional do reclamante.
Verifica-se que o trabalhador foi posto numa condição de completo desamparo, pois está sem trabalho, sem salário e sem benefício previdenciário. A situação gerada viola os princípios da dignidade da pessoa humana(artigo 1º, III, da CRFB), do direito fundamental ao trabalho (artigos 1º, IV e 170, t, capuda CRFB), da responsabilidade social das empresas (artigos 3º, I e 170, da CF) e a da própria função social do contrato (artigo 421 do CC).
Sendo assim, não pode a ré eximir-se de sua obrigação legal para com o trabalhador, pois, em consonância com o princípio da alteridade, o ônus de arcar com os prejuízos causados por essa situação imprevista é do empregador, uma vez que a ele compete responder pelos riscos do negócio, nada impedindo que pleiteie perante a autarquia previdenciária o ressarcimento de seu prejuízo.
Portanto, a empresa tem o dever de proceder ao pagamento dos salários no período de afastamento em que não houve a percepção do auxílio doença, bem como os reflexos nas demais parcelas contratuais.
(...)
Recorre a ré pugnando pela exclusão da condenação. Destaca que o autor não comprovou ter procurado a reclamada para retorno ao trabalho e que esta tenha recusado seus serviços.
Ao exame.
Depreende-se que o autor recebeu auxílio doença até o ano de 2012.
Tem-se a alegação do autor de que após a cessação do benefício previdenciário, procurou a reclamada, que se negou a fornecer trabalho por considerá-lo inapto, dispensando-o sem justa causa em 2020.
A empresa nega que tenha obstado o retorno da empregada ao trabalho após a alta previdenciária. Alega que o demandante não procurou a empresa para retornar ao trabalho .
Pois bem.
O chamado "limbo previdenciário", vem a ser, podemos dizer de modo muito rudimentar, a situação em que o trabalhador é considerado inapto para o trabalho pelo patrão, mas apto pelo INSS.
(...)
No presente caso temos que o último benefício concedido ao obreiro encerrou-se em 30/10/2012, sendo certo que o empregado compareceu à empresa posteriormente, em 27/12/2012, ocasião em que lhe foi fornecida declaração de que integrava os quadros da empresa.
Não trouxe a acionada qualquer comprovante de que tenha convocado o autor para apresentar-se ao trabalho nos quase 08 anos que se passaram entre a cessação do último benefício e a dispensa.
Ante o exposto, não merece retoque a sentença primeva que acolheu a tese obreira.
Nego provimento.”
Assim delineada a controvérsia, passo à análise dos requisitos para afetação do presente caso ao regime de incidente de recursos de revista repetitivos, o que faço com fundamento no art. 41, XXXVIII, do RITST.
MULTIPLICIDADE DE RECURSOS DE REVISTA FUNDADOS EM IDÊNTICA QUESTÃO DE DIREITO
Os requisitos legais para a instauração do incidente de recursos repetitivos estão previstos no art. 896-C, caput, da CLT, segundo o qual “Quando houver multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a questão poderá ser afetada à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples de seus membros, mediante requerimento de um dos Ministros que compõem a Seção Especializada, considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros dessa Seção ou das Turmas do Tribunal.” (destaquei).
No que diz respeito ao requisito da multiplicidade de recursos de revista em que se discute a mesma questão de direito do presente caso, verifica-se que, em pesquisa jurisprudencial realizada em 29/05/2025, no sítio eletrônico deste tribunal, adotando-se como critério de busca as expressões "Ônus da prova" "alta previdenciária" “limbo”, foram localizados, nos últimos 12 meses, 89 acórdãos e 241 decisões monocráticas.
RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTOS ENTRE AS TURMAS
O tema de fundo diz respeito a quem compete o ônus da prova quanto à comunicação da cessação do benefício previdenciário bem como quanto à comprovação da convocação para retorno ao trabalho pelo empregador e/ou recusa por uma das partes cuja relevância implica na análise sobre a quem recai a responsabilidade pelo pagamento salarial durante o denominado “limbo jurídico-previdenciário”. Além disso, a ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas desta Corte incentiva a recorribilidade e propicia o surgimento de entendimentos dissonantes entre os Tribunais Regionais do Trabalho, o que torna relevante a pacificação do tema, como precedente qualificado, nos termos do art. 926 do CPC. Cito, a título de exemplo, os seguintes julgados divergentes de Tribunais Regionais:
“(...)LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO:
(...)
Com efeito, a situação dos autos não se equipara àquela conhecida como "limbo jurídico previdenciário", a qual ocorre quando a empregadora obsta o retorno do empregado ao labor, após a alta previdenciária, por considerá-lo inapto. Não é esta a presente hipótese.
Veja-se que não há nos autos qualquer notícia de que o reclamante tivesse, de fato, comunicado a empregadora sobre o fim do auxílio-doença - ônus que lhe incumbia . Isto porque, com o indeferimento do benefício previdenciário, estando apto ou não, cabe ao empregado se apresentar ao empregador e comunicar a decisão do INSS , ainda que resolva dela recorrer, uma vez que a ausência prolongada poderá acarretar a hipótese de dispensa motivada capitulada no artigo 482, alínea "i", da CLT.
É o que se extrai da inteligência da Súmula nº 32 do C. TST:
ABANDONO DE EMPREGO (nova redação) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Presume-se o abandono de emprego se o trabalhador não retornar ao serviço no prazo de 30 (trinta) dias após a cessação do benefício previdenciário nem justificar o motivo de não o fazer.
Nesta circunstância, não havendo a mínima comprovação da ciência da empresa acerca da situação previdenciária e da condição de saúde do obreiro, ou qualquer demonstração de interesse desse pelo retorno ao trabalho, não se configura a situação de "limbo". Tais fatos deveriam ser comprovados pelo autor, uma vez que correlacionados à constituição do direito vindicado, nos termos do artigo 818 da CLT. Também não foi comprovada a recusa - por parte da empregadora - em reatar as condições contratuais, não se podendo atribuir a esta última a responsabilidade pelos salários do período em que não houve prestação de serviços pelo empregado.
(...)
Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (5ª Câmara). Acórdão: 0010737-90.2021.5.15.0064. Relator(a): MARCOS DA SILVA PORTO. Data de julgamento: 16/06/2023. Juntado aos autos em 30/06/2023. Disponível em: https://link.jt.jus.br/MutHau
“(...) A reclamante postula a reforma da sentença que indeferiu o pedido de pagamento dos salários e do FGTS durante o período do "limbo previdenciário", no que tem inteira razão, senão vejamos. A sentença entendeu, para indeferir o pedido de pagamento dos salários/FGTS do período porque seria ônus da reclamante produzir prova de que teria retornado para o emprego após a alta previdenciária, todavia não comungo desse entendimento . Com efeito, a alta previdenciária é comunicada para o empregador, o que já é suficiente para reconhecer ser dele o ônus, na ausência do empregado para retornar, de convocar o trabalhador, do qual não se desincumbiu . Acrescento que, ainda assim, o reclamante, após a alta previdenciária, se apresentou no emprego, ocasião em que foi considerado inapto pela reclamada, o que também ao meu sentir, seria suficiente para acompanhar o processo de concessão do novo benefício, até porque ainda persistia sua obrigação de pagar salário, pelo menos durante 15 dias, o que também não fez. Some-se a tudo isso que o reclamante, por força de decisão judicial aqui adotada, foi compelida a reintegrar o reclamante no emprego, o que, mais uma vez, autorizaria reconhecer sua obrigação de pagar os salários do período de afastamento. Assim, condeno a reclamada a pagar os salários de todo o período do chamado "limbo previdenciário", o que inclui, também o FGTS do mesmo período, tudo como postulado. Por fim, a conduta da reclamada foi suficiente para causar sofrimento e dor ao reclamante, portanto, capaz de causar dano de índole imaterial, que também defiro nos termos como postulados na peça de ingresso. Condeno, ainda, a reclamada a pagar honorários de sucumbência, que fixo em 15% sobre o valor da condenação, percentual que melhor remunera o trabalho da advogada seguindo os critérios fixados pelo art. 791-A §2º da CLT. Custas, pela reclamada, no importe de R$ 800,00, calculadas sobre o valor da condenação, que arbitro em R$ 40.000,00. Sala de Sessões da Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região. Belém, 29 de junho de 2021.
Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (1ª Turma). Acórdão: 0000300-84.2020.5.08.0107. Relator(a): MARCUS AUGUSTO LOSADA MAIA. Data de julgamento: 29/06/2021. Juntado aos autos em 11/07/2021. Disponível em: https://link.jt.jus.br/b8YRLY
Com efeito, há entendimentos divergentes entre Turmas do Tribunal, eis que se verificam 5 Turmas decidindo no sentido de atribuir o ônus da prova ao empregado quanto à comunicação da alta previdenciária por se tratar de fato constitutivo do seu direito.
Nesse sentido:
“(...) A matéria apresenta viés ainda não pacificado nesta Corte, razão pela qual se reconhece a transcendência jurídica. Depreende-se do acórdão recorrido ser incontroversa a ocorrência da alta previdenciária conferida à obreira. Desse modo, não havendo dúvidas quanto à ocorrência de tal fato, e sendo causa de pedir a recusa da empresa à tentativa de retorno ao trabalho , incumbe à reclamante o ônus de comprovar tal fato , encargo do qual não se desvencilhou. Nesse contexto, percebe-se que o e. TRT, ao assim decidir, não incorreu em ofensa aos dispositivos invocados, na medida em que bem aplicadas as regras de distribuição do ônus da prova . Agravo não provido. (...). (RRAg-1000254-19.2018.5.02.0074, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 04/02/2022)
"AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE PROVA DE RECUSA DA EMPRESA RÉ EM ACEITAR O RETORNO DA AUTORA AO TRABALHO. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS. CONTROVÉRSIA FÁTICA. SÚMULA Nº 126 DO TST. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica quanto à responsabilidade do empregador pelo pagamento dos salários do empregado, a partir da alta previdenciária, ainda que considerado inapto pela junta médica da empresa. 2. Todavia, por se tratar de direito constitutivo, nos termos do art. 818, I, da CLT c/c art. 373, I, do CPC, cabe ao trabalhador o ônus da comprovação de que a ausência de retorno ao trabalho decorreu da recusa patronal. 3. Na hipótese, o Tribunal Regional, após o exame do conjunto fático-probatório, concluiu inexistir qualquer prova nos autos de que houve recusa patronal aos pedidos da empregada de retorno ao trabalho, restando indevido o pagamento dos salários, a partir da alta previdenciária. Registrou que: "Diante desse contexto, não vislumbro a prática de qualquer ato ilícito por parte do empregador que justificasse a demanda pela substituição do benefício previdenciário, originalmente devido pelo INSS, por um benefício a cargo do empregador, por meio de pagamento de salários durante o referido período, conforme pleiteado pela parte autora na petição inicial”. (...) (Ag-EDCiv-RR-367-75.2023.5.08.0129, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 24/02/2025).
"(...) LIMBO JURÍDICO PREVIDENCIÁRIO. ÔNUS DE COMPROVAR A COMUNICAÇÃO DA ALTA PREVIDENCIÁRIA É DO EMPREGADO, POR SER FATO CONSTITUTIVO DO SEU DIREITO . AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA COMUNICAÇÃO AO EMPREGADOR. 2. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE NEGA PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. I. No que diz respeito ao ônus de comprovar a comunicação de alta previdenciária ao empregador, registre-se que, ao contrário do que alega a parte Agravante, por se tratar de fato constitutivo do direito da Reclamante, cabe a esta comprovar que o "limbo previdenciário" decorre da recusa da empregadora em recebê-la na empresa ou em readaptá-la em função compatível, após ser informada da alta previdenciária (...)" (Ag-AIRR-11543-23.2019.5.15.0153, 4ª Turma, Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 28/02/2025).
" (...). Esclareça-se, no tocante à distribuição do ônus probatório, que a decisão regional está em sintonia com precedentes desta Corte Superior, no sentido de que compete ao empregado comprovar que a ausência de retorno ao trabalho decorreu da recusa patronal em recebê-lo na empresa ou em readaptá-lo em função compatível, por se tratar de fato constitutivo do direito da parte autora, nos termos do art. 818, I, da CLT c/c art. 373, I, do CPC. Por conseguinte, à luz do quadro fático traçado no acórdão regional, não havendo provas de que a reclamada teria afrontado os direitos da obreira, impedindo-a de retornar ao trabalho após a cessação do benefício previdenciário, não há como reconhecer a configuração do limbo jurídico-previdenciário alegado pela parte, sem que haja o reexame de fatos e provas (...) " (Ag-AIRR-12030-72.2019.5.15.0062, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 04/10/2024).
“(...). 2. LIMBO PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DO CONTRATO DE TRABALHO APÓS O
TÉRMINO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AUSÊNCIA DE PROVA DA RECUSA DA EMPREGADORA EM ACEITAR
O TRABALHO OBREIRO APÓS A ALTA PREVIDENCIÁRIA. De acordo com a ordem jurídica atual, que
aloca o indivíduo em posição especial no cenário social, desponta nítido o caráter
precursor do direito à dignidade da pessoa humana (1º, III, da CF) sobre todo o sistema
constitucional. Ademais, a Convenção nº 161 da OIT impõe, como princípio de uma política
nacional, " a adaptação do trabalho às capacidades dos trabalhadores, levando em conta seu
estado de sanidade física e mental ". Dessa forma, é inconteste que cabe à Empregadora,
ante a cessação da licença, reintegrar ou readaptar o Reclamante em atividade compatível
com suas limitações físicas, e não puramente recusar seu retorno ao trabalho. Isso porque,
segundo o ordenamento jurídico pátrio, o empregador também é responsável pela manutenção e
respeito aos direitos fundamentais do empregado, devendo zelar pela afirmação de sua
dignidade e integração no contexto social - e a readequação de suas funções no processo
produtivo da empresa faz parte desse mister. Por outro lado, agregue-se que, por se tratar
de fato constitutivo do direito da Parte Autora, cabe à empregada comprovar que o "limbo
previdenciário" decorreu da recusa da empregadora em recebê-la na empresa ou em
readaptá-la em função compatível. Julgados do TST nesse sentido. No presente caso ,
extrai-se do acórdão recorrido que o entendimento do TRT vai ao encontro da jurisprudência
deste TST, quando a Corte Regional afirma que " em 10.08.2018 encerrou-se a suspensão do
contrato de trabalho, mantendo-se intacta a relação empregatícia, ainda que houvesse
recurso administrativo perante o órgão previdenciário, requerendo concessão de novos
benefícios ". Todavia , a conclusão do Juízo de Primeiro Grau, mantida pelo Tribunal
Regional - no sentido de que, apesar de o Obreiro não ter se apresentado para trabalhar
após a alta previdenciária, ausente qualquer espécie de comunicação por parte da
Empregadora, determinando o retorno do Empregado ao trabalho, seria dela o ônus de arcar
com os salários do Trabalhador até o deferimento de novo benefício - contrariaria a
jurisprudência do TST. Com efeito, conforme já explicitado, é certo que cabe à Empregadora
reintegrar ou readaptar o Reclamante ante a cessação da licença previdenciária,
entretanto, cabe ao Empregado comprovar que a Empregadora tenha se recusado a reinseri-lo
na sua função ou readaptá-lo, caso suas condições de saúde assim exijam. O que se observa
do acórdão recorrido é que a Empregadora negou que tenha se recusado a reintegrar o
Empregado e, mesmo diante da negativa da Empregadora e da ausência de provas de que a
Reclamada recusou o trabalho do Autor após a alta previdenciária, o Tribunal Regional
manteve a sentença, que concluiu pelo deferimento do pedido de pagamento dos salários e
reflexos referentes ao período não acobertado pela licença previdenciária. Nesse contexto,
à míngua de provas de que a Reclamada teria afrontado, por sua iniciativa, os direitos do
Reclamante ao retorno ao trabalho após a cessação do benefício previdenciário ou à sua
readaptação em função compatível, há que se conferir enquadramento jurídico distinto ao
presente caso, a fim de adequar ao entendimento desta Corte e aos arts. 818 da CLT e 373,
I, do CPC. Recurso de revista conhecido e provido. Tribunal Superior do Trabalho (3ª
Turma). Acórdão: 0000394-64.2018.5.06.0331. Relator(a): MAURICIO GODINHO DELGADO. Data de
julgamento: 26/04/2023. Juntado aos autos em 12/05/2023. Disponível em:
De outro lado, 2 Turmas adotam entendimento diverso , no sentido de que compete ao empregador, por dever ser o guardião da saúde do trabalhador e de sua posição atual previdenciária, comprovar que o reclamante não lhe comunicou da cessação do benefício e/ou que se recusou retornar ao trabalho.
Nesse sentido os seguintes julgados:
"(...) LIMBO PREVIDENCIÁRIO. RETORNO DO EMPREGADO APÓS ALTA PREVIDENCIÁRIA. TRABALHADOR CONSIDERADO INAPTO PELA EMPRESA. PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DO PERÍODO DE AFASTAMENTO. ÔNUS DA PROVA. A decisão proferida pelo TRT está em consonância com a jurisprudência desta Corte Superior, que tem se firmado no sentido de que, em situações de "limbo previdenciário", como a retratada nos autos, deve ser garantido o pagamento da remuneração integral do empregado. Saliente-se que a legislação trabalhista estabelece que o contrato de trabalho somente está suspenso quando o empregado estiver "em gozo de auxílio-doença" (art. 63 da Lei 8.213/91), ou, nos termos do art. 476 da CLT, "durante o prazo desse benefício", se este foi cessado pelo INSS, e não há qualquer decisão judicial determinando o restabelecimento desse benefício. Portanto, com a cessação do benefício previdenciário, nos termos do artigo 476 da CLT, o contrato de trabalho voltou a gerar os seus efeitos, cabendo à empresa viabilizar o retorno do autor a uma atividade condizente com a sua nova condição de saúde, de acordo com o que dispõe o artigo 89 da Lei 8.213/1991, mediante sua readaptação. Em razão de o empregador ter ficado ciente da alta previdenciária do reclamante, verifica-se que é da empresa o ônus de provar que o reclamante tenha se negado a retornar às suas atividades laborais, ou mesmo se recusado a assumir função compatível com suas limitações, diante do princípio da continuidade da relação empregatícia, que constitui presunção favorável ao reclamante (...)" (RRAg-1001135-14.2017.5.02.0241, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 21/10/2022).
“(...) Esta Corte Superior entende que, no caso de alta previdenciária, cabe ao empregador permitir o retorno do empregado, promovendo sua readaptação quando houver necessidade, sob pena de pagamento dos salários relativos ao período em que existente o denominado "limbo previdenciário". Isso porque, com a cessação do benefício, o contrato de trabalho volta a surtir todos os seus efeitos, devendo a empresa, pelo princípio da continuidade da relação de emprego, adotar de medidas necessárias ao pleno restabelecimento das obrigações inerentes ao vínculo. No caso, é incontroverso que a autora foi afastada do trabalho em 24/01/2015 para o recebimento de benefício previdenciário e que teve alta em 8/9/2016, não obstante ainda incapacitada para o exercício de suas funções, o que foi informado à empresa, mediante a apresentação de atestados médicos (os quais não tiveram sua validade afastada). Nesse momento do retorno, embora não tenha havido a expressa recusa da empresa para tanto, é possível extrair do acórdão regional que não houve comprovação de que foram envidados esforços para a correta readaptação da trabalhadora em função compatível com as suas limitações, ônus que cabia à reclamada, ante o já mencionado preceito que permeia o Direito do Trabalho. Há, inclusive, informação no julgado de que “ a ré sequer submeteu a trabalhadora a exames médicos com vista a apurar as suas condições de saúde e avaliar eventual necessidade de readaptação ” - premissa fática consignada no voto vencido e não infirmada pelo voto vencedor, a reforçar a tese relacionada à omissão da empresa. Diante do exposto, resta configurado o denominado “limbo previdenciário”, devendo ser imputado à empregadora o ônus de arcar com os salários relativos ao período em questão, sob pena de privar a trabalhadora dos recursos essenciais à sua subsistência (...) " (RRAg-24016-74.2019.5.24.0061, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 14/03/2025).
A divergência verificada, associada à grande quantidade de recursos sobre a matéria em foco, permite concluir pela necessidade de uniformização da jurisprudência desta Corte em um precedente obrigatório, como forma de promover a isonomia, a segurança jurídica e a razoável duração do processo (Constituição Federal, art. 5º, caput e LXXVIII).
Assim, preenchidos os requisitos do art. 896-C da CLT proponho a afetação do processo RRAg - 0100395-61.2022.5.01.0491 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica:
Após a alta previdenciária, a quem incumbe o ônus da prova quanto à inequívoca comunicação ao empregador da situação jurídico-previdenciária do trabalhador, bem como quanto à comprovação da recusa de retorno ao trabalho por qualquer das partes ?
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno, por unanimidade, acolher a proposta de afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: Após a alta previdenciária, a quem incumbe o ônus da prova quanto à inequívoca comunicação ao empregador da situação jurídico-previdenciária do trabalhador, bem como quanto à comprovação da recusa de retorno ao trabalho por qualquer das partes ? Determina-se o encaminhamento dos autos à distribuição, na forma regimental.
Brasília, 29 de maio de 2025.
ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA
Ministro Presidente do TST