A C Ó R D Ã O
Tribunal Pleno
GPACV/iao
PROPOSTA DE AFETAÇÃO EM INCIDENTE DE RECURSOS REPETITIVOS. EMPREGADO CONTRATADO NO BRASIL PARA TRABALHAR EM NAVIO DE CRUZEIRO INTERNACIONAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. Diante da multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a relevância da matéria e ausência de jurisprudência uniforme entre as Turmas do TST, torna-se necessária a afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: Qual é a legislação trabalhista aplicável nos casos em que o empregado é contratado no Brasil para trabalhar em navio de cruzeiro internacional em águas brasileiras e internacionais? Incidente de recursos repetitivos admitido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST- RR - 0010946-64.2023.5.03.0180 , em que são RECORRENTES CELEBRITY CRUISES HOLDINGS INC , PULLMANTUR SA , PULLMANTUR CRUZEIROS DO BRASIL LTDA. , ROYAL CARIBBEAN HOLDINGS DE ESPANA, S.L. e ROYAL CARIBBEAN CRUZEIROS (BRASIL) LTDA. - ME e é RECORRIDA SAMANTHA DUELLIS RAMOS .
Trata-se de proposta de afetação de recurso, apresentada pela Presidência do Tribunal Superior do Trabalho, em face de tema ainda não pacificado, nos termos do art. 896-C da CLT.
É o relatório.
V O T O
AFETAÇÃO DO RECURSO DE REVISTA AO REGIME DE RECURSOS REPETITIVOS – CASO EM EXAME
A matéria discutida no recurso de revista diz respeito a definir qual é a legislação trabalhista aplicável nos casos em que o empregado é contratado no Brasil para trabalhar em navio de cruzeiro internacional em águas brasileiras e internacionais.
Assim delineada a controvérsia, passo à análise dos requisitos para afetação do presente caso ao regime de incidente de recursos de revista repetitivos, o que faço com fundamento no art. 41, XXXVIII, do RITST.
MULTIPLICIDADE DE RECURSOS DE REVISTA FUNDADOS EM IDÊNTICA QUESTÃO DE DIREITO
Os requisitos legais para a instauração do incidente de recursos repetitivos estão previstos no art. 896-C, caput, da CLT, segundo o qual “Quando houver multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito , a questão poderá ser afetada à Seção Especializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples de seus membros, mediante requerimento de um dos Ministros que compõem a Seção Especializada, considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros dessa Seção ou das Turmas do Tribunal. ” (destaquei).
No que diz respeito ao requisito da multiplicidade de recursos de revista em que se discute a mesma questão de direito ora debatida, verifica-se que em consulta ao acervo jurisprudencial do TST, a partir da temática ora em exame, revelou 145 acórdãos e 156 decisões monocráticas , nos últimos 12 meses (pesquisa realizada em 10/03/2025 no sítio www.tst.jus.br).
RELEVÂNCIA DA MATÉRIA E DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTOS ENTRE AS TURMAS
O tema de fundo diz respeito a definir qual é a legislação trabalhista aplicável nos casos em que o empregado é contratado no Brasil para trabalhar em navio de cruzeiro internacional em águas brasileiras e internacionais.
Nos termos da Convenção 186 da OIT, vigente no ordenamento jurídico brasileiro por força do Decreto nº 10.671/2021, foi instituída a Convenção Sobre Trabalho Marítimo (CTM), constando de seu preâmbulo o seguinte:
“Relembrando o parágrafo 8º do Artigo 19 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, que determina que, de modo algum a adoção de qualquer Convenção ou Recomendação pela Conferência ou a ratificação de qualquer Convenção por qualquer Membro poderá afetar lei, decisão, costume ou acordo que assegure condições mais favoráveis aos trabalhadores do que as condições previstas pela Convenção ou Recomendação” (destaquei).
Conforme se vê da transcrição, a Convenção Sobre Trabalho Marítimo, cuja aplicabilidade aos os tripulantes de cruzeiros aquaviários em águas jurisdicionais nacionais e internacionais foi reafirmada pela Lei nº 14.978/2024, citando o parágrafo 8º do Artigo 19 da Constituição da Organização Internacional do Trabalho, consagra expressamente o princípio da norma mais favorável ao trabalhador.
Com efeito, a norma internacional alinha-se com o disposto no art. 3º, II, da Lei 7.064/82, segundo o qual:
Art. 3º - A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido assegurar-lhe-á, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços: […] II - a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria . (destaquei)
Sobre a matéria, cito os seguintes precedentes de Turmas desta Corte Superior:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO BRASILEIRA. LABOR EM NAVIO CRUZEIRO ESTRANGEIRO. EMPREGADO CONTRATADO NO BRASIL. SERVIÇO PRESTADO EM ÁGUAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA. DECISÃO PROFERIDA EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA. A hipótese dos autos é a de empregada contratada no Brasil para prestar serviços em navio de cruzeiro internacional. A jurisprudência desta Corte Superior é a de que a Justiça do Trabalho brasileira é competente para julgar os conflitos trabalhistas envolvendo empregado brasileiro contratado no Brasil para trabalhar em navio de bandeira estrangeira. Precedentes. Em relação à legislação aplicável, a matéria não comporta maiores debates no âmbito do TST, pois a SBDI-1, no julgamento do E-RR-10614-63.2019.5.15.0064, firmou entendimento de que deve ser aplicada a legislação trabalhista brasileira quando o empregado é contratado no Brasil para trabalhar em navio cruzeiro internacional, em águas brasileiras e internacionais, nos termos do art. 3.º, II, da Lei n.º 7.064/82 e da Convenção 186 da OIT, incorporada ao Direito Brasileiro pelo Decreto n.º 10.671/2021. Confirma-se a decisão monocrática que denegou seguimento ao Agravo de Instrumento, pois proferida em consonância com a mencionada jurisprudência pacificada por esta Corte. Aplicação do óbice previsto no art. 896, § 7.º, da CLT e na Súmula n.º 333 do TST. Não demonstrada a transcendência do Recurso de Revista por nenhuma das vias do art. 896-A da CLT. Agravo de Instrumento conhecido e não provido. AIRR-11514-66.2016.5.09.0016, 1ª Turma , Relator Ministro Luiz Jose Dezena da Silva, DEJT 05/11/2024
LEGISLAÇÃO APLICÁVEL - PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL AO TRABALHADOR. O TRT de origem consignou expressamente que " ao contrato de trabalho do recorrido dever ser aplicada a legislação trabalhista brasileira, nos termos da Lei nº 7.064/1982 e $ 2º do artigo 651 da CLT, pois norma mais favorável ". Significa dizer, portanto, que a Corte Regional concluiu que, considerando que o empregado foi contratado no Brasil, ainda que para desenvolver atividades em águas nacionais e internacionais, deve ser aplicada a legislação trabalhista brasileira em razão de a mesma se mostrar mais favorável ao trabalhador. De fato, aplica-se ao caso o regramento constante da Lei 7.064/82, a qual disciplina a situação dos trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior. Assim, conforme preconiza o inciso II do artigo 3º supratranscrito, havendo conflito entre a legislação brasileira trabalhista e as normas de direito internacional, assegura-se ao trabalhador a aplicação da que lhe for mais favorável, consideradas, em conjunto, as disposições reguladoras de cada questão. Deste modo, deve ser aplicado o Direito do Trabalho brasileiro, em razão do princípio da norma mais favorável, previsto no já citado artigo 3º, II, da Lei 7.064/82. Agravo interno a que se nega provimento" (Ag-AIRR-878-35.2019.5.07.0002, 2ª Turma , Relatora Ministra Liana Chaib, DEJT 17/05/2024).
EMPREGADA CONTRATADA NO BRASIL. LABOR EM NAVIO DE CRUZEIRO INTERNACIONAL. COMPETÊNCIA TERRITORIAL BRASILEIRA. APLICAÇÃO DAS LEIS NO ESPAÇO. 5. VÍNCULO DE EMPREGO. SÚMULA 126/TST. 6. CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO. SÚMULA 126/TST. A jurisprudência desta Corte ajustou-se às previsões da Lei nº 7.064/82, cujo artigo 3º determina a aplicação, aos trabalhadores nacionais contratados ou transferidos para trabalhar no exterior, da lei brasileira de proteção ao trabalho naquilo que não for incompatível com o diploma normativo especial, quando mais favorável do que a legislação territorial estrangeira. No caso vertente , tendo a Reclamante, brasileira, sido contratada no Brasil para trabalhar embarcada em navios, participando de cruzeiros, que percorriam tanto águas brasileiras quanto estrangeiras, é inafastável a jurisdição nacional, nos termos do art. 651, § 2º, da CLT. Aplica-se, outrossim, o Direito do Trabalho brasileiro, em face do princípio da norma mais favorável, que foi claramente incorporado pela Lei nº 7.064/82. Julgados. Recurso de revista não conhecido no aspecto (RRAg-2030-90.2017.5.09.0016, 3ª Turma , Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 22/11/2024)
"AGRAVO DA PARTE RECLAMANTE EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 - LABOR EM NAVIO DE CRUZEIRO INTERNACIONAL - LEGISLAÇÃO NACIONAL APLICÁVEL 1. Nos termos do § 3º do artigo 651 da CLT, é facultado ao empregado ajuizar a demanda no local de celebração do contrato ou no da prestação dos serviços. 2. Na hipótese, o Eg. TRT registrou que o Reclamante foi recrutado no Brasil para trabalhar em águas nacionais e internacionais, em navios de cruzeiro. É Incontroverso que a contratualidade foi executada tanto em águas nacionais quanto internacionais. 3. Nos termos do decidido pela C. SBDI-1 (E-ED-RR-15-72.2019.5.13.0015, Redator Designado Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT), aplica-se à hipótese a legislação brasileira. Agravo provido para não conhecer do Recurso de Revista" (Ag-ED-RR-1079-39.2015.5.02.0444, 4ª Turma , Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 24/01/2025).
"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EMPREGADO ARREGIMENTADO NO BRASIL. NAVIO DE CRUZEIRO INTERNACIONAL. LABOR EM ÁGUAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS. COMPETÊNCIA TERRITORIAL BRASILEIRA. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. NORMA MAIS FAVORÁVEL. ART. 3º, II, DA LEI Nº 7.064/1982. DECISÃO EM CONFORMIDADE COM ENTENDIMENTO PACIFICADO DESTA CORTE SUPERIOR. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. 1. Tendo em vista a finalidade precípua desta instância extraordinária na uniformização de teses jurídicas, a existência de entendimento sumulado ou representativo de iterativa e notória jurisprudência, em consonância com a decisão recorrida, configura impeditivo ao processamento do recurso de revista, por imperativo legal. [...] 4. Quanto à legislação aplicável , conforme acima assinalado, o reclamante foi recrutado no Brasil para trabalhar em navios que trafegam em águas nacionais e internacionais. O Tribunal Regional decidiu ser aplicável a legislação brasileira e afastou a incidência das regras de direito internacional privado (Lei do Pavilhão ou da Bandeira), em razão da aplicação do princípio da norma mais favorável. Ressaltou que não foi comprovado, nos autos, ser a lei estrangeira mais favorável. A matéria não comporta mais debates no âmbito desta Corte. Em recente julgado (21/9/2023), em composição plena, a SBDI-1 desta Corte decidiu que deve ser aplicada a legislação trabalhista brasileira no conjunto de normas em relação a cada matéria, quando o empregado é contratado no Brasil para trabalhar em cruzeiro internacional, nos termos do art. 3º, II, da Lei nº 7.064/82 e da Convenção 186 da OIT, incorporada ao Direito Brasileiro pelo Decreto nº 10.671/2021. Estando a decisão regional em conformidade com a jurisprudência desta Corte, atrai o óbice do art. 896, § 7º, da CLT. Mantém-se a decisão recorrida, com acréscimo de fundamentos. Agravo conhecido e desprovido" (Ag-AIRR-1495-21.2017.5.07.0016, 5ª Turma , Relatora Ministra Morgana de Almeida Richa, DEJT 20/09/2024).
"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO BRASILEIRA. EMPREGADO CONTRATADO NO BRASIL. LABOR EM NAVIO DE CRUZEIRO INTERNACIONAL. TRABALHO EM ÁGUAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA. Debate sobre a competência da Justiça do Trabalho brasileira em caso de trabalhador brasileiro contratado para desenvolver suas atividades em navios estrangeiros com percursos em águas nacionais e internacionais. O Regional, manteve a sentença, decidindo pela competência desta Justiça Especializada e aplicação da lei brasileira, invocando os artigos 651 da CLT, 21, I e III, do CPC, 12 da LINDB, bem como a Lei 7.064/1982. Registrou que todas as tratativas para a contratação foram feitas no Brasil, pela empresa Rosa dos Ventos, responsável pelo recrutamento e processo seletivo, com encaminhamento de carta de rectuamento passagem aérea, exame médico admissional tudo realizado no Brasil. Concluiu que " a lei do pavilhão não se impõe de forma absoluta, mormente no caso destes autos em que a contratação do autor efetivou-se em território nacional, bem como parte os serviços foram prestados em águas brasileiras ocorrendo o desembarque na cidade de Santos, litoral de São Paulo. Logo não há como afastar o critério da territorialidade tão somente em razão do registro das embarcações em outros países. Aplica-se portanto ao caso do reclamante o princípio do centro da gravidade, prevalecendo as regras de direito material mais próximas da relação jurídica debatida ." O exame prévio dos critérios de transcendência do recurso de revista revela a inexistência de qualquer deles a possibilitar o exame do apelo no TST. A decisão regional está em sintonia com a jurisprudência desta Corte, no sentido de incidir o art. 3º, II, da Lei 7.064/82 aos trabalhadores nacionais contratados no país ou transferidos do país para trabalhar no exterior. Entende-se que se aplica a legislação brasileira de proteção ao trabalho naquilo que não for incompatível com o diploma normativo especial, quando for mais favorável do que a legislação territorial estrangeira, sendo competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar o feito. A par disso, irrelevante perquirir a respeito do acerto ou desacerto da decisão agravada, dada a inviabilidade de processamento, por motivo diverso, do apelo anteriormente obstaculizado. Não ficou demonstrado o desacerto da decisão monocrática que negou provimento ao agravo de instrumento. Agravo não provido " (Ag-AIRR-1000301-24.2022.5.02.0083, 6ª Turma , Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 29/11/2024).
"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA AO EMPREGADO CONTRATADO NO BRASIL PARA PRESTAR SERVIÇOS EM ÁGUAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS. MATÉRIA PACIFICADA NO ÂMBITO DA SBDI-1. RECONHECIMENTO DA TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA. PROVIMENTO. I . No caso concreto, o Tribunal Regional proveu o recurso ordinário das reclamadas para afastar a aplicação da legislação trabalhista nacional na hipótese de empregado contratado no Brasil para prestar serviços em cruzeiro marítimo em águas nacionais e internacionais e, consequentemente, julgar improcedentes os pedidos formulados com apoio na CLT. II . Ocorre que, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais fixou o entendimento de que, na hipótese de empregado contratado no Brasil para prestar serviços a bordo de navio estrangeiro em águas nacionais e internacionais, incide a lei brasileira quando esta for mais benéfica ao trabalhador no conjunto de normas em relação a cada matéria, em consonância com o art. 3º, II, da Lei nº 7.064/82. Consignou a tese de que, a despeito da "Lei do Pavilhão ou Bandeira", prevista no Código de Bustamente, esta comportaria exceção à luz do princípio do centro de gravidade, segundo o qual as regras de direito internacional privado deixam de ser aplicadas em prol das normas locais de direito material nas circunstâncias em que se verificar que estas possuem "ligação mais forte com os fatos e a relação jurídica em análise", de modo que, uma vez afastada a lei do pavilhão, restaria aplicável a regra geral contida na Lei nº 7.064/82. III . Num tal contexto, constata-se que o Tribunal Regional decidiu em desacordo com a atual jurisprudência desta Corte Superior e com o disposto no art. 3º, II, da Lei nº 7.064/82. Identifica-se, assim, a transcendência política da causa. IV . Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (ARR-701-05.2014.5.05.0034, 7ª Turma , Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 19/12/2024).
RECURSO DE REVISTA - REGÊNCIA PELA LEI Nº 13.467/2017 - TRABALHO EM CRUZEIRO MARÍTIMO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. A jurisprudência dominante desta Corte Superior tem perfilhado o entendimento de que a jurisdição brasileira, em casos similares ao presente, é atraída pelos termos do § 2º do art. 651 da CLT, considerando que o trabalho foi realizado em navio de cruzeiro marítimo internacional que transitou em águas internacionais e também em território nacional, bem como que o reclamante foi arregimentado no Brasil. Relativamente à legislação aplicável, o entendimento é no sentido de que foi assegurada ao empregado brasileiro que labora no exterior a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho sempre que ficar evidenciado ser esta mais favorável que a legislação territorial, nos termos do inciso II do art. 3º da Lei nº 7.064/1982. Julgados da SBDI-1 e de Turmas do TST. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-969-34.2017.5.06.0161, 8ª Turma , Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 08/07/2024).
A C. Subseção I Especializada em Dissídios Individuais posicionou-se no mesmo sentido:
"EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA AO EMPREGADO BRASILEIRO CONTRATADO NO BRASIL PARA PRESTAR SERVIÇOS EM ÁGUAS NACIONAIS E INTERNACIONAIS. PACIFICAÇÃO DA MATÉRIA NA SBDI-1 DO TST. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL. TEORIA DO CENTRO DE GRAVIDADE. EMBARGOS PROVIDOS. I. No caso concreto, consta do acórdão regional, devidamente transcrito no acórdão turmário, que a contratação da reclamante para prestar serviços em cruzeiro marítimo em águas nacionais e internacionais deu-se em território nacional. Não obstante, a 4ª Turma do TST manteve a decisão unipessoal do Relator que conheceu e proveu o recurso de revista interposto pelos reclamados afastar a aplicação da legislação trabalhista nacional e julgar improcedentes os pedidos formulados na reclamação trabalhista. Adotou a tese de que " independentemente do local da contratação ou do país no qual se executam os serviços, é inafastável a regra geral de que a ativação envolvendo tripulante de embarcação é regida pela lei do pavilhão ou da bandeira, e não pela legislação brasileira ". Já o aresto apresentado, proveniente da 6ª Turma do TST , engendra inquestionável contorno dialético ao propugnar antítese no sentido de que , na hipótese de trabalhador brasileiro contratado no Brasil para desenvolver suas atividades em navios estrangeiros em percursos em águas nacionais e internacionais aplica-se a legislação brasileira, quando mais favorável, e não a lei do pavilhão. Assim, constata-se que a parte logra demonstrar divergência jurisprudencial válida em relação ao tema, pressuposto de admissibilidade inerente aos embargos de divergência previsto no art. 894, II, da CLT. II. Acerca da eficácia espacial das normas trabalhistas, entende-se, de modo geral, que a Convenção de Direito Internacional de Havana (Código de Bustamante), ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto 18.871/29, deve ser a base legal para reger contrato de trabalho nas hipóteses de prestação de labor em alto mar. Esse regramento cuida de princípio fulcral do Direito Internacional Marítimo denominado lei do pavilhão ou lei da bandeira do navio (arts. 198 e 274 a 294, do Decreto 18.871/29) para solução de conflitos, ou seja, aplicar-se-á, nesses casos, a lei referente ao local em que a embarcação foi regularmente registrada. Todavia, em contraste com o Código de Bustamante, temos a Lei 11.962/2009, que alterou a o art. 1º da Lei 7.064/82 (dispõe sobre trabalhadores contratados no Brasil e transferidos para prestar serviços em outro país), ampliando sua abrangência para todos os trabalhadores, e não somente para os da área de construção civil, anteriormente previsto. A atual redação da Lei 7.064/82 faculta aos trabalhadores contratados no Brasil, que laboram aqui e passam a trabalhar no exterior, a aplicação da lei trabalhista brasileira, quando mais favorável do que a legislação estrangeira. Nesse contexto, o Tribunal Superior do Trabalho, mediante a nova previsão legal, cancelou a sua Súmula nº 207, pela Resolução 181/2012, cujo teor enaltece o proêmio lex loc executionis , ou seja, o critério territorial, previsto no art. 198 do Código de Bustamante, para solução de eventual embate de jurisdição no espaço. Pela ótica da Lei 7.064/82, privilegia-se a legislação nacional, pois escora-se na teoria do centro de gravidade, most significant relationship , segundo a qual as normas de Direito Internacional Privado não se aplicam quando a relação jurídica de trabalho se conecta de forma fática e substancial ao ordenamento jurídico mais favorável da abrangência espacial em que se desenvolve a relação de trabalho, indicado pelo próprio empregado. Formou-se, então, o conflito aparente de normas no espaço para reger a relação de trabalho descrita nos autos. III . Ao examinar o tema, esta Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, em sua composição plena, no julgamento do E-ED-RR-15-72.2019.5.13.0015, fixou o entendimento de que, na hipótese de empregado contratado no Brasil para prestar serviços a bordo de navio estrangeiro em águas nacionais e internacionais, incide a lei brasileira quando esta for mais benéfica ao trabalhador no conjunto de normas em relação a cada matéria, em consonância com o art. 3º, II, da Lei nº 7.064/82. Consignou que, a despeito da "Lei do Pavilhão ou Bandeira", prevista no Código de Bustamente, esta comporta exceção à luz do princípio do centro de gravidade, segundo o qual as regras de direito internacional privado deixam de ser aplicadas em prol das normas locais de direito material nas circunstâncias em que se verificar que estas possuem "ligação mais forte com os fatos e a relação jurídica em análise", de modo que, uma vez afastada a lei do pavilhão, restaria aplicável a regra geral contida na Lei nº 7.064/1982. Acrescentou que, a prevalência da norma internacional "menos favorável" ao invés da norma brasileira "mais favorável" implicaria em subversão ao disposto no art. 19, item 8, da Constituição da Organização Internacional do Trabalho - OIT, norma vigente no Brasil. Pontuou que o caso em discussão não se amolda ao art. 178 da CRFB e ao Tema nº 210 da Gestão por Temas da Repercussão Geral. IV. Assim, considerando o teor da tese jurídica acima transcrita, verifica-se que a Turma Julgadora, ao afastar a aplicação da legislação trabalhista nacional, proferiu acórdão em desconformidade com o entendimento pacificado por esta SBDI-1 do TST. Nesse contexto, impõe-se o conhecimento e provimento dos embargos de divergência para reestabelecer o acórdão regional na fração em que, à luz do princípio da norma mais favorável e do art. 3º, II, da Lei nº 7.064/1982, determinou a aplicação da legislação trabalhista brasileira, com as pretensões daí decorrentes . V. Embargos conhecidos e providos, com ressalva pessoal de entendimento do Relator quanto à matéria de fundo" (Emb-E-Ag-RR-10025-40.2018.5.15.0118, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais , Relator Ministro Evandro Pereira Valadao Lopes, DEJT 21/02/2025).
Todavia, observa-se que há necessidade de maior exame da questão jurídica relativa à legislação aplicável aos tripulantes de cruzeiro, contratados no Brasil para atuar em águas nacionais e internacionais, à luz das recentes alterações na Lei n.º 7.064/1982, introduzidas pela Lei nº 14.978/2024, ainda não analisadas por esta Corte.
A ausência de critérios delimitados incentiva a recorribilidade e propicia o surgimento de entendimentos dissonantes entre os Tribunais Regionais do Trabalho, o que torna relevante a pacificação do tema. Aliás, após levantamento, verificou-se que há divergência nos Tribunais Regionais quanto ao tema, conforme se transcreve:
“TRABALHO EM NAVIO DE CRUZEIRO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA COSTA BRASILEIRA E EM ÁGUAS
NACIONAIS E INTERNACIONAIS. EMBARCAÇÃO COM BANDEIRA ESTRANGEIRA. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. As
questões envolvendo a embarcação e seus tripulantes, inclusive as questões sociais, dentre
as quais se insere a relação de trabalho, devem ser regidas segundo o consenso
internacional. Considerando a existência de tripulantes de diversas nacionalidades e a
natureza itinerante do empreendimento, não seria razoável manter a aplicação de inúmeras
leis trabalhistas, porquanto resultaria em condições de trabalho diferentes, com
tratamento distinto a depender da nacionalidade, ainda que na mesma função. A isonomia e a
segurança jurídica ficam fragilizadas na situação pretendida. Tendo em vista a regulação
internacional da matéria nas convenções firmadas pelo Brasil, não se aplica a legislação
brasileira aos contratos firmados pelo reclamante, cujo objetivo foi a prestação de
serviços em navios de cruzeiro em águas nacionais, internacionais e em alto-mar. Recurso
ordinário das reclamadas conhecido e provido. Recurso ordinário do reclamante
prejudicado.” (Tribunal Regional do Trabalho da
16ª Região
(1ª Turma). Acórdão: 0016346-70.2022.5.16.0006. Relator(a): LUIZ COSMO DA SILVA JUNIOR.
Data de julgamento: 20/06/2024. Juntado aos autos em 26/06/2024. Disponível em:
“LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. TRIPULANTES DE NAVIO DE CRUZEIROS. CONTRATAÇÃO OU PRÉ-CONTRATAÇÃO NO BRASIL. Aos tripulantes de navios de cruzeiros contratados ou pré-contratados nos Brasil aplica-se a legislação brasileira, nos termos da Lei 7.064/82, do princípio da norma mais favorável ao trabalhador e do princípio do centro da gravidade.” (Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (6ª Turma). Acórdão: ROT 0000184-89.2023.5.09.0513. Relator(a): PAULO RICARDO POZZOLO. Data de julgamento: 10/07/2024)
Feitos tais registros, verifico que o representativo definido para alçar o tema a debate foi interposto em face de acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 3º Região que, adotando entendimento semelhante ao deste C. Tribunal Superior do Trabalho, decidiu pela aplicação da legislação trabalhista brasileira ao contrato de trabalho da reclamante. Não obstante, foi dado seguimento ao recurso de revista das reclamadas por se constatar divergência jurisprudencial com acórdão do TRT da 12ª Região, conforme transcrição a seguir:
Consta do acórdão:
[…] Prosseguindo, a Lei n. 7.064/82, com a redação dada pela Lei n. 11.962 /09, assegura a todo empregado contratado no Brasil ou transferido por seu empregador para prestar serviços no exterior a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com a referida lei especial, quando mais favorável que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria. Nesse sentido, o entendimento atual do TST, após o cancelamento da Súmula n. 207, não mais se orienta pelo princípio da lei do local da execução. Com relação às normas de direito internacional mencionadas pelas reclamadas, a Convenção de Direito Internacional Privado - Código de Bustamante, ratificada pelo Brasil e incorporada pelo Decreto n. 18.871/29, dispõe em seu art. 198 que é territorial a legislação sobre acidentes do trabalho e proteção social do trabalhador, e estabelece nos arts. 274 a 281 a Lei do Pavilhão, ou Lei da Bandeira, que preceitua a aplicação da legislação do país de bandeira do navio. A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto n. 4.361/2002, estipula, no art. 94, 2, "b", a aplicação do direito interno do país de bandeira do navio. Não obstante, esta MM. Turma entende que se aplica o princípio do Centro de Gravidade (most significant relationship), segundo o qual as regras do Direito Internacional privado podem deixar de ser aplicadas quando a causa tiver uma ligação muito mais forte com outro direito, no caso, o brasileiro. O posicionamento é o de que não obstante o fato gere efeitos em diversas ordens jurídicas, ele tem apenas uma sede jurídica (um único centro de gravidade), pois somente em um dos países o fato gera maiores efeitos. Nesse sentido, vide 0010631-34.2019.5.03.0032 (ROT); Disponibilização: 18/08/2022. No caso, verifica-se que a maior irradiação dos efeitos deu-se no Brasil, posto que a trabalhadora foi recrutada para laborar para as rés em território nacional, o que equivale a um précontrato, reputando-se celebrado o contrato no lugar em que proposto, fatos que, pela lógica do sistema, justifica a aplicação da legislação brasileira. Neste sentido o documento juntado sob o Id 1b9db6d e seguintes.Inclusive, a única testemunha ouvida nos autos endossa a contratação no Brasil ao afirmar que (Id 1a5bc4d - pág. 3/4): "trabalhou na reclamada em 3 navios, em 2019, em 2021 e em 2022; em 2022 trabalhou no mesmo navio que a reclamante; a depoente foi contratada pela agência ISM/BR aqui no Brasil; essa agência faz o processo seletivo dos tripulantes dos navios da reclamada; é uma empresa terceirizada pela 1ª reclamada; não conhece ninguém que tenha chegado em algum navio e não tenha embarcado; a depoente recebeu toda a documentação online e o contrato de trabalho após ter feito os exames e os cursos; a depoente assinou o contrato de trabalho em São Paulo; esse contrato já estava assinado pela reclamada; (...) havia setor de RH no navio, para questões internas, como entrega de documentação, entrega de contrato, férias, entrega chave de cabine e uniforme." A realização de curso e entrevista, coleta de documentos, exames médicos admissionais, tratativas e assinatura do contrato e o cumprimento de pré-requisitos eram exigidos antes do embarque, tendo ocorrido em território brasileiro. Assim, comprovado que a fase inicial de contratação se desenvolveu no Brasil e, ainda, que parcela dos serviços foi prestada em solo nacional, é aplicável a legislação brasileira, não havendo se cogitar em aplicação das Leis internacionais (Lei do Pavilhão e Código de Bustamante). Não se cogita de aplicação do disposto no Capítulo III da Lei nº 7.064/1982, como pretendido (Id 775ca1d - pág. 52), por tratar "Da contratação por Empresa estrangeira", sendo certo que a contratação na hipótese não se deu por empresa estrangeira. A aplicação da legislação brasileira decorre do fato de a requerente residir no Brasil e da comprovação de que ela foi selecionada em território brasileiro. Nesse contexto, irrelevante a circunstância de um ou alguns dos contrato de trabalho terem sido executados integralmente em território internacional, de forma que os itinerários mencionados com a defesa (Id 1a66a1e - pág. 13) não alteram o entendimento do Juízo. Ressalto que, conquanto o art. 198 da Convenção Internacional de Direito Internacional Privado, de 1929 (Código de Bustamante), consagre o princípio lex loci executionis, isto é de ser aplicável a legislação do território onde são executadas as obrigações, o art. 19, item 8, da Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT), estabelece o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, de forma que não se observam as violações à lei e aos tratados internacionais suscitadas pelas recorrentes. Mesmo porque, como visto acima, a própria Lei 7.064/82 determina ser aplicável, em regra, o princípio da norma mais favorável. Neste sentido, a jurisprudência deste Regional [...] Não obstante as reclamadas aleguem que a legislação internacional seria mais benéfica, nada restou demonstrado no sentido de que essa regulamentação, considerada em seu conjunto, e não a partir de cláusulas isoladas, seria efetivamente mais favorável à reclamante se comparada à CLT. Saliento o caráter protetivo do Direito do Trabalho, pelo qual se busca um amparo preferencial ao trabalhador no exame da relação de emprego, estando assegurados direitos tais como 13º salário e férias, assim como o recolhimento de INSS e do FGTS. Ademais, a reclamante postulou pedidos com base na legislação pátria, sendo tal circunstância também um indicativo de que o direito material brasileiro lhe é mais favorável. Não se vislumbra afronta ao mencionado princípio da igualdade, pois a condição da autora de ser brasileira e ter sido contratada no Brasil difere daquela dos demais empregados da ré, de outras nacionalidades e contratados em locais diversos. Ainda, esclareço que a autonomia da vontade invocada pelas recorrentes não autoriza a escolha pelas partes da lei aplicável aos contratos internacionais, que devem observar normas cogentes do direito brasileiro, ou seja, de ordem pública, insuscetíveis de derrogação pelas partes. Acrescento que o fato da ré empregar trabalhadores de outras nacionalidades não impede a aplicação da legislação trabalhista, notadamente mais benéfica no caso em apreço, por dar efetividade ao acesso à justiça, sob a justificativa de que tal procedimento feriria o princípio da igualdade de tratamento, pois, se adotando tal raciocínio, estaria por chancelar a supressão de direitos trabalhistas, sem garantia ao empregado a possibilidade de discussão perante a legislação vigente na localidade de contratação. A pretensão de aplicar Convenção do Trabalho Marítimo (MLC – Maritime Labour Convention) o direito a ser aplicado no contrato de trabalho da reclamante, mesmo pela sua suposta supranacionalidade, não prospera, pois tal somente seria possível se o seu conteúdo material viesse em direção protetiva aos direitos humanos. No entanto, tomando-se como base o princípio da norma mais favorável, verifica-se que a legislação brasileira ainda se sobrepõe, pois tal tratado internacional prevê apenas um mínimo universal que não pode ser desrespeitado pelos países, como, por exemplo, uma jornada semanal de 48 horas se não houver previsão contratual (Id be9b789 - pág. 41), no entanto, esta não é a hipótese da legislação do país signatário, o qual já prevê uma norma eminentemente mais favorável à trabalhadora, não havendo se falar em sua incidência direta ou sobrepondo-se à CLT. Outrossim, eventual conteúdo de TAC em sentido inverso não é crível, pois a aplicação do protetivo do Direito do Trabalho não deixa desguarnecidos direitos de trabalhadores nacionais, seja em território nacional, seja no estrangeiro, devendo a matéria deve ser resolvida à luz da Lei nº 7.064/92, já que a reclamante fora contratada no Brasil para prestar serviços no exterior em navio pertencente à reclamada. Esclareço a Tese em Repercussão Geral firmada pelo STF (Tema 210), mencionada pelas recorrentes (Id 775ca1d - pág. 5), não é aplicável por tratar de situação específica de extravio de bagagem de passageiro, vejase: "Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor". O disposto no art. 178 da CF ("A lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreo, aquático e terrestre, devendo, quanto à ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido o princípio da reciprocidade") não autoriza interpretação no sentido de afastar a aplicação do princípio da norma mais favorável ao trabalhador, até porque se refere, de forma genérica, à "ordenação do transporte internacional", sem nada estabelecer a respeito da tutela dos direitos sociais e da legislação do trabalho. (…)
RECEBO o recurso de revista, uma vez que a parte recorrente demonstra a existência de divergência apta a ensejar o seguimento do recurso, com a indicação do aresto proveniente do TRT da 12ª Região, no seguinte sentido:
(...) TRABALHO EM NAVIO DE CRUZEIRO DE BANDEIRA ESTRANGEIRA. PRÉ-CONTRATAÇÃO NO BRASIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA COSTA BRASILEIRA E EM ÁGUAS DE OUTROS PAÍSES. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. Não caracterizadas as hipóteses que possibilitariam o afastamento da aplicação do princípio da territorialidade, de conformidade com o Código de Bustamante (arts. 198 e 274) e a Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (art. 91), aplica-se ao trabalhador que laborou em navio de cruzeiro de bandeira estrangeira na maior parte do tempo em águas internacionais e de outros países que não o Brasil a legislação do país da bandeira da embarcação (TRT-12ª R. - RO 0000523-24.2016.5.12.0056 - Rel. Narbal Antônio de Mendonça Fileti - DEJTSC 17.05.2019 , acesso ao site: http://www.trt12.gov.br, no dia 03.06.2019) (grifou-se) (...) (íntegra do inteiro teor anexada sob o Id. 58a9547)
CONCLUSÃO
RECEBO parcialmente o recurso.”
A divergência verificada, associada à grande quantidade de recursos sobre a matéria em foco, permite concluir pela necessidade de uniformização da jurisprudência desta Corte em um precedente obrigatório, como forma de promover a isonomia, a segurança jurídica e a razoável duração do processo (Constituição Federal, art. 5º, caput e LXXVIII).
Assim, preenchidos os requisitos do art. 896-C da CLT proponho a afetação do processo TST - RR - 0010946-64.2023.5.03.0180 como Incidente de Recurso Repetitivo junto a este Tribunal Pleno, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica:
Qual é a legislação trabalhista aplicável nos casos em que o empregado é contratado no Brasil para trabalhar em navio de cruzeiro internacional em águas brasileiras e internacionais?
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno, por unanimidade, acolher a proposta de afetação do incidente de recursos de revista repetitivos, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: Qual é a legislação trabalhista aplicável nos casos em que o empregado é contratado no Brasil para trabalhar em navio de cruzeiro internacional em águas brasileiras e internacionais? Determina-se o encaminhamento dos autos à distribuição, na forma regimental.
Brasília, de de
ALOYSIO SILVA CORRÊA DA VEIGA
Ministro Presidente do TST