A C Ó R D Ã O

Tribunal Pleno

ACV/czp/sp/pp

REPRESENTATIVO PARA REAFIRMAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. INCIDENTE DE RECURSO REPETITIVO. BASE DE CÁLCULO DAS COMISSÕES. VENDAS A PRAZO. JUROS E DEMAIS ENCARGOS FINANCEIROS. Diante da manifestação de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho e da C. SBDI-1 indica-se a matéria a ter a jurisprudência reafirmada, em face das seguintes questões jurídicas: (1) Definir se as despesas com juros e encargos financeiros em vendas a prazo integram a base de cálculo das comissões devidas ao empregado; (2) Verificar a validade de ajustes em sentido contrário, que excluem tais despesas da base de cálculo, conforme exceção já evidenciada pela jurisprudência pacificada nesta Corte. Para o fim de consolidar a jurisprudência pacificada no Tribunal Superior do Trabalho, deve ser acolhido o Incidente de Recurso de Revista para o fim de fixar a seguinte tese vinculante: As comissões devidas ao empregado vendedor, em razão de vendas a prazo, devem incidir sobre o valor total da operação, incluídos os juros e demais encargos financeiros, salvo se houver pactuação em sentido contrário.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo nº TST- RRAg - 0011255-97.2021.5.03.0037 , em que são AGRAVANTES WEVERTON CRISTIANO DE MENDONCA DA SILVA e MAGAZINE LUIZA S/A e são AGRAVADOS WEVERTON CRISTIANO DE MENDONCA DA SILVA e MAGAZINE LUIZA S/A , é RECORRENTE MAGAZINE LUIZA S/A e é RECORRIDO WEVERTON CRISTIANO DE MENDONCA DA SILVA .

Os presentes recursos são representativos de controvérsia que, a despeito de estar pacificada nas oito turmas e na Subseção 1 de Dissídios Individuais do TST, ainda enseja elevada recorribilidade, em razão de resistente divergência entre os Tribunais Regionais, colocando em risco a segurança jurídica e a missão constitucional deste Tribunal Superior, enquanto Corte de Precedentes responsável pela unidade nacional do direito, nas matérias de sua competência.

A utilização da sistemática de demandas repetitivas tem por finalidade aumentar a segurança jurídica proporcionada ao jurisdicionado, pois consolida a jurisprudência e reduz, consequentemente, a litigiosidade nas Cortes superiores.

Apresentada a proposta pela afetação dos processos RRAg - 11255-97.2021.5.03.0037, e RRAg - 1001661-54.2023.5.02.0084 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de examinar a possibilidade de reafirmação de jurisprudência da Corte, nos termos do art. 132-A e parágrafos, do RITST, com o fim de dirimir a seguinte questão jurídica:

As despesas com juros e demais encargos financeiros sobre as vendas a prazo são dedutíveis das comissões devidas ao empregado, ou integram a base de cálculo das comissões, salvo ajuste em sentido contrário?

É o relatório.

V O T O

ADMISSIBILIDADE DE INCIDENTE DE RECURSO DE REVISTA REPETITIVO PARA REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TST

A formação de precedentes obrigatórios constitui um dos principais mecanismos de gestão processual introduzidos pelo legislador nas últimas décadas. É essencial seja enfrentado de forma célere, coerente e isonômica o exponencial crescimento da demanda – que saltou de 430.850 processos recebidos em 2023, para 530.021 processos em 2024, a despeito de reiterados recordes de produtividade. São números incompatíveis com a estruturação do Poder Judiciário, cujas cortes de vértice são funcionalmente destinadas a dirimir as novas controvérsias nacionais, sem repetição do mesmo labor já realizado nas instâncias ordinárias, sob pena de comprometimento da isonomia, segurança jurídica e razoável duração do processo (CF, art. 5º, caput e LXXVIII).

Assim é que esta Corte Superior, com inspiração na prática já tradicional no Supremo Tribunal Federal, para fins de maior celeridade na formação de precedentes obrigatórios em matérias já conhecidas e sedimentadas, adotou fluxo procedimental (cf. Emenda Regimental n. 7, de 25/11/2024 ), segundo o qual:

“Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 2º As disposições dos arts. 133 e 134 do Regimento Interno são aplicáveis, no que couber, ao procedimento de afetação do incidente de recurso repetitivo, vedada em qualquer caso a remessa do processo inserido em sessão virtual à sessão presencial , para os fins previstos no caput deste artigo. (...)

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.

§ 6º Quando designada sessão virtual para afetação de incidente de recursos repetitivos, com proposta de reafirmação de jurisprudência, eventuais sustentações orais quanto ao mérito deverão ser necessariamente juntadas por meio eletrônico , após a publicação da pauta e até 48 horas antes de iniciado o julgamento em ambiente virtual.”

Compete ao Presidente do Tribunal “ indicar recurso representativo da controvérsia, dentre aqueles ainda não distribuídos, submetendo-o ao Tribunal Pleno para fins de afetação de IRR (...) , inclusive mediante reafirmação de jurisprudência ” (RITST, art. 41, XLVII), quando houver “ multiplicidade de recursos de revista (...) fundados em idêntica questão de direito , (...) considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros da Subseção ou das Turmas do Tribunal ”.

Quanto à multiplicidade do debate sobre tal questão no Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de já estar aqui sedimentada, veja-se que simples consulta ao acervo jurisprudencial do TST a partir dos termos “ diferenças de comissões ”, “ base de cálculo ” e “ a prazo ” revelou, para os últimos 12 meses, 147 acórdãos e 854 decisões monocráticas sobre o tema jurídico em exame.

A relevância da formação de precedente obrigatório sobre o tema, se configura justamente pelo fato de que a jurisprudência persuasiva desta Corte não se mostrou, até o presente, suficiente para garantir a unidade do Direito nacional em relação a tal matéria, havendo entendimentos dissonantes nos Tribunais Regionais, os quais ainda fomentam elevada recorribilidade.

O posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho pode ser sintetizado no sentido de que as despesas com juros e demais encargos financeiros sobre as vendas a prazo integram a base de cálculo das comissões devidas ao empregado, sendo ilícita sua “reversão”, uma vez que transfere para o trabalhador os riscos da atividade econômica, em ofensa ao art. 2º da CLT, salvo quando houver pactuação em sentido contrário.

Em tal sentido transcreve-se precedentes de todas as suas Turmas:

"AGRAVO INTERNO EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. BASE DE CÁLCULO DAS COMISSÕES. VENDA A PRAZO. HIPÓTESE EM QUE A DECISÃO AGRAVADA COADUNA-SE COM A JURISPRUDÊNCIA DO TST. Por decisão monocrática, foi determinado o pagamento de diferenças de comissões em razão de sua incidência sobre vendas parceladas. In casu, conforme pontuado na decisão agravada, o Regional proferiu decisão em sintonia com a jurisprudência do TST, razão pela qual o apelo encontra óbice no art. 896, § 7.º, da CLT e na Súmula n.º 333 do TST. Agravo conhecido e não provido" (Ag-RR-1090-77.2019.5.12.0047, 1ª Turma , Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 26/06/2023).

"AGRAVO INTERNO. RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. DIFERENÇAS DE COMISSÕES - VENDAS A PRAZO - INTEGRAÇÃO DOS JUROS E ENCARGOS FINANCEIROS. A jurisprudência desta Corte, interpretando o artigo 2º da Lei nº 3.207/57 em conjunto com o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho, tem prevalecido no sentido de que fere o princípio da alteridade os descontos incidentes sobre as comissões das vendas realizadas a prazo, isso porque os riscos da atividade econômica recaem sobre o empregador. Assim, a decisão agravada, ao entender que a Lei nº 3.207/57 não faz distinção entre o preço à vista e o preço a prazo para fins de cálculo de comissões, sendo indevidos os descontos incidentes sobre as comissões das vendas realizadas a prazo, decidiu em conformidade com a jurisprudência pacificada Deste Tribunal Superior. Aplica-se o teor restritivo do artigo 896, § 7º, da CLT e da Súmula 333 do TST. Agravo interno não provido" (Ag-RR-1000083-59.2020.5.02.0602, 2ª Turma , Relatora Ministra Liana Chaib, DEJT 28/06/2024).

"... B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . DIFERENÇAS DE COMISSÕES SOBRE VENDA A PRAZO. A Lei 3.207/57, que regulamenta as atividades dos empregados vendedores, estabelece em seu art. 2º: " Art 2º O empregado vendedor terá direito à comissão avençada sobre as vendas que realizar. No caso de lhe ter sido reservada expressamente, com exclusividade, uma zona de trabalho, terá esse direito sobre as vendas ali realizadas diretamente pela empresa ou por um preposto desta ". Observa-se, pois, que a Lei não faz distinção entre o preço à vista e o preço a prazo para o fim de incidência de comissões sobre vendas . A norma tampouco faz menção ao contrato de financiamento havido entre o consumidor e a empresa nas vendas a prazo. Desse modo, a forma de remuneração efetuada pela Reclamada, sem o pagamento de comissões sobre a parcela do preço relativa ao financiamento, para prevalecer, deveria ter sido expressamente acordada entre empregado e empregadora. Inexistindo, no acórdão regional, informações acerca da existência de ajuste a respeito de descontos ou da forma de pagamento praticada pela Reclamada, prevalece o entendimento de que incidem comissões sobre o financiamento nas vendas feitas a prazo. Vale registrar, ainda, que esta Corte entende pela impossibilidade de se descontar, da base de cálculo das comissões do empregado, os encargos financeiros decorrentes da venda a prazo, pois, nos moldes do art. 2º da CLT, não se transfere para o empregado o risco da atividade econômica. Julgados desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-12077-25.2017.5.15.0027, 3ª Turma , Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 02/12/2022).

"AGRAVO INTERNO INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 . COMISSÕES. VENDAS A PRAZO. NÃO INCIDÊNCIA DE JUROS E ENCARGOS FINANCEIROS PARA APURAÇÃO DAS COMISSÕES . PREVISÃO NO CONTRATO DE TRABALHO. ACÓRDÃO REGIONAL EM SINTONIA COM O ENTENDIMENTO DA SBDI-1 DO TST. INTRANSCENDÊNCIA CONFIRMADA. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO. I. Recentemente, a SBDI-1 do TST, no julgamento do E-RRAg-661-28.2021.5.10.0102, decidiu que " as comissões devidas ao empregado vendedor, em razão de vendas a prazo, devem incidir sobre o valor total da operação, aí incluídos os juros e os eventuais encargos financeiros, salvo pactuação em sentido contrário, [...] " (DEJT de 07/06/24, Rel. Min Hugo Carlos Scheuermann), colocando uma pá de cal na discussão atinente à base de cálculo das comissões sobre vendas a prazo. II. No caso dos autos, a Corte originária pontuou, no acórdão recorrido, que " as partes ajustaram que o valor das comissões era calculado sobre o valor da venda à vista, conforme contrato de trabalho assinado pelo reclamante por meio de senha pessoal" (pág. 692 do doc. seq. eletr. nº 3). III. Assim, havia previsão contratual em relação à forma de pagamento das comissões sobre vendas a prazo , o que deve ser respeitado. IV. Decisão agravada que se mantém , confirmando-se a intranscendência da causa. V. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento " (Ag-AIRR-24138-93.2023.5.24.0046, 4ª Turma , Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 22/11/2024).

"RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.467/2017. DIFERENÇAS DAS COMISSÕES. CÁLCULO COM DESCONTO DE ENCARGOS FINANCEIROS. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CARACTERIZADA. 1. De acordo com o artigo 896-A da CLT, o Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, deve examinar previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica. Embora a controvérsia objeto do recurso de revista não represente " questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista ", nos termos do art. 896-A, IV, da CLT, há decisões dissonantes no âmbito desta Corte, o que configura a transcendência jurídica da matéria em debate. Cito os seguintes julgados divergentes quanto à possibilidade incidência de comissões sobre juros e encargos financeiros das vendas a prazo: RR-20076-97.2015.5.04.0029, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 20/09/2019 e RR-12278-81.2016.5.15.0114, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 18/10/2019. 2. No Presente caso, o Tribunal Regional entendeu ser indevida a incidência de comissões sobre os juros e encargos financeiros, ao fundamento de que no valor das vendas a prazo já estão embutidas os encargos dos financiamentos, cujo risco é exclusivo do empregador. 3. A jurisprudência deste TST, ao interpretar o disposto no artigo 2º da Lei 3.207/1957, tem se posicionado no sentido de que a norma não faz qualquer distinção entre preço à vista e o preço a prazo para fins de cálculo das comissões sobre vendas, não havendo, pois, falar em restrição em relação à dedução de juros e multas, em caso de vendas parceladas. Desse modo, entende-se que o cálculo das comissões deve incidir sobre o valor final pago pelo cliente, exceto se houver sido pactuado entre as partes que as comissões serão pagas sobre o valor à vista, o que não é o caso dos autos. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-11484-55.2017.5.03.0180, 5ª Turma , Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 19/06/2020).

"I - AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMANTE. RECURSO DE REVISTA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. DIFERENÇAS DE COMISSÕES. VENDAS PARCELADAS. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. No caso, discute-se a inclusão dos juros e encargos financeiros na base de cálculo das comissões sobre vendas parceladas. O Regional deixou claro que "a Instrução Normativa nº 01/2014 (Id Saf9cd8), carreada aos autos pela reclamada, que se encontra devidamente assinada pelo reclamante, estabelece expressamente que "sobre encargos financeiros incidentes sobre as vendas financiadas ou a prazo, não incidirá comissões". O reclamante insiste na aplicação do valor total da venda para cálculo das comissões. Aponta violação dos artigos 7º, X, da CF, 457 e 464 da CLT, além de colacionar arestos. A decisão recorrida está em sintonia com a jurisprudência desta Corte, no sentido de que os juros e encargos incidentes sobre as vendas a prazo integram a base de cálculo das comissões, desde que não haja ajuste em contrário entre as partes. O exame prévio dos critérios de transcendência do recurso de revista revela a inexistência de qualquer deles a possibilitar o exame do apelo no TST. A par disso, irrelevante perquirir a respeito do acerto ou desacerto da decisão agravada, dada a inviabilidade de processamento, por motivo diverso, do apelo anteriormente obstaculizado. Agravo de instrumento não provido. II – (...). (RRAg-10110-70.2021.5.18.0010, 6ª Turma , Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 14/10/2022).

"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA (FAST SHOP S.A.) EM FACE DE ACÓRDÃO PUBLICADO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. COMISSÕES - VENDAS A PRAZO - ENCARGOS COM A ADMINISTRADORA DOS CARTÕES DE CRÉDITO - DESCONTOS INDEVIDOS. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA . (alegação de violação dos artigos 5º, II, da Constituição Federal, 2º, 457 e 468 da Consolidação das Leis do Trabalho e divergência jurisprudencial). O processamento do recurso de revista na vigência da Lei 13.467/2017 exige que a causa apresente transcendência com relação aos aspectos de natureza econômica, política, social ou jurídica (artigo 896-A da CLT). Sucede que, pelo prisma da transcendência, o recurso de revista patronal não atende a nenhum dos requisitos referidos. Recurso de revista não conhecido" (RR-21368-13.2016.5.04.0020, 7ª Turma , Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 10/06/2022).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. COMISSÕES. DIFERENÇAS. VENDAS A PRAZO. A jurisprudência desta Corte Superior tem se posicionado no sentido de que, não havendo ajuste entre as partes, as comissões são devidas sobre o valor das vendas a prazo, incluídos os juros decorrentes de financiamento ao consumidor, e não sobre o valor à vista. No caso, consta que o pagamento das comissões tinha previsão na Instrução Normativa SP 02/2006 e que " estava, portanto, expressamente acordado entre empregado e empregadora (...) que poderia o pagamento das comissões de vendas a prazo ser efetuado com base no valor à vista do produto vendido ". Diante de tais premissas fáticas, não se verifica ofensa direta ao artigo 7º, X, da CF, tampouco à literalidade dos artigos 457 e 462 da CLT; e 2º, caput , da Lei n° 3.207/57. Arestos inservíveis. 2. MULTA POR EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PROTELATÓRIOS. Inviável o conhecimento do recurso de revista por ofensa ao artigo 5º, LV, da CF, ante a constatação pelo Regional de que os embargos declaratórios tinham como escopo protelar o feito, sendo certo que a imposição da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do CPC reside no poder discricionário do Juízo, não subsistindo razões para afastá-la no caso em exame. Agravo de instrumento conhecido e não provido" (AIRR-11699-24.2017.5.18.0015, 8ª Turma , Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 10/02/2020).

A c. SDI1, em decisão unânime, se manifestou no mesmo sentido:

"RECURSO DE EMBARGOS. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. DIFERENÇAS DE COMISSÕES. BASE DE CÁLCULO. VENDAS A PRAZO. INCLUSÃO DOS JUROS E ENCARGOS FINANCEIROS. Nos termos do art. 2º da Lei 3.207/57, as comissões devidas ao empregado vendedor, em razão de vendas a prazo, devem incidir sobre o valor total da operação, aí incluídos os juros e os eventuais encargos financeiros, salvo pactuação em sentido contrário, não verificada no caso dos autos. Recurso de embargos conhecido e provido" (E-RRAg-661-28.2021.5.10.0102, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais , Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 07/06/2024).

No entanto, após levantamento, verificou-se que há divergência nos Tribunais Regionais quanto ao tema, conforme se transcreve:

“VENDAS PARCELADAS. PAGAMENTO DE COMISSÕES. O valor da mercadoria não se confunde com aquele majorado pelos encargos inerentes ao seu financiamento, tratando-se, em verdade, de uma operação financeira realizada à parte, para viabilizar a transação comercial, envolvendo, dessa forma, um agente financeiro, quem efetivamente lucrará com o financiamento e assumirá o risco desse negócio. Somente por meio de acerto contratual específico, poderia a reclamante vir a ser credora do valor majorado obtido com o financiamento, do que, como outros tantos pontos deste processo, ela nada demonstra sobre o direito perseguido. Logo, incabível o pagamento de comissões sobre o valor da mercadoria acrescido de encargos do financiamento, determinando a improcedência do pedido formulado pela reclamante”. ( TRT da 1ª Região - 0100397-56.2021.5.01.0203 - Data de assinatura: 09.11.2022; DJE: 10/11/2022; Órgão Julgador: 8ª Turma; Relator(a): Roque Lucarelli Dattoli – evidenciando o raciocínio oposto, de que os encargos financeiros não estariam incluídos, salvo pactuação em contrário).

 “DIFERENÇAS DE COMISSÕES. VENDA PARCELADA. JUROS DE FINANCIAMENTO. É indevida a incidência de comissões sobre os juros e encargos de financiamento da venda parcelada. Assim, indevida a incidência de comissão sobre tais valores, já que a reclamante recebia comissão incidente sobre o preço à vista.  ... Independentemente do caso (venda no cartão ou parcelada), não se há falar no direito ao recebimento de comissão sobre os juros ou os encargos financeiros. Juro é o preço do dinheiro e encargos financeiros são despesas. Esses itens não se referem à mercadoria vendida e não integram o valor das comissões percebidas pela autora, mas integram o custo do financiamento do bem, do qual o empregado não participa, é risco do negócio”. ( TRT da 5ª Região ; Processo: 0000086-75.2021.5.05.0161; Data de assinatura: 18-05-2022; Órgão Julgador: Gabinete Processante de Recursos - Quarta Turma; Relator(a): MARIA DAS GRACAS OLIVA BONESS).

“...Comissões sobre vendas parceladas. Insiste a reclamante na sua tese de que faz jus a comissões sobre o acréscimo dos juros nas vendas parcelas, argumentando, em síntese, que os juros representam obtenção de lucro pela reclamada, que possui a sua própria financeira e que o vendedor oferece este produto parcelado. Sem razão. O entendimento desta C. Câmara é no sentido de que no caso de financiamento (crediário) as comissões não devem incidir sobre o total da venda, ou seja, valor do produto + os juros, porquanto os juros do financiamento são devidos ao banco ou financeira, mesmo que esta seja de propriedade da reclamada. Especificamente em face da empresa reclamada neste sentido foi a decisão desta 7ª Câmara no Processo n. 0010557-72.2021.5.15.0097, da relatoria do Desembargador Roberto Nóbrega de Almeida Filho, em sessão realizada no dia 22/09/2022. Para ilustrar, transcrevo trecho da fundamentação: (...) Mantenho o indeferimento da origem”. ( TRT da 15ª Região - 0010988-48.2020.5.15.0063-ROT, 17/05/2023, 7ª Câmara, Relator ANDRE AUGUSTO ULPIANO RIZZARDO).

Por outro lado, o representativo definido para alçar o tema a debate, que cumpre os requisitos para ensejar o exame de mérito do tema, também evidencia dissenso em relação à posição do TST, sendo que as duas questões trazidas encontram-se definidos de modo diverso desta c. TST pelos Tribunais Regionais do Trabalho da 3ª e da 2ª Regiões.

No leading case RRAg - 11255-97.2021.5.03.0037 , o TRT da 3ª Região não admite a dedução dos juros, ainda que isto tenha sido expressamente pactuado. Já no leading case RRAg - 1001661-54.2023.5.02.0084, o TRT da 2ª Região admite a dedução dos juros, em caso no qual inexiste pactuação para tanto.

Quanto ao processo RRAg - 11255-97.2021.5.03.0037 foi admitido o recurso de revista, por violação de dispositivo constitucional, conforme se transcreve a seguir:

“No tocante à incidência de comissões sobre o financiamento nas vendas feitas a prazo, consta do acórdão (Id.4ed7ed9):

‘É incontroverso nos autos que a parte reclamante realizava vendas de produtos, seguros e serviços e recebia comissões incidentes apenas sobre o valor do produto à vista, sem os encargos de financiamento, taxas e juros. (...) A lei não excepcionou quaisquer valores das operações de venda, para efeito de cálculo das comissões, razão pela qual a verba deve ser computada sobre o valor total faturado em cada negócio, independentemente da forma mediante a qual se processa o pagamento. (...) Portanto, o desconto dos encargos financeiros incidentes sobre as vendas parceladas, para somente então calcular as comissões, constitui procedimento manifestamente ilegal, à luz dos mencionados artigos 2º e 4º da Lei 3.207/57 e 462 da CLT. (...) Em sua defesa, aduziu a parte reclamada: "(...) as partes pactuaram, expressamente, desde a contratação, que os juros das vendas realizadas à prazo não integrariam a base de cálculo de suas comissões, inexistindo motivos para a sua desconsideração (cf. arts. 442 e 444 da CLT). (...)" (ID. abc5915 - Pág. 24 - fls. 166 do pdf). Ocorre que tal pactuação é abusiva, visto que os vendedores acabam por assumir, juntamente com a empresa, os riscos/encargos das vendas realizadas a prazo’. (Acórdão do RO) - observância do exposto no art. 896, §1º-A, I, da CLT.

Considerando que a tese adotada no acórdão recorrido, também encampada pela Tese Jurídica Prevalecente 3 do TRT da 3ª Região, está em desacordo com a iterativa jurisprudência do TST no sentido de que, em casos envolvendo relação de emprego, são (...) indevidos os descontos dos encargos financeiros decorrentes de vendas a prazo no cálculo das comissões dos empregados, porquanto o art. 2º da CLT veda a transferência do risco da atividade econômica do empregador e de que (...) o cálculo das comissões deve incidir sobre o valor final pago pelo cliente, exceto se houver sido pactuado entre as partes que as comissões serão pagas sobre o valor à vista , a exemplo dos seguintes julgados, dentre vários: Ag-E-ED- Ag-AIRR-10016-75.2017.5.03.0012, SBDI-I, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 18/06/2021; E-RR-1846-18.2011.5.03.0015, SBDI-I, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 06/12/2019; Ag-AIRR-10679-50.2016.5.03.0144, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 20/10/2023; Ag-RRAg-25004- 03.2018.5.24.0006, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 01/12 /2023; RRAg-10758-92.2021.5.03.0034, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 12/04/2024; RR-20076-97.2015.5.04.0029, 4ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 20/09/2019; Ag-AIRR-776-10.2019.5.06.0012, 5ª Turma, Relatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 23/02/2024; Ag-RR-11038- 54.2015.5.03.0008, 6ª Turma, Relatora Ministra Katia Magalhães Arruda, DEJT 10/09 /2021; Ag-AIRR-11181-92.2017.5.03.0066, 7ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 17/11/2023 e RRAg-0010442-15.2018.5.03.0057, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes, DEJT 30/05/2022, recebo o recurso de revista, por possível violação do artigo 5º, II, da Constituição da República ” (fls. 2.248/2.249).

Quanto ao processo RRAg - 1001661-54.2023.5.02.0084 , foi admitido o recurso de revista por violação do art. 2º da Lei 3.207/57 :

DIREITO INDIVIDUAL DO TRABALHO (12936) / VERBAS REMUNERATÓRIAS, INDENIZATÓRIAS E BENEFÍCIOS (13831) / COMISSÕES E PERCENTUAIS

Alegação(ões):

O recorrente sustenta que as comissões devidas ao empregado vendedor, em razão de vendas a prazo, devem incidir sobre o valor total da operação, aí incluídos os juros e os eventuais encargos financeiros, salvo pactuação em sentido contrário, o que não se verifica no caso dos autos.

Consta do v. acórdão:

"Vendas parceladas - cálculo sobre valor da venda à vista

Postula o reclamante o pagamento de diferenças de comissões pelos valores das vendas parceladas com acréscimos dos custos financeiros.

Sem razão.

Consideram-se efetuadas as vendas quando concluída a transação. Desse modo, os juros advindos de parcelamentos não fazem parte da base de cálculo das comissões , porque não fazem parte da venda feita pela parte autora. Os custos de parcelamento não integram o produto, mas o empréstimo de capital necessário para o pagamento diluído ao longo do tempo, fugindo da alçada do vendedor sua contratação ou não.

Entender em sentido contrário seria o mesmo que incentivar o empregado a vender produtos de maneira parcelada com custos monetários embutidos, custos esses que nem mesmo são dirigidos à reclamada, mas à empresa financeira responsável pela transação.

Nada a reformar. "

O Tribunal Superior do Trabalho firmou o entendimento de que, nos termos do art. 2º da Lei 3.207/57, as comissões devidas ao empregado vendedor, em razão de vendas a prazo, devem incidir sobre o valor total da operação, aí incluídos os juros e os eventuais encargos financeiros, salvo pactuação em sentido contrário, o que não se verifica no caso dos autos.

Precedentes: E-RRAg-661-28.2021.5.10.0102, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Hugo Carlos Scheuermann, DEJT 07/06/2024; Ag-RR-1090-77.2019.5.12.0047, 1ª Turma, Relator Ministro Luiz José Dezena da Silva, DEJT 26/06/2023; Ag-AIRR-2002-32.2014.5.02.0046, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 20/04/2023; RR-10754-28.2020.5.18.0081, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 02/06/2023; Ag-RRAg-957- 24.2020.5.10.0801, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 23/06/2023; RRAg- 1000857-64.2019.5.02.0363, 6ª Turma, Relatora Ministra Kátia Magalhães Arruda, DEJT 28/04/2023; RR-101188-61.2017.5.01.0204, 7ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 12/05/2023; AIRR-11482-60.2017.5.03.0059, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 28/05/2021.

Pelo exposto, aconselhável o seguimento do apelo, para prevenir possível violação ao art. 2º da Lei 3.207/57. RECEBO o recurso de revista.

Dessa forma, demonstrado que a jurisprudência pacífica desta Corte encontra resistência nas instâncias ordinárias, forçoso reconhecer a necessidade de uniformizar a matéria, por meio do presente Incidente de Recurso de Revista, para reafirmação da jurisprudência do c. TST.

Nos termos do § 5º do art. 132-A do Regimento Interno, procede-se à reafirmação da jurisprudência desta c. Corte:

Art. 132-A. A proposta de afetação do incidente de recurso repetitivo (...) será necessariamente incluída em pauta de sessão virtual e deverá conter o tema a ser afetado.

§ 5º O julgamento de mérito do incidente de recurso repetitivo, no caso de mera reafirmação de jurisprudência dominante da Corte, também será realizado por meio do Plenário Eletrônico, na mesma sessão virtual que decide sobre a proposta de afetação.

A atuação qualificada e célere do Tribunal Superior do Trabalho sob o rito dos recursos repetitivos converge para sua finalidade precípua como Corte de precedentes – ainda com mais razão nestes casos em que já produziu jurisprudência pacificada sobre a matéria, bastando que haja sua reafirmação sob rito destinado à conversão em precedente obrigatório, de modo a evitar a divergência de julgamentos nas instâncias ordinárias.

Como já mencionado, a posição consolidada do Tribunal Superior do Trabalho é no sentido de que as despesas com juros e demais encargos financeiros sobre as vendas a prazo integram a base de cálculo das comissões devidas ao empregado, sendo ilícita sua “reversão”, uma vez que transfere para o trabalhador os riscos da atividade econômica, salvo quando houver pactuação em sentido contrário, conforme precedentes de todas as suas Turmas, assim como da SBDI-1, já transcritos acima.

A Lei 3.207/57, que regulamenta as atividades dos empregados vendedores, estabelece em seu art. 2º: " Art 2º O empregado vendedor terá direito à comissão avençada sobre as vendas que realizar. No caso de lhe ter sido reservada expressamente, com exclusividade, uma zona de trabalho, terá esse direito sobre as vendas ali realizadas diretamente pela empresa ou por um preposto desta ".

Observa-se, pois, que a Lei não faz distinção entre o preço à vista e o preço a prazo para o fim de incidência de comissões sobre vendas. A norma tampouco faz menção ao contrato de financiamento havido entre o consumidor e a empresa nas vendas a prazo. Desse modo, a forma de remuneração efetuada pela Reclamada, sem o pagamento de comissões sobre a parcela do preço relativa ao financiamento, para prevalecer, deveria ter sido expressamente acordada entre empregado e empregadora. Vale registrar, ainda, que esta Corte tem o entendimento pela impossibilidade de se descontar, da base de cálculo das comissões do empregado, os encargos financeiros decorrentes da venda a prazo, pois, nos moldes do art. 2º da CLT, não se transfere para o empregado o risco da atividade econômica. Julgados desta Corte (em tal sentido, o RR-12077-25.2017.5.15.0027, 3ª Turma , Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 02/12/2022).

Por outro lado, recentemente, a SBDI-1 do TST, no julgamento do E-RRAg-661-28.2021.5.10.0102, decidiu que " as comissões devidas ao empregado vendedor, em razão de vendas a prazo, devem incidir sobre o valor total da operação, aí incluídos os juros e os eventuais encargos financeiros, salvo pactuação em sentido contrário, [...] " (DEJT de 07/06/24, Rel. Min Hugo Carlos Scheuermann), retirando quaisquer dúvidas remanescentes quanto à base de cálculo das comissões sobre vendas a prazo (no mesmo sentido, por exemplo, Ag-AIRR-24138-93.2023.5.24.0046, 4ª Turma , Relator Ministro Alexandre Luiz Ramos, DEJT 22/11/2024).

Do julgamento conjunto de ambos os casos concretos afetados, extrai-se a reafirmação da mesma ratio decidendi antes firmada no recente julgamento da SBDI-1 transcrito acima, cuja tese pode ser fixada nos seguintes termos:

As comissões devidas ao empregado vendedor, em razão de vendas a prazo, devem incidir sobre o valor total da operação, incluídos os juros e demais encargos financeiros, salvo se houver pactuação em sentido contrário.

Conheço, portanto, do presente recurso, por violação do art. 5º, II, da Constituição Federal e por divergência jurisprudencial e, no mérito, dou-lhe provimento, aplicando a tese ora reafirmada excluir da condenação os juros e encargos financeiros das vendas a prazo da base de cálculo das comissões do recorrido.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – Acolher a proposta de afetação do incidente de recurso de revista, para reafirmar a jurisprudência deste Tribunal, quanto à matéria, fixando a seguinte tese obrigatória para o presente Incidente de Recursos Repetitivos: As comissões devidas ao empregado vendedor, em razão de vendas a prazo, devem incidir sobre o valor total da operação, incluídos os juros e demais encargos financeiros, salvo se houver pactuação em sentido contrário. II – Conhecer do recurso de revista no tema objeto do representativo, por violação do art. 5º, II, da Constituição Federal e por divergência jurisprudencial e, no mérito, dar-lhe provimento, aplicando a tese ora reafirmada para excluir da condenação os juros e demais encargos financeiros das vendas a prazo da base de cálculo das comissões do recorrido. III – Determinar a redistribuição a uma das Turmas desta Corte, na forma regimental, para fins do julgamento dos temas remanescentes.

Brasília, de de

ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA

Ministro Presidente do TST