A C Ó R D Ã O
(4.ª Turma)
GMMAC/r3/sas/gdr
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. NÃO CONFIGURAÇÃO . Diante da ofensa ao art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, determina-se o processamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento a que se dá provimento. RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Para que seja autorizada a responsabilidade subsidiária da Administração Pública pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada conforme o disposto na Lei n.º 8.666/93, deve ser demonstrada a sua conduta omissiva no que se refere à fiscalização do cumprimento das obrigações relativas aos encargos trabalhistas. Esse, aliás, foi o entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal, que em recente decisão (ADC 16 - 24/11/2010), ao declarar a constitucionalidade do art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, asseverou que, constatada a culpa "in vigilando", gera-se a responsabilidade subsidiária da União. Não estando comprovada a omissão culposa do ente em relação à fiscalização quanto ao cumprimento das obrigações trabalhistas, não há de se falar em responsabilidade subsidiária. Recurso de Revista conhecido e provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n.º TST-RR-1213-38.2010.5.14.0402 , em que é Recorrente ESTADO DO ACRE e são Recorridos SAULO SOUZA DA SILVA e SANCOL SANEAMENTO CONSTRUÇÃO E COMÉRCIO LTDA.
R E L A T Ó R I O
Inconformado com a decisão a fls. 491/495, a qual denegou seguimento ao seu Recurso de Revista, interpõe o segundo Reclamado Agravo de Instrumento a fls. 497/513, pretendendo a reforma do despacho denegatório a fim de ver processado seu Recurso de Revista.
Não foram apresentadas contraminuta ao Agravo de Instrumento nem contrarrazões ao Recurso de Revista.
Parecer do Ministério Público do Trabalho pela desnecessidade de sua intervenção no feito.
É o relatório.
V O T O
AGRAVO DE INSTRUMENTO
ADMISSIBILIDADE
Conheço do Agravo de Instrumento, pois preenchidos os seus pressupostos extrínsecos.
MÉRITO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ENTE PÚBLICO - NÃO CONFIGURAÇÃO
O Regional negou provimento ao Recurso Ordinário do segundo Reclamado para manter a sentença que o condenou, de forma subsidiária, ao pagamento das verbas rescisórias devidas, sob os seguintes fundamentos:
"O C. TST, em sessão plenária realizada no dia 24/05/2011, aprovou a alteração da redação da Súmula n. 331, a qual, pelo novo teor, mantém a possibilidade de responsabilização subsidiária da Administração Pública Direta e Indireta quando, no caso concreto, restar constatado o desrespeito às regras impostas pela lei de contratos e licitações públicas (Lei n. 8.666/93) no que tange à fiscalização da empresa contratada. Em suma, a jurisprudência trabalhista consolidada, representada pela nova redação do comentado verbete sumular, mantém o entendimento de que, mesmo após a decisão proferida pelo Excelso STF na ADC n. 16, é aplicável o instituto da responsabilidade subsidiária do Ente Público, desde que este tenha incorrido em culpa ‘in vigilando’.
Eis o novo teor da Súmula n. 331 do C. TST, que teve a redação do item IV alterada e acrescidos os itens V e VI, ‘in verbis’:
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Consoante orientam os itens IV e V da Súmula n. 331 do C. TST, bem como os precedentes supracitados, a responsabilidade subsidiária dos tomadores de serviços, em sendo inadimplente a empresa prestadora, atinge até mesmo a Administração Pública Direta e Indireta, desde que tenha agido com culpa ‘in vigilando’, seja parte integrante da lide e conste do título executivo judicial.
Da doutrina do nobre jurista Maurício Godinho Delgado, colho importante ensinamento sobre o tema (‘in’ DELGADO, Maurício Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 7.ª ed., São Paulo: LTr, 2008, pp. 460/461):
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Ressai dos autos, como já salientado, que o Reclamante prestou serviços em benefício do ESTADO DO ACRE, mediante contrato celebrado entre este e a primeira/reclamada. Em tais tipos de contratações, o tomador de serviços deve observar a idoneidade econômica/financeira da empresa prestadora de serviço, além de velar, após a celebração do contrato, pela correta aplicação da legislação celetária em vigor, ou seja, verificar se a empresa cumpre, mensalmente, com o pagamento dos encargos trabalhistas, previdenciários e fundiários. Não agindo dessa forma, incorre em culpa ‘in eligendo’ e culpa ‘in vigilando’, tendo assim ocorrido no caso em evidência, pois o Recorrente escolheu empresa que não foi capaz de honrar com os compromissos trabalhistas devidos ao reclamante, todos de natureza alimentar.
Não está se falando aqui de vínculo empregatício com o ESTADO DO ACRE/recorrente, todavia, é inegável a responsabilidade do tomador de serviços pelos direitos daqueles trabalhadores que lhe prestaram serviços mediante contrato de locação de mão de obra.
Destaco que o Recorrente tenta isentar-se da culpa no que diz respeito à responsabilização subsidiária pelos direitos trabalhistas da obreira que, efetivamente, lhe prestou serviços, sugerindo, inclusive, que por integrar a Administração Pública Indireta e por ter celebrado contrato administrativo nos moldes da lei de licitações estaria livre de tal ônus. Ora, tal fato não possui o condão de isentá-lo dessa responsabilidade. Muito pelo contrário, pois justamente por integrar a Administração Pública deve obediência aos princípios da legalidade e moralidade (artigo 37 da CF/88), dispensando maior cautela na celebração de contratos, verificando a idoneidade das empresas com quem contrata, para que mais tarde os trabalhadores não sejam lesados em seus interesses.
Entretanto, ainda que se questione a existência de culpa ‘in eligendo’, por ter sido a empresa prestadora de serviços escolhida mediante processo licitatório, o inadimplemento das verbas trabalhistas ao longo do curso do contrato de trabalho pela primeira/reclamada, malgrado não constituir, isoladamente, fundamento para a responsabilização subsidiária da Recorrente,
faz transparecer a culpa ‘in vigilando’ do ESTADO DO ACRE, ao não fiscalizar, a ‘contento’, o cumprimento das obrigações trabalhistas da empresa fornecedora para com seus empregados.
Com efeito, de acordo com o que estabelece o art. 67 da Lei n. 8.666/93, é obrigação da Administração Pública velar pela adequada e correta execução do contrato administrativo, estendendo-se tal dever, por óbvio, à observância dos direitos trabalhistas dos empregados da empresa contratada.
Nesse passo, ainda que se considere que o art. 71 da lei de licitações veda a transferência de responsabilidade, em quaisquer de suas modalidades, ao Ente Público pelos encargos trabalhistas da empresa contratada, ‘in casu’, não há de se falar em violação do referido dispositivo, uma vez que a própria lei de licitações estabelece a obrigatoriedade de a Administração Pública fiscalizar o cumprimento das obrigações contratuais a cargo do contratado, aí incluídos os encargos trabalhistas.
Ora, o Recorrente sequer questiona, especificamente, as verbas trabalhistas reconhecidas em juízo ao reclamante, o que induz à conclusão de que, de fato, reconheceu o inadimplemento por parte da empresa fornecedora de mão de obra, o que avulta sua culpa por não fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas desta. Dessarte, ‘in casu’, há atração da orientação contida no ‘novel’ item V da Súmula n. 331 do TST.
Como dizer, diante disso, que não houve culpa ‘in vigilando’, ou melhor, culpa por não vigiar ou por mal vigiar, se as verbas trabalhistas não foram correta e tempestivamente quitadas, revelando que o tomador de serviços não adotou cautela alguma para se prevenir de tal situação.
Assim, o Recorrente deve responder, subsidiariamente, pelos créditos do empregado pelo período em que perdurou a prestação de serviços, porquanto incorreu em ‘culpa in vigilando’, ao não fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas pela terceirizada, não sendo lícito transferir ao obreiro tais encargos, na medida em que os riscos da atividade econômica devem sempre permanecer com o empregador, na forma do art. 2.º da CLT, no que se inclui a Administração Pública, quando celebra contratos de terceirização.
Em linha de conclusão, sobre esse ponto do recurso, ressalto que o reconhecimento da responsabilidade subsidiária do ESTADO DO ACRE, abrange todas as verbas decorrentes do contrato de trabalho, na direção indicada pelo ‘novel’ item VI da Súmula 331 do TST.
Com efeito, o instituto da responsabilidade subsidiária transfere à tomadora de serviços todas as obrigações inadimplidas pelo responsável direto e que derivarem do extinto contrato de trabalho. Tal transferência de obrigações apenas não abarca as penalidades exclusivas do responsável direto, como, por exemplo, a multa por litigância de má-fé, mesmo porque decorre esta da má conduta pessoal da parte no curso do processo.
Outrossim, a condenação subsidiária do Recorrente abrange também as multas dos arts. 467 e 477 da CLT, em razão de estas verbas estarem vinculadas ao contrato de trabalho, consoante jurisprudência desta Corte e do C. TST, segundo a qual, uma vez imposta a responsabilidade subsidiária, o tomador dos serviços responde pelo total devido na demanda." (a fls. 437/462.)
O Agravante sustenta que o Regional, ao aplicar a Súmula n.º 331, V, desta Corte, ofendeu o disposto no art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, que isenta o poder público da responsabilidade pelos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato firmado entre as Reclamadas. Alega que inexiste previsão legal estabelecendo a responsabilidade subsidiária da Administração Pública contratante pelas obrigações trabalhistas da contratada, uma vez que contratou a empresa prestadora de serviços mediante procedimento licitatório, não havendo de se falar em responsabilidade objetiva da Administração por dívida de entidade privada, especialmente tendo em vista o entendimento fixado na ADC 16. Destaca que não faltou com qualquer dever de vigilância, fazendo-se necessária a comprovação de culpa in vigilando , o que na hipótese não ocorreu. Aponta violação dos arts. 2.º, 5.º, II, 22, I, XXVII, 37, caput , XXVI, 102, § 2.º, da Constituição Federal; e 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93 (a fls. 467/483).
Com razão.
É entendimento desta Corte que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, mesmo que o contratante seja órgão integrante da Administração Pública.
Adaptando o posicionamento do TST ao entendimento esposado pelo Supremo Tribunal Federal, que em recente decisão (ADC 16 - 24/11/2010), ao declarar a constitucionalidade do art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, asseverou que, constatada a culpa in vigilando , isto é, a omissão culposa da Administração Pública em relação à fiscalização quanto ao cumprimento dos encargos sociais, gera-se a responsabilidade do ente contratante, esta Corte decidiu dar nova redação ao item IV da Súmula n.º 331 e acrescentar o item V ao seu texto:
"SÚMULA N.º 331. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE.
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IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada."
Diante desse posicionamento, para que a Administração Pública possa ser responsabilizada subsidiariamente ao pagamento dos encargos trabalhistas advindos da inadimplência da empregadora, faz-se necessário que o ente público tenha agido, comprovadamente , de forma omissiva quando da fiscalização do cumprimento das referidas obrigações, permitindo que danos sejam causados aos empregados da empresa contratada. Tal conduta deve estar demonstrada nos autos, porquanto não há de se cogitar de imposição de responsabilidade objetiva à Administração Pública com amparo no art. 37, § 6.º, da Constituição Federal.
No caso em tela, portanto, a inadimplência da contratada não transfere a responsabilidade dos débitos trabalhistas à Administração, isso porque o Regional além de entender que o inadimplemento da empresa contratada no que concerne às verbas trabalhistas caracteriza a ausência de fiscalização, não indicou expressamente, mas apenas de forma genérica, a conduta omissiva do Ente Público quando da fiscalização do cumprimento dos encargos sociais e trabalhistas de forma a comprovar a culpa in vigilando do Agravante, o que diverge do atual entendimento jurisprudencial que veda a responsabilização objetiva, automática, do Poder Público pelo mero inadimplemento dos débitos trabalhistas da empresa contratada, sem a indagação da existência de culpa.
Consequentemente, não havendo comprovação da inobservância das regras contidas nos arts. 58, III, 67 e 70 da Lei n.º 8.666/93, que atribuem à Administração Pública o dever de acompanhar e fiscalizar a execução dos contratos promovidos com a empresa prestadora de serviços, não há de se falar em negligência ou responsabilidade subsidiária.
Assim, o reconhecimento da referida responsabilidade afronta o disposto no art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93.
Portanto, razão assiste ao Agravante, pois a decisão do Regional afronta o disposto no art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93. Logo, dou provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do Recurso de Revista.
Conforme previsão do art. 897, § 7.º, da CLT e da Resolução Administrativa do TST n.º 928/2003, em seu art. 3.º, § 2.º, e dos arts. 236, caput , § 2.º e 237, caput , do RITST, proceder-se-á, de imediato, à análise do Recurso de Revista na primeira sessão ordinária subsequente.
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
Presentes os pressupostos legais de admissibilidade recursal, fica autorizada a incursão quanto aos pressupostos específicos da Revista.
CONHECIMENTO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ENTE PÚBLICO - NÃO CONFIGURAÇÃO
Reportando-me às razões de decidir do Agravo de Instrumento, conheço do Recurso de Revista por afronta ao disposto no art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93.
MÉRITO
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - ENTE PÚBLICO - NÃO CONFIGURAÇÃO
Conhecido o Apelo por violação do art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, dou provimento ao Recurso de Revista, como acima exposto, para julgar improcedente a pretensão relativa à condenação subsidiária do Recorrente, ficando prejudicado o exame dos demais temas ventilados no Apelo.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I - conhecer do Agravo de Instrumento e, no mérito, dar-lhe provimento a fim de determinar o processamento do Recurso de Revista; II - conhecer do Recurso de Revista, por violação do art. 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, para, no mérito, dar-lhe provimento a fim de julgar improcedente a pretensão relativa à condenação subsidiária do Recorrente, ficando prejudicado o exame dos demais temas ventilados no Apelo.
Brasília, 24 de Outubro de 2012.
Firmado por Assinatura Eletrônica (Lei nº 11.419/2006)
Maria de Assis Calsing
Ministra Relatora