A C Ó R D Ã O
2ª Turma
GMRLP/hj/cet/msg
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. REVELIA E CONFISSÃO FICTA – EFEITOS – PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS - ELISÃO. Nega-se provimento a agravo de instrumento que visa liberar recurso despido dos pressupostos de cabimento. Agravo desprovido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-145140-57.2005.5.05.0024 , em que é Agravante ANTÔNIO CÉSAR DE LIMA BARRETO SILVA e Agravada MASSA FALIDA DE MASTEC BRASIL S.A.
Agrava do r. despacho de fls. 98/99-v., originário do Tribunal Regional do Trabalho da Quinta Região, que denegou seguimento ao recurso de revista interposto, sustentando, em suas razões de agravo de fls. 03/12, que o seu recurso merecia seguimento. Instrumento às fls. 13/100. Não foi apresentada contraminuta. Dispensado o parecer da d. Procuradoria-Geral, nos termos do artigo 83, § 2º, II, do RITST.
É o relatório.
V O T O
Conheço do agravo de instrumento, posto que presentes os pressupostos de admissibilidade.
REVELIA E CONFISSÃO FICTA – EFEITOS - PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DOS FATOS ALEGADOS - ELISÃO
Insurge-se o agravante, em suas razões recursais, contra o despacho que denegou seguimento ao seu recurso de revista, sustentando que logrou demonstrar violação de lei federal. Em suas razões de recurso de revista, alegou que o não comparecimento da primeira reclamada na audiência importou em aplicação da pena de confissão ficta, presumindo-se verdadeiros os fatos apresentados pelo autor, pelo que não haveria necessidade do autor se desincumbir do seu ônus probandi . Afirmou que a defesa apresentada pela Telemar, segunda reclamada, não pode ser aproveitada, uma vez que desistiu da ação. Aduziu, assim, que deve ser considerada a presunção de veracidade decorrente da revelia aplicada, para que sejam deferidos os pedidos referentes à unicidade do vínculo de emprego, redução salarial, horas extras, férias, vale-transporte e integrações. Apontou violação dos artigos 818 e 844 da Consolidação das Leis do Trabalho, 267, VIII, 320, I, 333 e 334, II, III, e IV, do Código de Processo Civil .
O Tribunal Regional, ao analisar o tema, deixou consignado, in verbis :
"DA REVELIA DA PRIMEIRA RECLAMADA. EFEITOS
Afirma o recorrente que a decisão monocrática está equivocada, tendo em vista que foi homologado o pedido de desistência da ação quanto a segunda reclama e em sendo a primeira demandada revel, devem ser deferidos todos os pedidos por falta de prova nos autos. Não tem razão. A ausência da reclamada na audiência em que deveria apresentar defesa importa em revelia e confissão ficta quanto à matéria de fato ventilada na exordial. Há presunção de veracidade, que pode ser elidida por prova em contrário, como no caso dos autos. Não há que se falar em deferimento de todos os pedidos rejeitados, como requer o acionante. Indefiro.
DA UNICIDADE DO VÍNCULO. DA REDUÇÃO SALARIAL
Alega o autor que pelo Princípio da Continuidade da Relação Empregatícia, deve ser reconhecida a unicidade do vínculo empregatício. Não tem razão. É que o próprio autor junta documentação de fls. 13 e 15, onde se comprova que foram dois contratos distintos, o primeiro de 13/06/00 a 02/02/02 e o segundo de 05/02/03 a 30/11/03. Aduz também o acionante que sofreu redução salarial, uma vez que trabalhou ininterruptamente para as reclamadas, no período de 13/06/2000 a 30/11/03. Como visto, existiram dois contratos distintos e não houve redução salarial, mas nova contratação, para função diversa da primeira, com salário diverso. Nada a reformar.
DAS HORAS EXTRAS
Requer o autor seja aplicada a confissão ficta quando a jornada indicada na exordial, com o deferimento de horas extras. Ocorre que o pedido foi contestado e não houve prova de labor em sobrejornada. INDEFIRO.
DAS FÉRIAS
Indefiro o pedido, vez que não houve reconhecimento da unicidade de vínculo empregatício.
DOS VALES
Alega o autor que apesar de descontos efetuados em contracheques não foram fornecidos vales, pelo que pede o pagamento de indenização correspondente. Contudo, não provou que os vales não tenham sido fornecidos, como se presume através dos descontos em contracheques. Indefiro." (fls. 79/80)
E, em sede de embargos de declaração, consignou, in verbis :
"Inexistentes quaisquer destas hipóteses no Acórdão embargado, tendo em vista que restou esclarecido da decisão embargada não há que se falar em deferimento de todos os pedidos rejeitados, como requer o acionante, pois a ausência da reclamada na audiência em que deveria apresentar defesa importa em revelia e confissão ficta quanto à matéria de fato ventilada na exordial. Há presunção de veracidade, que pode ser elidida por prova em contrário, como no caso dos autos." (fls. 86/87)
Destarte, não vislumbro afronta à literalidade dos artigos 818 e 844 da Consolidação das Leis do Trabalho, 267, VIII, 320, I, 333 e 334, II, III, e IV, do Código de Processo Civil, como exige a alínea "c" do artigo 896 da Consolidação das Leis do Trabalho. É que, conforme consta no acórdão regional, "a ausência da reclamada na audiência em que deveria apresentar defesa importa em revelia e confissão ficta quanto à matéria de fato ventilada na exordial. Há presunção de veracidade, que pode ser elidida por prova em contrário, como no caso dos autos", pelo que, entendeu que "não há que se falar em deferimento de todos os pedidos rejeitados, como requer o acionante" . Em consequência, o Colegiado, embora pareça, da simples leitura do citado trecho do acórdão, que o Tribunal Regional desconsiderou a presunção de veracidade das alegações do reclamante, não é o que ocorreu, já que, conforme referido, o Colegiado decidiu as questões de direito utilizando-se do conjunto probatório trazido pelo próprio reclamante, atribuindo a correta subsunção da descrição dos fatos ao conceito contido no artigo 844, caput , da Consolidação das Leis do Trabalho, segundo o qual o não comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão, quanto à matéria de fato; bem como decidindo em consonância com o disposto no artigo 131 do Código de Processo Civil, que insculpe o princípio da persuasão racional do juiz.
Observe-se que a aplicação de confissão ficta à primeira reclamada não implica o reconhecimento automático do pleito obreiro. É que o juiz, com base no princípio do livre convencimento motivado (artigo 131 do Código de Processo Civil), tem poderes para elidir em todo ou em parte os efeitos da revelia. Pode, por exemplo, analisar a prova constituída anteriormente à aplicação da pena de confissão ficta e convencer-se de que os fatos narrados na inicial não são verdadeiros - ou são verdadeiros apenas em parte.
Nesse sentido, aliás, é o entendimento desta Corte, consubstanciado na Súmula/TST nº 74, II, a saber:
"A prova pré-constituída nos autos pode ser levada em conta para confronto com a confissão ficta (art. 400, I, CPC)..."
Equivale a dizer que a confissão ficta gera a presunção legal de veracidade dos fatos alegados pela parte autora, por força do disposto no art. 844, caput , Consolidado. Contudo, não se pode perder de vista que a confissão ficta possui presunção relativa ou juris tantum , podendo ser elidida por prova contrária, previamente existente nos autos, conforme ocorreu na hipótese vertente .
Acerca dessa questão, cumpre esclarecer que é pacífico na doutrina e na jurisprudência que os artigos 319 do Código de Processo Civil e 844 da Consolidação das Leis do Trabalho estabelecem uma presunção relativa de veracidade das alegações contidas na petição inicial, de forma que não fica exaurida, de plano, a análise do direito pleiteado, já que deve ser garantido ao magistrado o julgamento da questão à luz do princípio da persuasão racional, sendo-lhe conferida, dentre outras coisas, a possibilidade de indeferir o pleito ante a análise dos documentos trazidos com a petição inicial.
É o que leciona Manoel Antonio Teixeira Filho ( in A prova no processo do trabalho, 5. ed. São Paulo: LTr, 1991. p. 171):
"Não se haverá de resolver o problema sob o ponto de vista do ônus objetivo da prova, que lhes incumbia, como se tem propagado, se não que se considerará confesso o empregador, por força da exceção legal a que nos referimos (CLT, art. 844), e que não se restringe ao seu não-comparecimento à primeira audiência. É o aspecto coercitivo dessa norma legal (de sua natureza, aliás) que impede ao Juiz decidir quanto à existência ou não de confissão do empregador: esta haverá sempre, salvo se concernir à matéria de direito ou o contrário resultar de prova dos autos ". (g.n.)
Cândido Rangel Dinamarco ( in Instituições de Direito Processual Civil, Volume III, São Paulo, Malheiros, 2002, pág. 535), ao tratar dos efeitos da revelia, assim esclarece:
"Como toda presunção relativa, também essa não tem o valor tarifado e invariável próprio aos sistemas de prova legal. No sistema da livre apreciação de prova, segundo os autos, o juiz dar-lhe-á o valor que sua inteligência aconselhar, feito o confronto com o conjunto dos elementos de convicção eventualmente existente nos autos e levando em conta a racional probabilidade de que os fatos hajam ocorrido como disse o autor".
Neste sentido, convém transcrever os seguintes julgados do STJ, citados na obra "Código de Processo Civil e legislação processual em vigor" (Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa e Luis Guilherme A. Bondiole - 42. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010):
"A falta de contestação, quando leve a que se produzam os efeitos da revelia, exonera o autor de provar os fatos deduzidos como fundamento do pedido e inibe a produção de prova pelo réu, devendo proceder-se ao julgamento antecipado da lide. Se, entretanto, de documentos trazidos com a inicial se concluir que os fatos se passaram de forma diversa do nela narrado, o juiz haverá que considerar o que deles resulte e não se firmar em presunção que se patenteia contrária à realidade." (RSTJ 88/115)
"A presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor em face à revelia do réu é relativa, podendo ceder a outras circunstâncias constantes dos autos, de acordo com o princípio do livre convencimento do juiz." (STJ, 4a T.; RSTJ 100/183)
Nesse passo, a revelia e até mesmo a exclusão da segunda reclamada da lide não conduzem ao imediato acolhimento do pedido constante da inicial, isto é, não levam necessariamente à procedência do pedido. Isso porque este depende do exame pelo julgador de todos os elementos dos autos, ou seja, serão analisados sob a ótica do direito e em relação aos demais elementos de convicção do juízo nos autos. Assim, o acolhimento dos pedidos exordiais (unicidade contratual, redução salarial, horas extras, férias, vale-transporte e integrações) ficam condicionados à efetiva análise do conjunto probatórios dos autos, a cargo do julgador (art. 131 do Código de Processo Civil).
Nessa linha, veja-se os seguintes precedentes desta Corte acerca dos efeitos da revelia em cotejo com demais elementos de conhecimento do juízo, a saber:
"REVELIA. EFEITOS. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. ELISÃO. A revelia da Reclamada não importa automaticamente assunção de todas as afirmações do Reclamante, se os próprios documentos juntados pela Parte Autora contrariam suas alegações. Conforme especificado pelo Tribunal Regional, o TRCT homologado pelo Sindicato e juntado pelo próprio Reclamante não demonstra qualquer contrariedade quanto à forma de dissolução do vínculo, sendo prova hábil a afastar os efeitos da revelia e elidir a presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na inicial. Aplicação da Súmula 74, II, parte inicial, do TST. Recurso de Revista não conhecido." (RR-28200-93.2003.5.02.0078, Relator Ministro: José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, 2ª Turma, DEJT 12/06/2009).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. CONFISSÃO FICTA. SÚMULA 74/TST. PRESUNÇÃO RELATIVA. Embora a pena de confissão ficta implique a presunção de veracidade dos fatos articulados pela parte contrária, há de se considerar que essa presunção é relativa, uma vez que os outros elementos de prova existentes nos autos devem ser considerados e analisados, podendo, inclusive, infirmá-la. In casu , os documentos trazidos foram suficientes para comprovar que as horas extras foram prestadas em número maior do que as efetivamente pagas. Agravo de instrumento desprovido." AIRR-3341500-18.2002.5.01.0900, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 6ª Turma, DEJT 02/10/2009).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. CONFISSÃO FICTA. PRESUNÇÃO DE VERACIDADE. A confissão ficta das reclamadas gera presunção relativa dos fatos alegados na petição inicial, devendo ser confrontada com o acervo fático-probatório existente nos autos. Incidência da Súmula nº 74, II, do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento." (AIRR-9910200-63.2003.5.04.0900, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, DEJT 02/10/2009).
"RECURSO DE REVISTA – EFEITOS DA REVELIA . Mesmo em caso de revelia, a prova pré-constituída nos autos pode ser levada em conta para confronto com a confissão ficta, conforme dispõe o item II, 1ª parte, da Súmula nº 74/TST. Portanto, estando a prova produzida nos autos, independentemente de quem a produziu, autor ou réu, cabe ao juiz analisá-la para decidir as questões levadas ao seu conhecimento. Na hipótese, a Corte a quo expressamente atestou que, em que pese a revelia aplicada ao Autor, não há razões fáticas e jurídicas capazes de permitir o êxito da Reclamada, porque a conduta da Ré extrapolou os limites do que se considera legítimo, em termo de poder diretivo do empreendimento e traduziu o claro intento de reprimir o comportamento do empregado apenas porque contrariou os interesses da empresa, estes, sim, bastante discutíveis do ponto de vista da licitude. Aplicação da Súmula nº 126/TST. Não conhecido. (...)". (RR - 2014300-12.2003.5.09.0014, Relator Ministro: Carlos Alberto Reis de Paula, 3ª Turma, DJ 26/09/2008).
"REVELIA - PRESUNÇÃO RELATIVA - ANÁLISE DAS PROVAS PRÉ-CONSTITUÍDAS - POSSIBILIDADE A presunção resultante da decretação da revelia não é absoluta, sendo possível sua desconsideração se o conjunto das provas pré-constituídas indicar ao julgador conclusão diversa. Inteligência da Súmula nº 74, item II, do TST. Embargos não conhecidos." (RR-463698-63.1998.5.15.5555, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DJ 10/11/2006).
Com isso, tem-se que, apesar da aplicação de confissão ficta à primeira reclamada , o Tribunal a quo analisou os fundamentos fáticos narrados na petição inicial e entendeu em elidir os efeitos da revelia , pois o autor não conseguiu provar o fato constitutivo do seu direito, consistente na prova da existência unicidade contratual, redução salarial, horas extras (a qual, inclusive, foi contestada), férias e do não fornecimento de vales-transportes. Assim, o Tribunal Regional decidiu em consonância com a Súmula nº 74, II, acima transcrita.
Portanto, estando a decisão recorrida em consonância com o entendimento desta Corte, consubstanciado na Súmula nº 74, II, não há que se falar em violação aos artigos 818 e 844 da Consolidação das Leis do Trabalho, 267, VIII, 320, I, 333 e 334, II, III, e IV, do Código de Processo Civil, eis que tais preceitos foram analisados quando da edição da referida súmula.
Do exposto, conheço do agravo de instrumento para negar-lhe provimento.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento para negar-lhe provimento.
Brasília, 11 de abril de 2012.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Renato de Lacerda Paiva
Ministro Relator