A C Ó R D Ã O
(3ª Turma)
GMABB/gc/mp
RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE SEGURANÇA, SAÚDE E HIGIENE. SÚMULA 736 DO STF. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA .
1. O Tribunal Regional, na hipótese, concluiu que a Justiça do Trabalho não é competente para processar e julgar ação civil pública mediante a qual se pretende o cumprimento de normas de proteção à saúde, higiene e segurança dos trabalhadores no âmbito da Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina, por se tratar o vínculo jurídico de natureza administrativa.
2. Conforme o entendimento firmado na Súmula 736 do STF, compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. Embora a leitura dos precedentes que deram origem ao Verbete revele que o Supremo Tribunal, naquela oportunidade, não examinou a exata controvérsia evidenciada nos autos , com a mesma amplitude, sinaliza, é bem verdade, a competência da Justiça do Trabalho em razão da matéria.
3. O debate, portanto, envolve o direito ao meio ambiente de trabalho (CF, arts. 225, caput, e 200, VIII) hígido e sadio, mediante o estrito e eficaz cumprimento das normas de segurança, saúde e higiene do trabalho, inserido nas atribuições do Ministério Público do Trabalho, conforme previsto no art. 85, III, da Lei Complementar nº 75/93 (" promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos "). Diante de todo o contexto, a competência para julgar e processar demanda coletiva proposta pelo MPT mediante o qual se pretende a observância de normas de saúde do trabalho no âmbito da Secretaria de Saúde Estadual é de ser desta Justiça Especializada.
4. Trata-se de autêntico distinguishing , ausente a aderência estrita ao entendimento firmado na ADI nº 3.395-6, não só por se tratar de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho, cuja causa de pedir seja o descumprimento de normas de segurança, saúde e higiene dos trabalhadores, mas, sobretudo por se tratarem as normas de saúde e segurança de aplicação geral e indistinta, que, como tais, independem da natureza do vínculo jurídico, pois todos os trabalhadores estão inseridos em seu âmbito de proteção.
5. Nesse sentido, reafirmando a jurisprudência uniformizada, o Supremo Tribunal Federal, ao examinar a Reclamação nº 3303-1/PI, Relator Ministro Ayres Brito, publicação no Dje de 16/05/2008, firmou entendimento no sentido de que " alegação de desrespeito ao decidido na ADI 3.395-MC não verificada, porquanto a ação civil pública em foco tem por objeto exigir o cumprimento, pelo Poder Público piauiense, das normas trabalhistas relativas à higiene, segurança e saúde dos trabalhadores. Reclamação improcedente. Prejudicado o agravo regimental interposto ".
6. Mais recentemente, no julgamento da Reclamação nº 59.485 AgR, Relator Ministro Roberto Barroso, DJe de 06/09/2023, na mesma linha, concluiu que " vínculo jurídico-estatutário mantido com o ente público é matéria alheia à decisão reclamada, que se dedica à análise do cumprimento de normas de saúde e segurança como forma de proteção à vida, à saúde e à integridade física de trabalhadores, garantindo o direito constitucional ao meio ambiente hígido e seguro para todos os empregados, independentemente do regime jurídico a que estejam sujeitos ".
4. A Justiça do Trabalho, portanto, é competente para processar e julgar demandas coletivas que envolvam questões relativas ao descumprimento de normas de segurança, higiene e saúde do trabalho. Precedentes.
Recurso de revista conhecido e provido .
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-738-63.2019.5.12.0001 , em que é Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 12ª REGIÃO e é Recorrido ESTADO DE SANTA CATARINA .
Irresignado, o Ministério Público do Trabalho da 12º Região interpõe recurso de revista, buscando reformar a decisão proferida pelo Tribunal Regional no tocante ao tema "Competência da Justiça do Trabalho." Aponta ofensa a dispositivo da Constituição da República, bem como transcreve arestos para confronto de teses (fls. 100/111).
O recurso foi admitido mediante o despacho de fls. 528/529.
Não foram oferecidas contrarrazões.
Sem parecer do Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
V O T O
Trata-se de recurso interposto contra acórdão publicado após a vigência da Lei nº 13.015/2014 (art. 896, § 1º-A, da CLT) e da Lei nº 13.467/2017 (demonstração prévia de transcendência da causa, conforme estabelecido nos artigos 896-A da CLT e 246 e 247 do Regimento Interno desta Corte Superior).
Ante a possível desconformidade com a jurisprudência dessa Corte Superior, reconheço a transcendência política hábil a viabilizar a sua apreciação (artigo 896-A, § 1º, II, da CLT).
Satisfeitos os pressupostos comuns de admissibilidade do recurso de revista, prossigo no exame dos pressupostos específicos, nos termos do art. 896 da CLT.
1. CONHECIMENTO
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE SEGURANÇA, SAÚDE E HIGIENE
O Tribunal Regional negou provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público do Trabalho, sob os seguintes fundamentos, transcritos nas razões do recurso de revista, a teor do que dispõe o art. 896, § 1º-A, I, da CLT:
"A Emenda Constitucional n. 45/2004 deu nova redação ao art. 114 da CF, definindo a competência da Justiça do Trabalho para julgar, entre outras, as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
No julgamento da ADI 3.395/DF, cujo acórdão foi recentemente publicado (1º/07/2020), o Supremo Tribunal Federal julgou parcialmente procedente o pedido para fixar, com aplicação de interpretação conforme à Constituição Federal, sem redução de texto, que o disposto no art. 114, I, com a redação dada pela EC n. 45/2004, não abrange as causas em que há discussão de relação jurídico-estatutária entre o Poder Público dos Entes da Federação e seus servidores.
(...)
Na minha ótica, a Súmula n. 736 do STF deve interpretada em consonância com a decisão da ADI 3.395/DF do STF, no sentido de que não se inserem no âmbito da competência da Justiça do Trabalho as lides em que a natureza do vínculo com o ente público for de natureza estatutária ou jurídico-administrativo, mesmo que tenham como causa de pedir a observância e cumprimento das normas relativas à saúde, segurança e higiene do ambiente laboral.
(...)
O objeto da discussão nos presentes autos diz respeito à observância e cumprimento de normas relativas à higiene, saúde e segurança no ambiente da Secretaria da Saúde, órgão do Estado de Santa Catarina, que têm em vista, em última análise, a proteção física e mental dos servidores públicos. O autor afirmou na petição inicial que o local conta também com trabalhadores terceirizados e acrescentou nas contrarrazões a existência de estagiários, fatos não comprovados. Contudo, a relação jurídica com estas pessoas também não é de natureza tipicamente celetista ou 'trabalhista', nos moldes do art. 114, I, da CF, conforme a interpretação do STF." (fls. 382/384)
E, em sede de Embargos de Declaração:
"Cumpre apenas observar que não se está negando vigência aos arts. 7º, XXII, e 39, § 3º, da CF, que dispõem sobre a redução e prevenção dos riscos inerentes ao trabalho. O entendimento que prevaleceu no Colegiado é de que a competência para analisar e julgar a lide é da Justiça Comum.
A matéria sub judice não se enquadra na disposição contida no art. 114, I, da CF, conforme explicitado no acórdão embargado, porque não são definidas como de 'trabalho' e sim de natureza estatutária ou jurídico administrativa as relações entre o Poder Público e os servidores a ele vinculados (fls. 394)." (fls. 396)
O Ministério Público do Trabalho da 12º Região defende a competência da Justiça do Trabalho para julgar a lide. Argumenta que o caso diz respeito à imposição de obrigação de fazer no cumprimento de normas de proteção à saúde e segurança dos trabalhadores direcionado ao Estado de Santa Catarina. Aduz que o caso dos autos não se trata de matéria que envolve vínculo jurídico estabelecido entre trabalhador e Administração Pública. Assevera que a aplicação de normas de saúde e segurança do meio ambiente da Administração Pública afeta indistintamente todo e qualquer trabalhador. Refuta a aplicação do que foi decidido na ADI 3.395/DF, citando o entendimento trazido na Súmula 736 do STF. Aponta violação aos arts. 7º, XXII, 39, §3º, e114, I e IX, da Constituição da República e traz arestos para confronto de teses.
Na hipótese, discute-se a competência da Justiça do Trabalho para julgar ação de imposição de obrigação de fazer no cumprimento de normas de proteção à saúde, higiene e segurança dos trabalhadores no âmbito da Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina, com pedido de danos morais coletivos.
O Tribunal Regional afastou a aplicação da diretriz contida na Súmula 736 do STF e adotando o entendimento da decisão proferida no julgamento da ADI 3.395/DF, reformou a sentença e declarou a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar a lide, que envolve cumprimento de normas relativas à saúde, segurança e higiene do ambiente de trabalho .
O STF, no julgamento da Medida Cautelar na ADI n° 3.395-6/DF, excluiu da competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas que sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo.
Nos termos da diretriz contida na Súmula 736 do STF, "compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores"
Conforme o entendimento firmado na Súmula 736 do STF, compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. Embora a leitura dos precedentes que deram origem ao Verbete revele que o Supremo Tribunal, naquela oportunidade, não examinou a controvérsia evidenciada nos autos com a mesma amplitude, sinaliza, é bem verdade, a competência da Justiça do Trabalho em razão da matéria.
O debate envolve o meio ambiente de trabalho (CF, arts. 225, caput, e 200, VIII) e o cumprimento das normas de segurança, saúde e higiene do trabalho por parte do Estado reclamado, inserindo-se, via de consequência, na competência desta Justiça Especializada.
Trata-se, portanto, de autêntico distinguishing , ausente a aderência estrita ao entendimento firmado na ADI nº 3.395-6, não só por se tratar de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho, cuja causa de pedir seja o descumprimento de normas de segurança, saúde e higiene dos trabalhadores, mas, sobretudo por se tratarem as normas de saúde e segurança de aplicação geral e indistinta, que, como tais, independem da natureza do vínculo jurídico, pois todos os trabalhadores estão inseridos em seu âmbito de proteção.
O Supremo Tribunal Federal, ao examinar a Reclamação nº 3303-1/PI, Relator Ministro Ayres Brito, publicação no Dje de 16/05/2008, firmou entendimento no sentido de que:
CONSTITUCIONAL. RECLAMAÇÃO. ADI 3.395-MC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA NA JUSTIÇA DO TRABALHO, PARA IMPOR AO PODER PÚBLICO PIAUIENSE A OBSERVÂNCIA DAS NORMAS DE SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA DO TRABALHO NO ÂMBITO DO INSTITUTO MÉDICO LEGAL. IMPROCEDÊNCIA. 1. Alegação de desrespeito ao decidido na ADI 3.395-MC não verificada, porquanto a ação civil pública em foco tem por objeto exigir o cumprimento, pelo Poder Público piauiense, das normas trabalhistas relativas à higiene, segurança e saúde dos trabalhadores. 2. Reclamação improcedente. Prejudicado o agravo regimental interposto.
(Rcl 3303, Relator(a): CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2007, DJe-088 DIVULG 15-05-2008 PUBLIC 16-05-2008 EMENT VOL-02319-02 PP-00312)
Mais recentemente, no julgamento da Reclamação nº 59.485 AgR, Relator Ministro Roberto Barroso, DJe de 06/09/2023, na mesma linha, concluiu que:
DIREITO CONSTITUCIONAL E DIREITO TRABALHISTA. AGRAVO INTERNO EM RECLAMAÇÃO. ALEGADA AFRONTA À ADI 3.395. AUSÊNCIA DE ESTRITA ADERÊNCIA. 1. Reclamação ajuizada em face de decisão que declarou a competência da Justiça do Trabalho para julgar ação que versa sobre descumprimento de normas de segurança e medicina do trabalho aplicáveis a trabalhadores que laboram nos hospitais públicos estaduais. 2. Ausência da necessária relação de aderência estrita entre o ato reclamado e o paradigma apontado como violado, tendo em conta que a decisão reclamada se dedica à análise do cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho como forma de proteção à vida, à saúde e à integridade física de trabalhadores, garantindo o direito constitucional a meio ambiente de trabalho hígido e seguro para todos os empregados, independentemente do regime jurídico a que estejam sujeitos. 3. Agravo interno a que se nega provimento.
(Rcl 52766 AgR, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 04/07/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 15-08-2022 PUBLIC 16-08-2022)
A matéria, efetivamente, envolve o meio ambiente de trabalho (CF, arts. 225, caput, e 200, VIII) e o efetivo cumprimento das normas de segurança, saúde e higiene do trabalho por parte do Estado reclamado, inserindo-se, via de consequência, na competência desta Justiça Especializada. A hipótese não revela aderência estrita ao entendimento firmado na ADI nº 3.395-6, sobretudo porque as normas de segurança e saúde são de aplicação geral, e independem da natureza do vínculo jurídico firmado com os trabalhadores inseridos no âmbito de proteção da norma.
Nesse sentido, os seguintes precedentes:
"RECURSO DE EMBARGOS. REGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007 . AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADEQUAÇÃO DO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. SERVIDORES ESTADUAIS ESTATUTÁRIOS. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO . 1. A eg. Quarta Turma não conheceu do recurso de revista, sob o fundamento de que a Justiça do Trabalho é incompetente para resolver controvérsias envolvendo servidor público estatutário mesmo nos casos que envolvam o meio ambiente e a segurança do trabalho e as condições de saúde do servidor. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 3.303/PI, DJe 16/05/2008, concluiu que a restrição da competência da Justiça do Trabalho para julgar as causas de interesse de servidores públicos, resultante do decidido na ADI nº 3.395/DF-MC, não alcança as ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho , cuja causa de pedir seja o descumprimento de normas de segurança, saúde e higiene dos trabalhadores. Recurso de embargos conhecido e provido " (E-ED-RR-60000-40.2009.5.09.0659, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, DEJT 30/11/2018).
"RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MPT CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA. SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA DO TRABALHO. VÍNCULO JURÍDICO ESTATUTÁRIO. O Supremo Tribunal Federal, ao definir o sentido e alcance do artigo 114, I, da Carta Magna (tema objeto da ADIn nº. 3395-DF), considerou excepcionadas da competência da Justiça do Trabalho as causas que envolvessem os servidores públicos conectados ao Poder Público pelo regime jurídico estatutário ou tipicamente jurídico-administrativas instauradas em face dos respectivos entes a que se vinculam. Entretanto, cumpre esclarecer que, não necessariamente, toda relação estabelecida entre trabalhador e Administração Pública Direta, autárquica e fundacional será submetida à apreciação da Justiça Comum. Nas ações civis públicas propostas pelo MPT cuja causa de pedir seja meio ambiente do trabalho, ainda que relacionadas a servidores públicos estatutários, há incidência da Súmula nº. 736 do STF, a qual consolidou entendimento no sentido que a Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar causas atinentes ao meio ambiente do trabalho. Com efeito, a Suprema Corte, ao apreciar reclamações constitucionais, tem decidido que a restrição da competência da Justiça do Trabalho para julgar causas de servidores públicos estatutários, nos termos decididos na ADI nº 3.395/DF, não alcança ações civis públicas propostas pelo Ministério Público do Trabalho que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. No mesmo sentido, tem decido esta Corte Trabalhista. Assim, a Corte Regional, ao julgar que a competência é da Justiça Comum, não observou que, no caso em análise, há diferença de identidade com o julgamento prolatado pelo STF na ADI nº 3.395/DF. Nesse contexto, o recurso de revista merece provimento. Recurso de revista provido" (RR-378-42.2020.5.05.0631, 2ª Turma, Relatora Ministra Liana Chaib, DEJT 01/09/2023).
"RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO . LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO EM FACE DE MUNICÍPIO. DESCUMPRIMENTO DE NORMA DE SAÚDE, HIGIENE E SEGURANÇA. PRECEDENTES. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. No sistema jurídico contemporâneo, uma das mais relevantes normas, dirigida à proteção à saúde do empregado - ainda que pouco valorizada do ponto de vista doutrinário, jurisprudencial e mesmo de atuação sindical na elaboração de acordos e convenções coletivas de trabalho - está prevista no artigo 7º, XXII, da Constituição da República, que assegura o direito à proteção dos riscos que o trabalho proporciona. Trata-se de direito multiforme, de natureza individual simples, individual homogênea e até mesmo difusa, em que se busca estabelecer diretriz a ser observada por tantos quantos a norma se dirija, no sentido de promover ações em concreto para minimizar as consequências que o labor propicia. São os denominados direitos de terceira dimensão, que ultrapassam a individualidade do ser humano, interessando a toda uma coletividade. Não só os indivíduos têm direitos; os grupos também os têm. Nesse tipo de direitos, não há titulares individualizados, por isso são considerados supra ou meta-individuais. Dizem respeito a anseios e/ou necessidades de grupos relativamente à qualidade de vida, como o direito à saúde, à qualidade e segurança dos alimentos e utensílios, à correta informação, à preservação do meio ambiente etc. Nesse panorama jurídico encontra-se o dever atribuído ao empregador de cumprimento das normas de proteção ao trabalho, delineado no artigo 157 da CLT, especialmente nos incisos I e II, que lhe impõe - aqui associado ao conceito de empresa - a obrigação genérica de atendimento às normas relativas à segurança e medicina do trabalho, além de também incluir o dever de informação - ou "de instrução", como preferiu o legislador - no tocante aos procedimentos preventivos a serem adotados na execução do labor. Evidente que tais normas se dirigem primordialmente às relações de emprego, mormente porque previstas na CLT ao lado de outras, a exemplo do disposto nos artigos 160, 162, 163, 165 e 168. Nesse contexto, a conjugação dos preceitos contidos nos incisos I e VI do artigo 114 da Constituição Federal autoriza concluir que o constituinte reformador ampliou sobremaneira tais horizontes, razões pelas quais incumbe à Justiça do Trabalho a competência para julgar ações dirigidas ao cumprimento de normas de medicina do trabalho, ou voltadas à proteção do meio ambiente do trabalho, ou mesmo a propiciarem a redução dos riscos do trabalho, propostas pelo responsável pelo respectivo cumprimento, ainda que se trate da administração pública. Na espécie, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho de obrigações consistentes em medidas assecuratórias de direitos sociais dos trabalhadores, inclusive estatutários. O Supremo Tribunal Federal e esta Corte Superior Trabalhista firmaram jurisprudência no sentido de reconhecer que, em situações excepcionais, o Poder Judiciário pode determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do Princípio da Separação de Poderes. Acresça-se que a atuação do Ministério Público do Trabalho no sentido de garantir o cumprimento de obrigações relativas à saúde, à segurança e à proteção dos trabalhadores não enseja ingerência em questão que envolva o poder discricionário do Poder Executivo, sem quebra do Princípio da Separação de Poderes. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1047-84.2018.5.20.0005, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 28/10/2022).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROMOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. MATÉRIA RELACIONADA AO DESCUMPRIMENTO DAS NORMAS DE HIGIENE E SAÚDE NO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. SÚMULA Nº 736 DO STF . Discute-se a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ação civil pública movida pelo Ministério Público do Trabalho contra o Estado da Bahia e cuja pretensão é a observância e o cumprimento das normas de higiene e segurança dos trabalhadores em hospitais do Estado em questão. No caso, o Regional considerou que " a Emenda Constitucional 45/2004 atribuiu a esta Justiça Especializada competência para processar e julgar ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendendo também a ação civil pública que visa à tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, e à responsabilização por danos causados ao meio ambiente de trabalho e à dignidade dos trabalhadores ". Destacou a Corte de origem que " a controvérsia trazida a lume na presente lide diz respeito às condições de higiene e segurança de labor, fato reconhecido pelo Reclamado no que se refere à existência de trabalhadores submetidos ao regime celetista no ambiente laboral objeto de questionamento pelo Parquet " (grifou-se). Nesse contexto, com fundamento na Súmula nº 736 do STF, o Tribunal a quo concluiu pela competência da Justiça do Trabalho para o julgamento da demanda em exame. Ressalta-se que o entendimento consolidado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consubstanciado na Súmula nº 736, firmou-se no sentido de que "compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores". Com efeito, independentemente da natureza jurídica do vínculo entre as partes, em se tratando de ação que versa sobre o cumprimento de normas de saúde, higiene e medicina do trabalho, como é o caso dos autos, a competência é da Justiça do Trabalho. Por estar o acórdão regional em consonância com a jurisprudência prevalecente nesta Corte superior, não há falar em ofensa ao artigo 114, inciso I, da Constituição da República, além de ser inviável o exame da divergência jurisprudencial suscitada, nos termos do artigo 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST." (AIRR-547-81.2017.5.05.0001, 3ª Turma, Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta, DEJT 21/10/2022).
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.015/2014. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. MEIO AMBIENTE DE TRABALHO. NORMAS RELATIVAS À SEGURANÇA, HIGIENE E SAÚDE. SERVIDORES ESTATUTÁRIOS. SÚMULA 736/STF. Caso em que o Tribunal Regional concluiu que esta Justiça Especializada é competente para processar e julgar os feitos relativos às normas de saúde e segurança concernentes ao meio ambiente laboral de servidores estatutários. Dispõe a Súmula 736 do STF que " compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores ". Cumpre ressaltar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, em sua composição plenária, no julgamento da Reclamação 3.303/PI, destacou que a limitação da competência da Justiça do Trabalho, imposta no julgamento da ADI 3.395, não abarca as ações civis públicas que versem sobre normas de segurança, saúde e higiene do meio ambiente de trabalho. Assim, não há como divisar ofensa ao art. 114, I, da CF, uma vez que a Corte de origem, ao aplicar a diretriz da Súmula 736/STF, decidiu em sintonia com a jurisprudência desta Corte. Incidem a Súmula 333/TST e o artigo 896, § 7º, da CLT como óbices ao processamento da revista. Decisão monocrática mantida com acréscimo de fundamentação. Agravo não provido" (Ag-AIRR-10825-58.2014.5.14.0402, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 11/02/2022).
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO- AUTOR. LEI 13.467/2017. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. SERVIDOR PÚBLICO ESTATUTÁRIO. MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. 1. O entendimento jurisprudencial do STF acerca da matéria em discussão demonstra que a limitação de competência imposta à Justiça do Trabalho pela decisão daquela Corte na ADI 3395-6 não alcança as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores. 2. O Supremo Tribunal Federal e esta Corte Superior Trabalhista firmaram jurisprudência no sentido de reconhecer que, excepcionalmente, o Poder Judiciário pode determinar a adoção, Administração Pública, de medidas assecuratórias de direitos fundamentais, sem que isso configure violação do Princípio da Separação de Poderes. 3. Quando se trata da administração pública, convivem, no mesmo ambiente laboral, pessoas detentoras de diferentes vínculos: servidores públicos estatutários, empregados públicos regidos pela CLT, servidores contratados por tempo determinado (Lei 8.745/93), trabalhadores prestadores de serviços terceirizados e estagiários. As condições de segurança, saúde e higiene de trabalho previstas em Normas Regulamentadoras afetam a todos os trabalhadores indistintamente, sendo que não está em discussão a natureza do vínculo empregatício. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-431-16.2019.5.12.0032, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 17/12/2021).
Assim, o Tribunal Regional ao declarar a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar a lide incorreu ofensa ao art. 114, I, da Constituição Federal.
Logo, CONHEÇO do recurso de revista por violação ao art. 114, I, da Constituição da República.
2. MÉRITO
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESCUMPRIMENTO DE NORMAS DE SEGURANÇA, SAÚDE E HIGIENE
Em face do conhecimento do recurso, por ofensa ao art. 114, I, da Constituição Federal, DOU-LHE PROVIMENTO para, restabelecendo a sentença, afastar a declaração de incompetência da Justiça do Trabalho e determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional do Trabalho de origem, para que prossiga no exame do feito, como entender de direito.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por ofensa ao art. 114, I, da Constituição Federal, e, no mérito, dar-lhe provimento para, restabelecendo a sentença, afastar a declaração de incompetência da Justiça do Trabalho e determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional do Trabalho de origem, para que prossiga no exame do feito, como entender de direito .
Brasília, 4 de outubro de 2023.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
ALBERTO BASTOS BALAZEIRO
Ministro Relator